O xeque Aminuddin Mohamad, presidente do Conselho Islâmico de Moçambique, confirma que há muçulmanos perseguidos injustamente em Cabo Delgado por causa dos ataques naquela província.
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O xeque Aminuddin Mohamad disse esta quarta-feira (24.04), em entrevista à DW África, em Lisboa, que o Conselho Islâmico de Moçambique (CISLAMO) está a trabalhar com o Governo moçambicano e com a Embaixada dos Estados Unidos em Maputo para melhorar a opinião pública sobre a comunidade muçulmana que, segundo o líder religioso, em nada está relacionada com os ataques no Norte do país.
"Havia a tentativa, talvez por ignorância ou por maldade por parte de alguns média, de querer ligar uma coisa à outra. Inicialmente, tudo o que era islâmico ou muçulmano - como uma batina ou um kofior na cabeça - era visto como suspeito", relata Aminuddin Mohamad.
Conselho Islâmico tranquiliza Governo
"Houve violações de Direitos Humanos graves. Muitos inocentes foram presos, mas agora com o andar do tempo, as autoridades já estão a reconhecer que, de facto, os ataques não têm nada a ver com a religião", frisa o responsável. "O Conselho Islâmico ofereceu-se também para tranquilizar o Estado e o Governo" nesse aspeto, acrescenta o líder religioso.
Para o xeque Aminuddin Mohamad, a comunidade islâmica acaba por ser duplamente vítima dos ataques de grupos terroristas no norte de Moçambique. "Perseguiam os imãs e perseguiam os muçulmanos. E, por outro lado, o Governo também suspeitava dos mesmos muçulmanos", comenta.
O presidente do CISLAMO reconhece que havia recrutadores a mobilizar indivíduos para cometer atrocidades na sequência dos ataques em Cabo Delgado. "Apareceu um grupo de recrutadores que explorava a pobreza e a ignorância em relação à religião islâmica. Pagavam-lhes para cometerem atrocidades incríveis. Quer dizer, mutilavam os corpos, decapitavam as cabeças. Portanto, coisas que nenhuma religião no mundo é capaz de aprovar", lamenta o xeque. "Havia suspeitas em algumas mesquitas, em relação a alguns frequentadores que, talvez por ingenuidade ou por ignorância, entraram nessas linhas de violência, mas muitos já foram identificados", assevera.
Falta dinheiro para programas de intervenção
O Conselho Islâmico, em parceria com a Embaixada dos Estados Unidos em Moçambique, está a levar a cabo um projeto de formação dos imãs e da população de Cabo Delgado no campo dos Direitos Humanos. Esse trabalho tem sido feito em conjunto com o Governo moçambicano, embora haja algumas dificuldades na sua implementação. Para além do país ser "muito vasto", o Governo "tem problemas de recursos", comenta Aminuddin Mohamad.
Ataques em Moçambique "não têm nada a ver" com religião
A propósito do diálogo inter-religioso, o líder considera que essa é a única via, neste momento, para se estabelecer a paz no mundo. "Podemos trabalhar juntos para trazer bem-estar à sociedade, fazendo com que os valores morais possam regressar novamente", admite, referindo que em Moçambique "as religiões convivem pacificamente umas com as outras e que este é um bom modelo e exemplo para muitos países de África".
O presidente do CISLAMOestá numa visita de duas semanas a Portugal, onde participou num colóquio promovido pela Casa de Moçambique e a União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA) sobre a "Liberdade de Expressão e o Contributo das Religiões na Economia".
O xeque Aminuddin Mohamad esteve ainda em Lisboa para apresentar uma obra da sua autoria que traduz o Corão para língua portuguesa.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.