Ataques armados impedem regresso às aulas em Moçambique
Bernardo Jequete (Manica)
9 de julho de 2020
Em Moçambique, as escolas do distrito de Gondola, província de Manica, não vão reabrir na data prevista. O problema não é a pandemia da Covid-19, mas a série de ataques armados no centro do país.
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Etelvina Ambasse, administradora do distrito de Gondola, em Manica, revelou à DW África que as escolas de Pinanganga, Muda-Serração e Chibuto 1 e 2 não poderão retomar as aulas presenciais em 27 de julho, por estarem localizadas na zona dos ataques armados. O Governo responsabiliza a Junta Militar de Mariano Nhongo pelos ataques.
O Conselho Executivo Provincial tomou conhecimento da situação e já desenhou estratégias para os alunos que serão afetados pela medida. Segundo o diretor provincial da Educação e Desenvolvimento Humano em Manica, Baptista Francisco, os alunos daquelas escolas continuarão a ter aulas à distância. "Até ao momento, estamos a priorizar a estratégia de resolução de fichas de exercícios. Os professores elaboram as fichas, os pais vão buscá-las à escola e as crianças resolvem, e de novo retornam à escola", disse Francisco.
Alunos saem prejudicados
Uma aluna da 10ª classe, que falou sob anonimato sobre a situação em Gondola, descreveu o cenário como "dramático", acrescentando que os alunos não são adequadamente informados. E deixa um apelo: "Gostaríamos que isso acabasse para também irmos à escola quando for a nossa vez, que é a segunda fase. Estamos a pedir ao Presidente Nyusi para resolver esse problema".
Para o psicólogo educacional Boaventura Bosco, a situação pode prejudicar as crianças, que necessariamente terão um aproveitamento pedagógico diferente os estudantes com acesso a aulas presenciais. "Este é um assunto que carece de diligências rápidas de quem de direito para a resolução deste problema que Moçambique está a encarar, para não retardar o desenvolvimento.
Estas crianças vão crescer psicologicamente alteradas, vão crescer com a consciência que Moçambique esta em guerra", disse Bosco à DW África, acrescentando ser necessário encorajar as crianças a continuar a estudar, mas também "os quadros da educação que estão nessas zonas de conflitos e apelar que eles tenham muita cautela porque a vida é que esta em jogo". Boaventura Bosco espera que o Governo providencia proteção adequada a alunos e quadros no ensino para que "os exercícios cheguem aos destinatários e os professores tenham de volta os exercícios alocados".
Problemas de infraestrutura
Para além dos ataques armados, as escolas também enfrentam problemas de infraestruturas, que poderão atrasar o reinício das aulas, segundo a governadora provincial, Francisca Tomás."Um dos maiores problemas é água nas escolas. Temos escolas que ainda não têm água, principalmente para a implementação da 2ª e 3ª fase”. Os preparativos vão mais avançados no que toca à primeira fase, em termos de salas de aulas, redimensionamento das turmas, professores e higiene, acrescentou Tomás, com a ressalva que faltam "ainda alguns materiais como baldes para o complemento da nossa higienização".
O secretário de Estado em Manica, Edson Macuácua, indicou que a retoma das atividades letivas presenciais só poderá ocorrer naqueles estabelecimentos onde forem observadas rigorosamente as medidas de prevenção à Covid-19. Macuácua recomendou aos gestores de instituições que aprimorem as condições dos estabelecimentos do setor com vista a assegurar o reinício das aulas presenciais em segurança. O secretário pediu também a criação, com urgência, de brigadas em todos os distritos para a monitorização das condições de higiene e saneamento das escolas arroladas para reiniciarem com as aulas, à luz do decreto presidencial sobre o estado de emergência.
Moçambique: Os jovens carregadores de Manica
Carregar mercadorias à cabeça é uma profissão comum em Manica. O trabalho é pesado e implica competir com colegas e transportes de passageiros pelos clientes. Ainda assim, também há crianças entre os carregadores.
Foto: DW/B. Jequete
Usar a cabeça
Os carregadores transportam diversos tipos de mercadorias ou bagagem de um ponto para o outro, usando a cabeça como suporte. Este é o ganha-pão de muitos jovens moçambicanos, que assim conseguem garantir a sustentabilidade da família. Mesmo que a bagagem seja pesada, os carregadores não têm "mãos a medir".
Foto: DW/B. Jequete
Quando não há emprego
Na maioria, os carregadores são jovens escolarizados, mas fazem carga e descarga de produtos em viaturas, usando a cabeça para ganhar dinheiro. Há também chefes de família nesta profissão: os filhos frequentam a escola graças a esta atividade. Mas muitas pessoas evitam assumir-se como carregadores, por vergonha.
Foto: DW/B. Jequete
Amigos, amigos... Negócios à parte
Os carregadores são amigos, mas apenas de "trincheira". Quando acaba de chegar um camião contendo mercadoria para ser carregada, há muitas vezes troca de "mimos" na disputa pelo trabalho. Não são raros os empurrões para decidir quem ganha mais lotes para transportar: quanto maior for o número de mercadorias, maior será o valor recebido ao final do dia.
Foto: DW/B. Jequete
Carregadores VS Chapas
Também os transportes de passageiros ou chapas são vistos como adversários diretos dos carregadores. Os motoristas acabam por usar a parte de cima dos veículos como bagageira. "Nos últimos dias, não temos tido movimento, porque muitos são enganados pelos cobradores [de bilhetes dos chapas] para que as suas bagagens sejam levadas nos <i>minibuses</i>", diz um carregador ouvido pela DW em Manica.
Foto: DW/B. Jequete
Poupar no transporte
Algumas "mamanas", mulheres moçambicanas, recusam recorrer aos serviços dos carregadores. Percorrem longas distâncias com muito peso à cabeça, mas não desistem de o fazer para poupar dinheiro. Por vezes, os carregadores cobram valores que chegam quase à metade do preço do produto a ser transportado. "Não faz sentido mandar carregar, preferimos fazê-lo sozinhas", afirmam.
Foto: DW/B. Jequete
Descansar o pescoço
Elídio Morais, pai de três filhos, decidiu comprar uma bicicleta após cinco anos a carregar mercadorias à cabeça, numa altura em que já sentia que "o pescoço se atrofiava". Usa a bicicleta para fazer o mesmo trabalho e consegue alimentar a sua família. Encoraja os jovens que se envolvem na criminalidade alegando a falta de emprego a enveredar pela ocupação de carregador: "Há espaço para todos".
Foto: DW/B. Jequete
Trabalho infantil
No Mercado 38mm, o maior mercado grossista em Chimoio, há quem pague às crianças que por ali circulam em busca de produtos rejeitados para carregarem mercadorias. Nestes casos, é o proprietário da carga quem estipula o preço. Mas há quem "contrate" estas crianças a baixo custo. E muitas acabam por abandonar a escola. O peso excessivo das cargas é um risco nesta fase de desenvolvimento.
Foto: DW/B. Jequete
Carregar para estudar
Zacarias Fombe, de 16 anos, é carregador. Frequenta a 10ª classe e carrega mercadorias para pagar os estudos. Quer ser funcionário público e ajudar os irmãos a estudar. "Um dia estava a passear neste mercado e um senhor chamou-me para transportar a sua bagagem. Vi que o meu problema seria resolvido com esta atividade", conta.
Foto: DW/B. Jequete
Pagar para carregar: um desperdício?
Joelma Banda, acompanhada pela irmã, conta à DW que está na fase inicial do seu negócio e, por isso, opta por carregar sozinha o produto. Pagar a um carregador é um desperdício: o valor cobrado pode ser usado para investir no seu negócio ou comprar comida para casa. Quando o negócio aumentar, diz Joelma, já poderá contratar carregadores.
Foto: DW/B. Jequete
A alma do negócio
Abrãao Fazbem, de 18 anos, foi carregador. Mas não por muito tempo. Entrou na atividade com o intuito de ganhar dinheiro para começar o seu próprio negócio. "Fi-lo durante alguns meses. Quando consegui juntar um valor, deixei e parti para o mundo do negócio. Vendo sacos de plástico e temperos", conta o jovem. De manhã, trabalha no mercado, à tarde vai à escola.
Foto: DW/B. Jequete
De carregador para "tchoveiro"
Os "tchovas", carrinhos de mão de tração humana, mudaram a vida de alguns carregadores. Mas os velhos hábitos mantêm-se: quando a carga é pouca, os "tchoveiros" ainda usam a cabeça. Estes e outros veículos são competição direta para os carregadores. Em Manica, cidadãos com viatura própria aproveitam para passar no mercado a caminho do trabalho para carregarem produtos e ganharem um dinheiro extra.
Foto: DW/B. Jequete
As vantagens dos carrinhos de mão
Por vezes, a carga é muita e os carregadores recusam transportar a mercadoria. É aqui
que entram em ação os "tchovas" - um serviço mais caro, mas, ainda assim, mais barato do que alugar uma carrinha. Os carrinhos de mão são os mais solicitados pelos agentes económicos para fazer o transporte dos produtos do mercado grossista para as suas lojas.