Basta que a comunidade muçulmana se distancie do Islão radical apregoado pelos insurgentes? Uma intervenção para esclarecer não seria um contributo para fragilizar a insurgência? O teólogo Suleimane Fonseca responde.
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As organizações muçulmanas em Moçambique têm-se distanciado do Islão radical apregoado pelos insurgentes na província nortenha de Cabo Delgado. Poderia a comunidade muçulmana ser mais ativa no sentido de esclarecer a população de que o Islão que está a ser apregoado no norte de Moçambique não é o de paz?
A DW África conversou sobre este tema com o teólogo e membro do Conselho Islâmico de Moçambique Suleiman Fonseca.
DW África: Não deveria a comunidade muçulmana também ser mais interventiva, esclarecendo e sensibilizando sobre o Islão de paz?
Suleiman Fonseca (SF): Nós, como comunidade muçulmana, não tínhamos de fazer isso só agora. A nossa vida toda é a nossa submissão a Allah (Deus). E, como muçulmanos, difundimos a paz a todo o momento, não simplesmente em momentos conturbados como os que vivemos agora no norte de Moçambique. E todo aquele que agir contra os princípios preceituados no Islão está à margem da religião. E o alcorão, o livro que seguimos, defende a vida e menciona de forma clara que a vida é a coisa mais sagrada.
DW África: Isso é o que está preceituado no livro sagrado, mas refiro-me à prática, à vida diária. Perguntamos se as organizações muçulmanas não deveriam fazer um trabalho junto da população para esclarecer que o Islão que está a ser apregoado no norte de Moçambique não é o de paz e não é o correto?
SF: Mas lá não está a ser propagado o Islão, aquilo não é Islão. Nós não temos como dizer que o Islão está a ser propagado porque estaríamos a admitir que aquilo é Islão. E aquilo não é Islão...
DW África: Mas se as pessoas entenderem isso como Islão?
SF: [Esclarecemos]Através de conferências de imprensa, de comunicados. Tudo isso já fizemos, nos distanciamos na totalidade. Já fizemos chegar essa informação, quer aos órgãos de comunicação social, ao Governo. Na província de Cabo Delgado existem líderes religiosos que propagam este tipo de mensagem. É verdade que nesses lugares onde estão a acontecer os ataques as pessoas já não têm essa liberdade porque estão conotados com os tais rebeldes, que estes não são guerrilheiros, e acabam sendo alvo dos insurgentes. Mas nós nos distanciamos disso a todo o momento e sempre que temos a oportunidade de esclarecer esse assunto, explicamos o que é o verdadeiro Islão e não é isso que está a ser alegado lá como sendo parte do Islão.
DW África: Há relatos segundo os quais os insurgentes desestabilizam as atividades de algumas mesquitas. A comunidade muçulmana tem como controlar ou saber como são geridas as mesquitas na zonas problemáticas de Cabo Delgado?
Pemba quer paz
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SF: Temos o Conselho Islâmico de Moçambique com várias mesquitas filiadas a ele. Em relação às filiadas temos como saber, sim. Mas as que não estão filiadas, não teríamos como saber. Mas neste momento de tensão torna-se um pouco difícil, porque mesmo os líderes religiosos que viviam nessas zonas abandonaram as localidades, porque não há condições de vida nesses locais. Não há um ambiente onde os líderes possam transmitir essas mensagens porque podem ser alvo dos tais insurgentes.
DW África: E há relatos de retaliação aos líderes religiosos que não compactuam com esse radicalismo que se apregoa na província?
SF: Essas informações também chegam a nós, que todo aquele que tenta implementar o verdadeiro Islão é combatido pelos insurgentes. Eles, por exemplo, dizem que é preciso manter as mesquitas exatamente como eram no tempo do profeta Mohamed, isso é um radicalismo.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.