Nove pessoas foram condenadas a 16 anos de prisão por envolvimento em crimes relacionados com ataques em Cabo Delgado. Três arguidos foram absolvidos no quarto processo do género no norte de Moçambique.
Publicidade
Dos 17 réus que constavam do processo, nove foram condenados a uma pena única de 16 anos de prisão por crimes contra a organização do Estado, associação para delinquir, conspiração, instigação ou provocação à desobediência coletiva. Três réus foram absolvidos por não haver provas de envolvimento nos crimes de que eram acusados.
De acordo com o veredito do Tribunal Provincial de Cabo Delgado, lido esta quarta-feira (31.07) pelo juiz Geraldo Patrício, alguns dos condenados são de nacionalidade tanzaniana e alegavam estar à procura de emprego; outros são do Burundi e fizeram-se passar por refugiados.
"Os tanzanianos alegavam estar de passagem para a África do Sul, mas estavam dentro do grupo [de insurgentes], assim como os burundeses - uns foram recrutados em Marratane e outros diziam que saíam do país deles para Marratane, onde queriam refugiar-se, só que isso não nos convenceu, porque, para ter o estatuto de refugiado, não é automático - há regras sobre como proceder", lembrou o juiz.
Os réus condenados deverão ainda pagar cinco meses de multa na taxa diária de 5% do salário mínimo nacional, 2550 meticais (o equivalente a cerca de 36 euros) de emolumentos a favor do defensor oficioso e 850 meticais (12 euros) de impostos de Justiça.
Ataques armados: Mais nove condenações em Cabo Delgado
Cinco réus julgados noutro processo
Outros cinco réus deste caso serão julgados mais tarde num processo autónomo, porque, durante a investigação, ainda não foram recolhidos dados suficientes. "O juiz foi muito prudente, em vez de optar por absolver, preferiu remeter [ao Ministério Público] um segundo processo autónomo, de modo a que possa completar os elementos necessários para a sua condenação ou absolvição, mas com dados evidentes", disse o porta-voz do Tribunal Provincial de Cabo Delgado, Zacarias Nhapatima.
Zacarias Nhapatima justificou a incompletude dos processos com a complexidade do caso. "É muito difícil", lembrou. "Estamos a lidar com processos-crime cujo modo de ação se carateriza como atos de terrorismo e esses processos são complexos e a sua instrução requer um espaço de tempo e existência de material necessário para poder formar o corpo de delito suficiente de modo que o juiz da causa não tenha dúvidas do envolvimento das pessoas."
O Ministério Público e os advogados de defesa não prestaram declarações aos jornalistas.
Com esta sentença, são já 96 os condenados por participação nos ataques armados em Cabo Delgado. 112 pessoas foram absolvidas e outras 29 deverão ser julgadas em processos autónomos.
Entretanto, a Procuradoria Provincial de Cabo Delgado, submeteu no dia 10 mais um processo, com 16 acusados, ao tribunal local, relacionado com os ataques armados.
Artigo atualizado a 31 de julho de 2019 às 19:54 (CET).
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.