Ataques em Moçambique são "antítese da visão de Dhlakama"
Lusa | mjp
2 de agosto de 2020
"Os ataques no centro do país são a antítese da visão de paz" que o líder da RENAMO lutou para preservar, diz enviado pessoal do secretário-geral da ONU a Moçambique, apelando ao respeito pela cessação das hostilidades.
Publicidade
O enviado pessoal do secretário-geral das Nações Unidas a Moçambique classificou os ataques armados atribuídos a dissidentes da RENAMO no centro do país como uma "antítese da visão de Afonso Dhlakama", antigo líder daquele partido que morreu em 2018.
"Os ataques no centro do país são a antítese da visão de paz que Dhlakama lutou para preservar ao longo dos seus últimos anos", escreve Mirko Manzoni numa nota emitida para assinalar o primeiro aniversário do Acordo de Cessação Definitiva das Hostilidades Militares, assinado a 1 de agosto de 2019.
Em causa estão os ataques no centro do país atribuídos a um grupo dissidente da RENAMO liderado por Mariano Nhongo, antigo dirigente de guerrilha, que exige melhores condições de reintegração e a demissão do atual presidente do partido, Ossufo Momade, acusando-o de ter desviado o processo negocial dos ideais do seu antecessor, Afonso Dhlakama, líder histórico que morreu em maio de 2018.
Os ataques armados no centro de Moçambique têm afetado as províncias de Manica e Sofala e já provocaram a morte de, pelo menos, 24 pessoas desde agosto do ano passado, em estradas e povoações das duas províncias.
Oficialmente, a RENAMO demarca-se das ações do grupo de Mariano Nhongo, classificando-o como um desertor e reiterando o compromisso do principal partido de oposição com o acordo de paz assinado em agosto.
Secretário-geral da RENAMO diz que DDR está no bom caminho
02:11
Cessação das hostilidades é "essencial" para o DDR
Segundo Mirko Manzoni, que é o presidente do grupo de contacto para as negociações, os guerrilheiros que serão abrangidos pelo processo de desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR) concordam que não se pode permitir que "distúrbios externos comprometam o processo", lembrando que foi Dhlakama quem deu os primeiros passos para paz, com a declaração, em 2016, de um cessar fogo que abriu espaço para que "as partes desenvolvessem laços de confiança.
"O respeito pela cessação das hostilidades é essencial agora que se avança no processo de DDR dos ex-combatentes da Renamo", frisou Mirko Manzoni.
Em junho, o enviado pessoal de António Guterres a Moçambique disse que já tentou conversar com Mariano Nhongo, mas não teve sucesso.
"Mariano Nhongo é inflexível e todas as aproximações com vista a um entendimento fracassaram", disse, na altura, Mirko Manzoni, em entrevista ao canal televisivo STV.
Apesar das incursões atribuídas ao grupo de Nhongo, o processo do desarmamento do braço armado do principal partido de oposição previsto no acordo de 1 de agosto continua, sendo já abrangido mais de 500 guerrilheiros, 10% do previsto.
"Existiram alguns desafios pelo caminho, mas estou firmemente convencido de que agora já não há espaço para recuos no caminho rumo a uma paz definitiva", refere na nota Mirko Manzoni.
O processo vai envolver cerca de 5.000 membros do braço armado do maior partido da oposição no país.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.