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Moçambique: Começa a instalar-se um Estado dentro de outro?

24 de março de 2020

Ataques em Mocímboa da Praia são "um grande embaraço" para Moçambique, afirma sociólogo. Para Elísio Macamo, os ataques são cada vez mais ousados e isso pode ser sintomático de uma certa fraqueza das forças de segurança.

Foto: DW/A. Chissale

Como faziam antigamente os conquistadores para demonstrar o seu domínio de território, os insurgentes içaram a sua bandeira em Mocímboa da Praia, na província nortenha de Cabo Delgado, depois de atacar a vila na segunda-feira (23.03), incluindo o quartel das Forças de Defesa e Segurança (FDS). Certamente um gesto de peso para o Estado moçambicano, que sublinha com frequência a soberania como um bem inviolável. 

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Sobre a mensagem passada pelos insurgentes, o sociólogo Elísio Macamo faz a seguinte leitura: "Acho que o içar da bandeira é um gesto simbólico, que nestas circunstâncias procura transmitir a ideia de que a soberania de Moçambique foi posta em causa e que o grupo que se apropriou da vila passa a ter soberania, mas isso mais numa perspetiva psicológica, que  é importante, mas que não nos deve preocupar assim tanto."

O analista justifica que "apesar de tudo, trata-se de um movimento, cujo programa e agenda e intenções são completamente desconhecidos".

"Acho estranho que o grupo ice a bandeira sem, noutras cirscunstâncias, dizer quem é, do que se trata e o que quer", afirma Elísio Macamo.

Das ousadias dos insurgentes à fraqueza das FDS

De qualquer forma, em mais de dois anos de ataques armados, este caso inédito não deixa de ser uma demonstração de força questionável. É caso para dizer que a guerra em Cabo Delgado está a entrar para uma nova fase, mais grave? Elísio Macamo relativiza a questão.

"Eu não creio que a situação esteja a entrar numa nova fase, por duas razões: sabemos muito pouco sobre o que está realmente a acontecer ao nível do conflito, nós não sabemos se há mais agora do que houve há um ano ou dois. E sem esse tipo de informação é muito difícil interpretar o que aconteceu na segunda-feira em termos de recrudescimento", comenta o analista.

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Contudo, Macamo reconhece: "Esses ataques são cada vez mais ousados e isso pode ser sintomático de uma certa fraqueza das nossas FDS, que em qualquer conflito desta natureza estão em desvantagem. Têm menos mobilidade, porque, afinal, trata-se de um Exército regular que está a lidar com um grupo de insurgentes, que é muito mais flexível e mais móvel - aquela ideia clássica da guerrilha, que leva sempre essa vantagem sobre um Exército regular."

"É um grande embaraço para o Estado moçambicano"

Desde o começo da insurgência, em finais de 2017, que as FDS não conseguem fazer frente aos atacantes e muito menos proteger os símbolos do Estado.

Os insurgentes já chegaram inclusive a fazer incursões à entrada da capital provincial, Pemba, evidenciando, mais uma vez, o seu poder.

O máximo que acontece a cada extremar dos atacantes são as visitas de altos quadros da Defesa ou do Interior, depois da terra queimada, ou discursos moralizantes à população. A ridicularização da soberania moçambicana encenada pelos insurgentes na segunda-feira é a emissão de um atestado de incompetência ao Estado moçambicano?

"Não diria que estamos perante um atestado de incompetência por parte do Estado ou das nossas FDS. [Mas] é verdade que é um grande embaraço para o Estado moçambicano, para o chefe de Estado e para as altas patentes das nossas FDS", responde o académico. 

Elísio Macamo apresenta motivos estruturais: "Penso que, no meio de toda a nossa crítica legítima, que nós como moçambicanos devemos fazer em relação ao nosso Governo e FDS, é preciso reconhecer que o país é muito vulnerável."

"Isto não vai mudar simplesmente através de um melhor Exército ou Governo, ou de uma melhor política de defesa. Somos vulneráveis por estarmos na fase de desenvolvimento em que nos encontramos. Este tipo de insurgência vai sempre constituir um grande problema para qualquer país nas circunstâncias de Moçambique", acrescenta Macamo.

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