Polícia não consegue confirmar se população de Cabo Delgado está a fazer justiça com as próprias mãos contra homens armados que intensificam as suas ações na província. E refuta o alastramento dos ataques para o Niassa.
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Os homens armados que atuam na província nortenha de Cabo Delgado voltaram aos ataques e forma mais intensificada. Aparentemente cansada de uma falta de resposta contra as ações dos insurgentes, agora a população decidiu reagir fazendo justiça pelas próprias mãos.
"No grupo de Nangade onde quase todos foram mortos, eram quese oito, dois terão sido capturados, porque a população confirmou-nos que matou muitos lá. Depois de terem atacado uma aldeia velha a população insurgiu-se, fez um cerco e acabou por atingir um certo número deles", relata à DW África David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, os testemunhos que ouviu em Nangade, distrito vizinho, no dia 3 de dezembro:
PRM não confirma e nem desmente
No passado dia 6 de dezembro o jornal online "Carta de Moçambique" noticiou a decapitação de insurgentes e publicou ainda imagens de supostos populares com membros humanos nas mãos. A DW África contactou o porta-voz da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Cabo Delgado.
Mas Augusto Guta remeteu-nos a outros: "Nós não confirmamos. Mais uma vez submetemos esse caso ao comando geral da PRM, porque esses assuntos relacionados com a desordem que está a acontecer na zona norte da província de Cabo Delgado quer a gestão do pessoal e dos meios materiais são feitas a nível das Forças de Defesa e Segurança e é falado ao nível do comando geral"
Mas nem o porta-voz do comando geral da PRM estava em condições de confirmar o caso. As palavras de Inácio Dina foram as seguintes: "Não tenho consciência do tal facto, é preciso aferir. Como disse, é uma notícia que preciso apurar, não posso confirmar nem desmentir. Não estou em condições, precisava de contactar várias fontes, os colegas e comandantes distritais."
Justiça popular em Cabo Delgado: "Não confirmamos", diz PRM
Um ping-pong da Polícia que no final não resultou em nenhuma informação objetiva à DW África. Entretanto, Dina prometeu dar esclarecimentos sobre o caso.
PRM contra-ataca HRW
E no mesmo período, no começo de dezembro, a Human Rights Watch (HRW) denunciava novas suspeitas de execuções sumárias e abusos das autoridades contra supostos autores de ataques. A conclusão resulta de entrevistas feitas pela ONG de defesa dos direitos humanos a 12 vítimas e testemunhas de abusos, bem como oficiais das forças de segurança e jornalistas.
"São acusações que caberão a quem as faz provar a autenticidade delas. E para as Forças de Defesa e Segurança chega, de facto, a ser uma ofensa, porque o nosso engajamento é prevenir que a população continue a sofrer atrocidades daqueles grupos", contra-ataca Inácio Dina.
E o porta-voz da PRM sublinha que "as Forças de Defesa e Segurança tiveram de agir para evitar que houvesse continuação dos atos. Foram apresentados em juízo e neste momento aguardamos pela leitura das sentenças."
Não há alastramento dos ataques para Niassa
E a par do recrudescimento de ataques em Cabo Delgado, as ações dos insurgentes estariam a alastrar-se para a província do Niassa, ainda segundo a "Carta de Moçambique". Em finais de novembro um ataque terá sido efetuado por eles no distrito de Balama da província, tendo resultado na morte de uma pessoa.
Mas Inácio Dina garante que não há pulverização dos ataques, que está tudo sob controlo: "O ponto de situação neste momento é Cabo Delgado, mais nos distritos ao norte, mas não há alastramento para outras províncias. Essa informação não confirmamos."
Os ataques de homens armados não devidamente identificados começaram há mais de um ano e dois meses e cerca de 200 pessoas foram mortas. Os ataques tornam-se agora quase diários, o mais recente aconteceu nesta quinta-feira (13.12.) em Msangue Ponta, distrito de Palma, mas sem relato de mortes.
O administrador do distrito, David Machimbuko, revela que os grupos que outrora eram compostos por 50 pessoas agora têm cada um cerca de oito.
Quais as motivações dos ataques armados em Cabo Delgado?
Há mais de nove meses que o norte de Moçambique tem sido palco de violentos ataques armados. Suspeitas há muitas e até já há um estudo, mas até hoje não está claro quem são os atacantes e nem o que os move.
Foto: Privat
Mocímboa da Praia: Era uma vez um lugar pacato...
Até 5 de outubro de 2017 a província de Cabo Delgado vivia na tranquilidade, pelo menos aparentemente. Mas desde essa data tudo mudou quando cerca de 30 homens armados desconhecidos atacaram três postos da polícia do distrito de Mocímboa da Praia, matando cinco pessoas, entre elas polícias, e ferindo mais de dez. Na altura a Polícia disse que estava a investigar o caso.
Foto: DW/G. Sousa
O alastramento dos ataques
Dois meses depois Mocímboa viveu novos ataques e desde essa altura os ataques armados têm vindo a alastrarar-se muito rapidamente para outros distritos. Palma começou a ser alvo a partir de janeiro de 2018.
Foto: DW/Estácio Valoi
Marcha contra um "Islão que não existe"
Uma semana depois do primeiro ataque Mocímboa da Praia marchou pela paz. A iniciativa juntou líderes de diferentes religiões, cristã e muçulmana, estes últimos a maioria na região. Os atacantes, que se dizem muçulmanos, defendem uma visão radical do Islão. As autoridades do distrito consideram que esse é um "Islão "que não existe", e acusam "os bandidos" de usaram a religião como "capa".
Foto: Estácio Valoi
Os indícios que não terão sido tomados a sério
Já em 2016 supostos pregadores do Islão foram expulsos do país por estarem ilegais no país. Também já foi intercetado um angariador de crianças a cujos pais era prometida educação e bons tratos. Mas o destino, passando por Nampula, eram escolas corânicas com o fim de radicalização. Há também detenções de pessoas que propagam a insurgência contra as instituições do Estado.
Foto: Colourbox/krbfss
Detenções e excesso de zelo
Cinco dias após o início dos ataques, a Polícia já tinha detido 52 pessoas, o que assustou alguns líderes religiosos. Mas havia outros líderes que eram a favor, justificando a necessidade de denunciar malfeitores para "purificar fileiras", mesmo que isso leve a excesso de zelo. Mas a Polícia ainda não sabe dizer quem são os atacantes, justificando sempre que está a trabalhar no assunto.
Uma das maiores reservas de gás de mundo está em Cabo Delgado. Em Palma as multinacionais operam no setor. Em Mocímboa da Praia há minas de rubis que são bem cotados nos mercados internacionais. O IESE, MASC e um líder muçulmano realizaram um estudo na sequência dos ataques e concluiram preliminarmente que o objetivo dos atacantes é garantir o tráfico dos inúmeros recursos da região.
Foto: ENI East
Erik Prince, o salvador da pátria?
Empresário norte-americano na área de segurança tem interesses nas empresas envolvidas nas dívidas ocultas. Uma delas a Proindicus, criada para garantir a segurança nas águas moçambicanas. Por outro lado acredita-se que tenha criado uma empresa de segurança e estaria a contar como pagamento pelos serviços os dividendos do gás. Eric Prince já prestou serviços para o Governo dos EUA no Iraque.
Foto: Imago/UPI Photo
Deslocados internos: Existem ou não?
O medo dos violentos ataques fez com que a população fugisse. Mas as autoridades locais garantem que ela regressa às suas comunidades graças à patrulha feita pelo exército e afirmam que são poucas as deslocações. Entretanto, não há números exatos. Quem está a lidar com esses deslocados são as autoridades locais. Até ao momento nenhuma agência da ONU ou ONG humanitária foram chamados a intervir.
Foto: Privat
Participação das FDS na reconstrução
Embora as FDS, Forças de Defesa e Segurança, não consigam impedir as ações dos atacantes elas garantem o patrulhamento depois dos ataques. Também auxiliam diretamente na reconstrução das casas incendiadas pelos atacantes. Isso, segundo as autoridades, permite o retorno da população às suas aldeias.
Foto: Borges Nhamire
Participação das comunidades
Supõe-se que os jovens que integram os grupos armados sejam recrutados nas comunidades. As autoridades pedem, por isso, que as populações se mantenham vigilantes e denunciem qualquer ilícito ou movimentação suspeita.
Foto: Privat
Governador visita comunidades
Os assassinatos tornam-se cada vez mais bárbaros. Há decapitações com recurso à catanas e nem as crianças escapam. Na sequência do recrudescimento dos ataques e do nível de violência o governador da província de Cabo Delgado, Júlio Parruque, visitou familiares das vítimas.
Foto: Privat
Presidente de Moçambique em Cabo Delgado
A 29 de junho de 2018 o Presidente Filipe Nyusi esteve nos distritos alvo dos ataques. Pouco antes disso o estadista tinha sido criticado por alguns setores por nunca se ter pronunciado publicamente sobre os ações violentas. Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção contra ataques e mostrou abertura, convidando os atacantes para dialogar.
Foto: privat
Um mar de gente para ouvir Nyusi
Em Cabo Delgado, Filipe Nyusi foi ouvido por milhares de pessoas a quem exortou para que se distanciem de crenças religiosas que estariam na origem da instabilidade: "Estão a recrutar pessoas nos distritos costeiros. Estão a ir também a Nampula recrutar pessoas para vir morrer aqui. Não deixem que isso aconteça. Estão a semear luto nas vossas famílias. E são jovens que vocês conhecem, denunciem".