Ataques deixam 30 mil crianças sem aulas em Cabo Delgado
Selma Inocência
13 de fevereiro de 2020
Governo garante a instalação de salas de aula em áreas seguras para receber alunos que tiveram de fugir de zonas de ataques. Medidas para que estudantes voltem às aulas comprometem 21% do orçamento para a Educação.
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Duas semanas após o início do ano letivo, mais de 30 mil crianças estão impedidas de ir às aulas devido aos ataques de insurgentes em Cabo Delgado, no norte de Moçambique. A crise de segurança na região já causou a morte de 350 pessoas e, segundo o Governo moçambicano, dezenas de milhares de famílias estão deslocadas.
Em entrevista à DW, a porta-voz do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH), Gina Guibunda, disse que o governo garante a reinserção destes alunos na rede de ensino da região. O ministério informou que orientou as escolas e os serviços distritais das zonas consideradas seguras a receber os alunos que vêm de zonas afectadas pelos ataques.
O MINEDH improvisará salas em zonas consideradas seguras para acolher os alunos deslocados. Guibunda, no entanto, não afasta a probabilidade de haver turmas superlotadas. "Infelizmente, ainda termos desafios na questão do rácio aluno-professor. O nosso rácio está mais ou menos a 65 alunos por turma. Isto decorre da falta de professores para poder suprir todas estas necessidades", disse a porta-voz.
Segundo MINEDH, há salas que estão a ser reconstruídas e tendas para acolher os alunos. As estruturas estão a ser instaladas em locais considerados "seguros". O Governo conta com a ajuda dos parceiros para superar a crise na educação provocada pela ação dos insurgentes.
Distribuição de livros atrasada
Sem adiantar números, o MINEDH admite que o dinheiro necessário para reconstruir as escolas e garantir que os alunos desalojados tenham aulas pressionará os 21% do Orçamento do Estado dedicados para o setor. O Ministério adianta que conta com o apoio de vários parceiros para fazer face à situação.
Foram adquiridos 18 milhões de livros escolares para o ensino primário e materiais para professores em todo o país. A distribuição do material atrasou em Cabo Delgado devido à insegurança e as fortes chuvas na região. O mau tempo destruíu a ponte sobre o rio Montepuez, que liga vários distritos a norte da província, por isso o transporte teve de ser feito por via fluvial.
Guibunda informou que o material chegou na semana passada, mas terá agora de ser realocado, em função do deslocamento da população. "O desafio é de levar-se esses livros do local onde estava previamente estabelecido para os locais onde [as crianças] estão acomodadas", salientou.
A porta-voz afirmou que há desafios relacionados com os próprios professores. "O Serviço distrital de Educação, Juventude e Tecnologia tem de fazer um exercício de alocar os professores onde as crianças estão", disse.
Ações emergenciais
Ataques deixam 30 mil crianças sem aulas em Cabo Delgado
O MINEDH assistirá os alunos que perderam salas de aulas em Bilibiza, no distrito de Quissanga, na sequência de um ataque a 29 de janeiro. Várias infraestruturas ficaram destruídas, incluindo a única escola não-governamental de professores primários, sob gestão da organização Ajuda ao Desenvolvimento do Povo para o Povo (ADPP).
"Nesse momento estamos a trabalhar com o Ministério da Educação, elestêm alguns espaços onde podemos integrar os professores e os estudantes", conta a diretora da ADPP, Birgit Holmes.
Os insurgentes incendiaram o edifício da escola de formação da ADPP, destruindo computadores, mobiliário e três viaturas. A avaliação preliminar dos prejuízos ronda pelo menos 180 mil euros.
A insegurança em Cabo Delgado é um grande desafio para a escola, que já graduou 1,3 mil professores primários desde a sua criação.
"Temos esta escola a funcionar há 22 anos. A nossa intenção é de continuar, mas, obviamente, não podemos continuar naquela zona sem saber qual é a situação de segurança. Pelos vistos, [os ataques] têm aumentado nos últimos meses", avalia a diretora da ADPP.
Escolas afetas em Muidumbe
Segundo um professor que prefere manter-se em anonimato, 2 mil alunos e 43 professores do distrito de Muidumbe tiveram de fugir, abandonando cinco escolas da chamada zona baixa do posto administrativo de Chitunda.
Pelo menos mais cinco escolas em Niangalewa, Chitache, Liapata e Mandela funcionam com deficiência. O professor refere que a população está com medo dos insurgentes. A maioria dos encarregados de educação já levaram os alunos para zonas seguras.
O distrito já registou ataques em Chitunda, na Escola Primária Completa, na casa do diretor do estabelecimento de ensino e no hospital local - que fica nas proximidades da escola. Em Niangalewa os insurgentes destruíram o bloco administrativo onde constava o arquivo de avaliações e processos de alunos.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.