O livro "Prisão Política", que será lançado em breve em Portugal, é o diário de cárcere de Sedrick de Carvalho, um dos ativistas detidos no caso "15+2". Cinco anos depois, o que mudou em Angola?
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"Prisão Política" é o diário de cárcere de Sedrick de Carvalho, um dos ativistas angolanos do conhecido processo "15+2", julgados e condenados pelo Tribunal de Luanda, acusados de preparar uma rebelião. A detenção, em 2015, destes jovens, que antes se reuniam para discutir política e alternativas de governação, colocou a defesa dos direitos humanos em Angola nos holofotes internacionais.
Cinco anos depois da libertação dos ativistas contestatários ao regime de José Eduardo dos Santos, Sedrick de Carvalho traz a público as memórias desse período conturbado como contributo para a memória coletiva do seu país natal.
Em entrevista à DW África, o ativista angolano explica que este livro "é um contributo num país com poucos registos dos acontecimentos que marcaram a memória da sociedade".
Segundo Sedrick de Carvalho, "registar que 15 jovens e duas jovens foram detidos, julgados e condenados injustamente num processo político é importante para que não haja deturpação da história no futuro, para que sirva de fonte de pesquisas sobre o processo e para que se perceba como o poder político utilizou o poder judicial. Mas para que também se saiba que resistimos."
O ativista, agora a residir em Portugal, recorda nesta obra alguns dos episódios marcantes que viveu durante aquele período.
"O primeiro foi o da detenção, no dia 20 de junho de 2015. Foi uma operação gigantesca, fortemente armada. O número de agentes e equipamentos usados era assustador, como revelo no livro. Destaco as greves de fome como segundo episódio. Foram momentos desgastantes, desesperantes e de incertezas. Os riscos de morte deixavam-nos angustiados", lembra.
Um outro momento recordado no livro é o julgamento, que começou em dezembro de 2015 e terminou em 2016: De acordo com Sedrick de Carvalho, "chegou-se ao ponto de o juiz declarar que não estávamos no tribunal para discutir questões de Direito, o mesmo juiz que também levou supostas provas contra nós, quando a apresentação de provas em tribunal [deve ser feita pela] parte acusadora, neste caso o Ministério Público. Além de demais violações graves às normas processuais".
"Há mais repressão"
Passados cerca de cinco anos, o que mudou no país? Sedrick de Carvalho não tem dúvidas de que "há mais expressão do descontentamento" em Angola, nota-se um "aumento das vozes reivindicativas, sobretudo noutras províncias de Angola". Mas há também, nota o ativista, "mais repressão ao exercício da liberdade de expressão", de que são exemplo os "processos judiciais contra jornalistas, encerramento de órgãos de imprensa, aumento do controlo da imprensa outrora privada por parte do Governo e o assassinato e agressão de manifestantes".
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"Até ao momento ainda continuamos a assistir à morte de manifestantes. Isto responde à pergunta se o ativismo crítico é mais aceite no país. Não é", acrescenta Sedrick de Carvalho.
O novo livro do jornalista e ativista angolano será brevemente apresentado em Portugal, provavelmente no mês de agosto, segundo fonte próxima das editoras Elivulu e Perfil Criativo.
Julgamento dos 15+2 em imagens
Foi um julgamento envolto em polémica. 17 ativistas angolanos foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão por atos preparatórios de rebelião. Os críticos falam em "farsa judicial". Veja aqui momentos-chave do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Julgamento polémico
Os 15+2 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião, foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão efetiva. A defesa e ativistas de direitos humanos denunciam que o processo foi marcado por várias irregularidades. O julgamento começou logo com protestos, a 16 de novembro. Um ativista escreveu na farda prisional "Recluso do Zédu". Observadores internacionais ficaram à porta.
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Antes e durante o julgamento, foram muitos os pedidos de "liberdade já!" para os ativistas angolanos. Essas foram também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Justiça sem pressão"
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
Irregularidades no processo
Em dezembro, os ativistas enviaram uma carta ao Presidente angolano onde apontavam irregularidades no processo. Os jovens queixavam-se, por exemplo, das demoras, da falta de acesso ao processo por parte da defesa antes do início do julgamento e da impossibilidade de manter contato visual com a procuradora Isabel Nicolau (na foto). Eram ainda denunciados casos de agressão física e psicológica.
Foto: Ampe Rogério/Rede Angola
Dois dias a ler o livro de Domingo da Cruz
"Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura". É este o título do livro escrito pelo ativista Domingos da Cruz, inspirado no livro "Da Ditadura à Democracia", do pacifista norte-americano Gene Sharp. Segundo a acusação, era este o manual dos ativistas para preparar uma rebelião. O livro foi lido na íntegra durante dois dias no Tribunal de Luanda.
Foto: DW/Nelson Sul D´Angola
"Governo de Salvação Nacional" é "embuste"
Dezenas de personalidades angolanas integram uma lista, divulgada online, de um "Governo de Salvação Nacional". Esse seria um Executivo que assumiria o poder em Angola após a rebelião pensada pelos ativistas, segundo a acusação. Vários declarantes faltaram à chamada e várias sessões tiveram de ser adiadas. Um dos declarantes, Carlos Rosado de Carvalho, disse que o suposto Governo era um "embuste".
Foto: DW/P. Borralho
Prisão domiciliária
A 18 de dezembro, 15 ativistas, detidos desde junho, passaram ao regime de prisão domiciliária. Laurinda Gouveia e Rosa Conde permaneceram em liberdade condicional. O tribunal autorizou os detidos a receber visitas de familiares e amigos. No entanto, não foi permitido qualquer contato com membros do "Movimento Revolucionário" e do "Governo de Salvação Nacional".
Foto: DW/P. Borralho Ndomba
"Este julgamento é uma palhaçada"
Numa das sessões do julgamento, os ativistas levaram vestidas t-shirts com autocaricaturas como palhaços. Nito Alves disse em tribunal que o julgamento era uma palhaçada. Foi julgado sumariamente por injúria e condenado a 6 meses de prisão efetiva. Ativistas alertam que o estado de saúde de Nito Alves é grave e que Nito foi transportado numa maca para o tribunal de Luanda para ouvir a sentença.
Foto: Central Angola 7311
Nuno Dala em greve de fome
Como forma de reinvindicar o acesso a contas bancárias e entrega de pertences, Nuno Dala entrou em greve de fome a 10 de março. Gertrudes Dala, irmã do ativista, lamentou a reação da sociedade civil e a defesa alertou para a situação financeiramente "delicada" da família. Outros ativistas também passaram por dificuldades durante a prisão domiciliária.
Foto: DW/P.B. Ndomba
Ativistas são condenados
O tribunal de Luanda condenou, a 28 de março, os 17 ativistas angolanos. Domingos da Cruz, tido como "líder", deverá cumprir 8 anos e 6 meses de prisão efetiva. Luaty Beirão foi condenado a 5 anos e 6 meses. Rosa Conde e Benedito Jeremias foram condenados a 2 anos e 3 meses de prisão. Os restantes foram condenados a 4 anos e 6 meses. A defesa e o Ministério Público vão recorrer da decisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Dia triste para a liberdade de expressão"
"Este é um dia muito triste para a liberdade de expressão e de associação", disse Ana Monteiro, da Amnistia Internacional, reagindo às sentenças. "Não deveria ter existido sequer um julgamento. Estamos a falar de cidadãos angolanos que estavam reunidos a falar sobre liberdade e democracia". Zenaida Machado, investigadora da HRW, considerou a condenação ridícula.