Ataques em Moçambique: Apoio da SADC mostra-se limitado
Lusa | cvt
24 de maio de 2020
Académicos moçambicanos defendem que apoio da SADC no combate aos grupos armados em Cabo Delgado limitar-se-á à dimensão político-diplomática, mas destacam a sua importância para evitar que "terrorismo" afete a região.
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"A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral [SADC] não tem forças armadas nem um quartel. Portanto, esse posicionamento é, na verdade, um aval para que os países da região possam cooperar com Moçambique, mas não os obriga a fazer isso. Não é um indicativo de que teremos apoio", disse à Lusa o académico moçambicano Paulo Wache.
Para Paulo Wache, o posicionamento do órgão é importante de ponto de vista político e institucional, mas não passa de uma "plataforma para que os países que decidirem apoiar Moçambique não entrem em choque com a instituição".
"O apoio dos países da região dependerá dos contatos bilaterais que Moçambique vai fazer e nem todos os países da SADC vão apoiar. Aparentemente Angola e Zimbabué estão mais dispostos a prosseguir com este apoio, além da Tanzânia [país vizinho e que também tem sido afetado pelos ataques]", frisou.
Terrorismo na África Austral
Por outro lado, prosseguiu o académico, ao declarar os ataques armados em Cabo Delgado uma ação "terrorista", Moçambique lança um alerta para a região da África Austral, que não tem o histórico deste tipo de ameaças.
"Ficou claro nos últimos tempos que estamos perante um ameaça terrorista, que não é só uma ameaça ao país, mas também à região. Portanto, a SADC pode operacionalizar os acordos de proteção da costa e fornecer meios tecnológicos de interceção de informações, na medida em que o êxito das ações militares depende também do que vai acontecer de ponto de vista diplomático", frisou Paulo Wache.
Também o académico Calton Cadeado entende que a violência em Cabo Delgado deve ser vista como uma ameaça à região, considerando que Moçambique já devia ter recorrido à SADC.
"Parece-me que Moçambique não mostrou muita abertura para intervenção de outros países da região na questão de Cabo Delgado. Mais do que isso, Moçambique foi procurar uma solução pujante longe da SADC. Houve informações sobre forças russas em Cabo Delgado que acabaram fracassando. Parece-me que agora Moçambique percebeu que é preciso voltar para a SADC", afirmou Calton Cadeado.
Apesar de admitir que o "terrorismo" é um fenómeno novo na região, o académico defende que a SADC deve ser vista como o principal interessado, tendo em conta que se está perante um problema que ameaça todos os países-membros.
"A SADC tem um histórico de solidariedade político-militar e, antes de outras opções, devia Moçambique ter privilegiado o paradigma de que problemas internos precisam de soluções internas", frisou o académico.
Ataques em Cabo Delgado
Cabo Delgado, região onde avançam megaprojetos para a extração de gás natural, vê-se a braços com ataques de grupos armados classificados como uma ameaça terrorista desde outubro de 2017.
As autoridades moçambicanas contabilizam um total de 162 mil pessoas afetadas pela violência armada.
No final de março, as vilas de Mocímboa da Praia e Quissanga foram invadidas por um grupo, que destruiu várias infraestruturas e içou a sua bandeira num quartel das Forças de Defesa e Segurança.
Na ocasião, num vídeo distribuído na Internet, um alegado militante 'jihadista' justificou os ataques de grupos armados no norte de Moçambique com o objetivo de impor uma lei islâmica na região.
Foi a primeira mensagem divulgada por supostos autores dos ataques que ocorrem desde outubro de 2017 na província de Cabo Delgado, gravada numa das povoações que invadiram.
Zonas de guerra transformadas em locais de desenvolvimento
Regiões da província de Maputo testemunharam ataques e mortes durante a guerra civil em Moçambique. Antigos cenários de guerra tornam-se hoje palco para o desenvolvimento local do comércio e da indústria.
Foto: DW/R. da Silva
Um passado de mortes
A região onde fica a aldeia 3 de Fevereiro, a norte da província de Maputo, foi a mais dilacerada pela guerra civil. Na altura, a imprensa tinha como manchetes para as suas capas o sofrimento dos residentes desta região. Não há números exatos, mas houve muitas mortes na sequência de ataques atribuídos à Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), o atual maior partido da oposição.
Foto: DW/R. da Silva
A escola mais atacada
Este estabelecimento de ensino, construído na época colonial, dedicava-se à formação de professores africanos. Durante a guerra civil, foram reportados ataques e os alunos muitas vezes deslocavam-se à vila da Manhiça. Hoje, a escola é a sede do Instituto Médio Politécnico Alvor.
Foto: DW/R. da Silva
Abrigo para os fugitivos
Esta varanda já tinha donos: os deslocados dos arredores da vila da Manhiça encontravam neste lugar o mais seguro apenas para passar a noite. A varanda foi atacada algumas vezes, o que os desesperou. Hoje, como se pode notar, no local há estabelecimentos comerciais.
Foto: DW/R. da Silva
Marcas da guerra
Há zonas, como Magude, cujos edifícios nunca mereceram reabilitações que possam fazer esquecer as marcas da guerra. Este edifício faz parte da missão católica de Magude, que foi atacado durante a guerra, e que nunca mais conheceu uma reabilitação.
Foto: DW/R. da Silva
Única entrada, única saída
Esta é uma ponte que desperta curiosidade aos que pela primeira vez visitam a vila de Magude. Pela mesma ponte passam peões, motociclistas, viaturas e locomotivas. Por baixo, passa o rio Inkomati, que não impedia ataques durante a guerra a esta pequena vila.
Foto: DW/R. da Silva
Repovoamento de animais
O distrito de Magude localiza-se mais a nordeste da província de Maputo. Esta zona foi severamente afetada pela guerra e a população bovina baixou drasticamente. Mas agora, com projetos de repovoamento destes animais, Magude é dos maiores produtores de carne na província.
Foto: DW/R. da Silva
Isolamento
O distrito de Magude é um dos mais isolados da província de Maputo. O seu desenvolvimento está a ser muito lento, apesar de a guerra ter terminado há mais de 20 anos. Falta muita coisa por melhorar. Esta loja, por exemplo, ainda apresenta marcas da guerra.
Foto: DW/R. da Silva
Coluna militar
A guerra abateu-se muito sobre Maluana. Este posto administrativo do distrito de Manhiça ficou conhecido pelos ataques que sofria. A coluna militar era a única que ajudava as pessoas a passar por esta zona. Pouco depois da guerra, as marcas eram ainda visíveis - como carcaças de viaturas queimadas. Agora, está a registar um desenvolvimento, com o comércio informal a ganhar força.
Foto: DW/R. da Silva
Centro de tecnologias
O Governo de Moçambique criou um centro de tecnologias nesta região severamente afetada pela guerra, o que antes era impensável. É um edifício que foi instalado no meio da mata, precisamente numa estrada de terra que dá acesso ao centro de formação de militares de Munguine, mais a leste da província de Maputo.
Foto: DW/R. da Silva
De cenário de guerra a pólo económico
A região de Bobole, no distrito de Marracuene, também foi uma zona de guerra. Aliás, as atrocidades começavam nesta região e o cenário era de "cada um por si e Deus por todos". As colunas militares começavam ou descansavam neste ponto. Hoje, a multinacional Heineken instalou aqui a sua empresa e Bobole está a ter novo rosto económico.
Foto: DW/R. da Silva
Estância turística
Esta é a entrada para a aldeia de Taninga. Tal como a 3 de Fevereiro, esta aldeia testemunhava frequentemente mortes e muitos dos residentes destas duas aldeias vizinhas acabaram por se refugiar na vila da Manhiça e outros na cidade de Maputo. Hoje, há uma estância turística que faz esquecer as marcas da guerra.
Foto: DW/R. da Silva
Proteção dos corredores ferroviários
Os que viveram os momentos de instabilidade e que precisavam frequentemente se deslocar contam que o comboio de passageiros era igualmente atacado. O corredor do Limpopo era crucial para o transporte de mercadorias para países vizinhos. A RENAMO e o Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) acabaram por assinar um acordo para não atacar corredores ferroviários de todo o país.