A governação da FRELIMO está a ser sacudida pela crise humanitária originada pelos conflitos no centro e norte do Moçambique. E é o próprio secretário-geral do partido no poder a admitir este abalo, de visita à Zambézia.
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O terrorismo na província de Cabo Delgado, os ataques armados no centro do país e a pandemia de coronavírus abalaram a governação do Presidente Filipe Nyusi e da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) neste segundo mandato que arrancou no início deste ano, admitiu o secretário-geral do partido no poder.
De visita à província da Zambézia, Roque Silva disse aos jornalistas, num encontro que decorreu esta segunda-feira (07.12), que o Governo está a fazer uma "grande ginástica" para estabilizar o país, também abalado pela pandemia de Covid-19.
"Viemos compreender como é que vai a vida dos nossos órgãos de base do partido, como é que o nosso partido está respondendo aos desafios atuais", disse o responsável da FRELIMO.
"Já há uma agenda que a FRELIMO vem perseguindo desde 1975", lembrou Roque Silva. "Esta agenda está centrada na criação de melhores condições para os cidadãos e só é possível se estivermos em contacto com a realidade em cada uma das províncias, olhando para os desafios que cada província tem."
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"Diálogo produtivo" com a Junta Militar
No entanto, o secretário-geral da FRELIMO assevera que há um "esforço imensurável" para por fim ao conflito armado em Cabo Delgado, norte de Moçambique, e um "diálogo produtivo" com a Junta Militar da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), a quem é atribuída a responsabilidade pelo assassinato de civis e destruição de bens nas províncias centrais de Manica e Sofala.
Já Manuel Franco, membro da FRELIMO em Quelimane, entende que o conflito entre a RENAMO e o partido no poder, não tem fim à vista. "Não é a primeira vez que se assina um acordo de paz e depois existem algumas migalhas. Estamos cientes que são migalhas da própria RENAMO", diz. "É a cultura da RENAMO. O Governo da FRELIMO não tem problemas, a RENAMO é que não está a cumprir o que foi planificado em relação à desmobilização", crtica ainda Manuel Franco.
As crises que o país vive levam ao incumprimento na íntegra do manifesto eleitoral do seu partido, justifica Roque Silva. "O país enfrenta três grandes desafios que condicionam a implementação de compromissos eleitorais: os ataques de terroristas em Cabo Delgad, cujo impacto se faz sentir na província da Zambézia, da Junta militar e com alguma preocupação a Covid-19 que tem impactos negativos nas famílias com a criação de mortes", precisou.
Exposição: "Cabo Delgado é Moçambique, Moçambique é Cabo Delgado"
A Galeria do Núcleo de Arte, em Maputo, inaugurou uma exposição coletiva de artes plásticas inspirada no conflito de Cabo Delgado. Metade do valor das obras será revertido para as vítimas dos ataques na província.
Foto: DW
Artistas plásticos aderiram à iniciativa
Os artistas que participaram nesta exposição procuraram se expressar através de obras de pintura, escultura ou cerâmica. A exposição inaugurada a 20 de novembro foi organizada pela "Nós Arte" e estará aberta ao público em geral até 10 de dezembro de 2020. Metade do valor das obras será revertido para as vítimas do conflito em Cabo Delgado.
Foto: DW
Apoio às vítimas de Cabo Delgado
"O nosso intuito é direcionar o que vamos render de cada obra, 50% vai para as necessidades que há em Cabo Delgado e as necessidades são muitas neste momento. Vamos tentar delinear as prioridades: máscaras, desinfetantes, material de higiene para as senhoras, fraldas para as crianças, capulanas, arroz e feijão", esclarece o artista plástico "Chicken", promotor da iniciativa.
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Sensibilização social
"Chicken", o coordenador do Projeto "Nós Arte", explicou que o propósito desta mostra é converter as estatísticas de mortes e refugiados em estética. A expetativa é atingir o âmago da sensibilidade social para que se questione a violência e se solidarize com os moçambicanos vítimas do terrorismo.
Foto: DW
Artistas de Cabo Delgado
"Quando ligamos os noticiários, vemos o que está a acontecer: é a pandemia [da Covid-19], a guerra, a cólera, a malária... Cabo Delgado está a ser afetado por essas coisas", alertou "Chicken" que, como os outros artistas, é de lá oriundo: "O meu sentimento é de muita tristeza porque infelizmente tenho visto amigos e familiares a viverem momentos dramáticos." Obra na foto de Júlia.
Foto: DW
"Esperança da Província" de João Paulo Qhea
"Eu preferi que cada um de nós representasse como se sente no momento no coração e como está de espírito. Não podemos também estar a representar a guerra enquanto queremos paz. Então, cada artista trouxe aquilo que tem e aquilo que sentiu e se inspirou para fazer a sua obra. Não é linear", explicou "Chicken".
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"Artimisia" de Sandra Pizura
Esta pintura de Sandra Pizura representa um grito de silêncio de qualquer coisa como fúria, vingança, inconsciência moral, guerra. André Macie, João Fornasini e Julia são outros dos artistas que participam na exposição "Cabo Delgado é Moçambique, Moçambique é Cabo Delgado".
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"O Jardim da vida" de Samuel Djive
Samuel Djive pretendeu trazer uma ideia daquilo que é o paraíso: "Se o paraíso é um espaço onde temos o bem estar, temos a paz, o amor, temos um progresso, temos uma construção positiva, então é isso que nós queremos para Moçambique. É o que eu quero para Moçambique, um país onde os meus netos e bisnetos se possam sentir orgulhosos de serem moçambicanos", comentou.
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Uma conclusão
Samuel Djive acrescentou que "a mensagem é tentar fazer com que as pessoas tenham a capacidade de dialogar sempre na busca de soluções. Nós, como artistas, faremos a nossa parte, mas existem entidades que são responsáveis por isso. Talvez possamos criar um movimento em que criemos também uma reflexão por parte das entidades responsáveis pela segurança e governação do país."