"Alemanha não leva a sério vítimas do colonialismo"
Elisabeth Jahn | bd | mc
9 de julho de 2020
Em entrevista à DW, ativista tanzaniano acusa a Alemanha de racismo por não levar tão a sério as vítimas do colonialismo alemão como as vítimas do holocausto. E defende que o país deveria pedir desculpa aos descendentes.
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O ativista tanzaniano Mnyaka Sururu Mboro acusou a Alemanha de não levar a sério os países africanos que foram ocupados pelos alemães no século XIX. Em entrevista à DW, o fundador da Associação Pós-Colonial de Berlim diz que a Alemanha deveria pedir desculpa aos descendentes das vítimas das hostilidades que cometeu em África, durante a ocupação colonial.
"Vê-se que até agora os alemães não levam nada disto a sério. Ao menos um pedido de desculpas aos descendentes. Mas acho que não nos levam a sério por causa da nossa cor da pele, por sermos negros. Não nos levam tão a sério como aos judeus. Porque o que nos aconteceu [na Tanzânia] foi a mesma coisa [que aconteceu no Holocausto]", diz.
Colonialismo alemão
A Tanzânia foi uma colónia alemã entre a década de 1880 até 1919, tornando-se parte do império britânico até 1961, ano da sua independência. Na terça-feira (07.07), Sururu Mboro sentou-se diante das câmaras televisivas do canal alemão para recordar a estratégia chamada "terra queimada" que fustigou a vida dos tanzanianos.
"Incendiavam-se por todo o lado: casas, campos e florestas. E quando as pessoas corriam, eram abatidas. E também o que faziam era fechar todos os poços e riachos com betão, para que as pessoas não conseguissem sequer água para beber. Até punham veneno na água. Sabe-se que nessa altura a maioria das pessoas morreu – fala-se em mais de 300.000 pessoas, mas pode ser até mais de meio milhão", conta.
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O ativista lembra ainda outros episódios sofridos pelo povo tanzaniano durante a "Maji Maji", a grande guerra colonial que juntou vinte comunidades do sul da Tanzânia contra os alemães, "fartas" do colonialismo. "Evadiram aqueles que foram capturados nesta guerra. Os chefes, ou os chamados líderes, foram levados para uma espécie de prisão em frente de uma igreja. E foram enforcados."
Mboro diz que a cada domingo chegavam a ser enforcadas cerca de 15 a 20 pessoas: "E antes de serem enforcados tinham de entrar primeiro na igreja e confessar que o que fizeram aos alemães [a rebelião] estava totalmente errado.”
O ativista disse que os atores desses crimes ainda hoje são tidos como heróis na Alemanha: "Vê-se que eles ainda estão presentes na sociedade alemã. Há aqui seis ruas que estão a glorificar aqueles criminosos coloniais e temos vindo a exigir-lhes para que parem com isso."
Comerciantes de escravos enaltecidos?
Em Berlim, uma das estátuas que gera discórdia é a de Friedrich Wilhelm, que está localizado à porta do palácio barroco de Charlottenburg. O Duque da Prússia apresenta-se no topo de um cavalo, triunfante, com quatro figuras acorrentadas a olhar para ele.
O forte que o monarca construiu no que é hoje o Gana tornou-se uma plataforma para o comércio transatlântico de escravos.
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Mnyaka Mboro diz compreender a dor e a raiva que levaram alguns manifestantes nas últimas semanas a alvos de monumentos relativos à história colonial nas suas cidades, na Europa e na América. Mas conclui que "destruir estas estátuas não vai funcionar" porque "toda a história não está lá. Tem de haver um contexto".
Vários outros monumentos a comerciantes de escravos e líderes coloniais permanecem no seu local original em toda a Alemanha. O ativista da Associação Pós-Colonial de Berlim preferia que se movessem esses monumentos para exposições como "Revelado: Berlim e os seus monumentos", aberta aos visitantes desde 2016 na capital alemã.
Purgatório de estátuas
Pouco depois do fim da II Guerra Mundial, as potências Aliadas que ocupavam Berlim ordenaram a remoção de monumentos ao carácter nacional e militar da Alemanha.
Muitos deles estão agora expostos na Cidadela, uma fortaleza do século XVI no distrito ocidental de Spandau, em Berlim, que foi utilizada pelo exército alemão durante a II Guerra Mundial para testar armas químicas.
Agora a Cidadela é um local histórico e um museu, onde os monumentos residem numa espécie de purgatório de estátuas - nem destruídos nem venerados. Em vez disso, constam da exposição "Revelado: Berlim e os seus monumentos".
"É uma oportunidade para não esquecermos esta história, de não a deixarmos desaparecer", diz Urte Evert, que tem sido a diretora do museu desde 2017. "Em vez disso, podemos mostrar que há raiva, tristeza, até mesmo violência. E espero que possamos fazer algo com isso, tornando estas obras acessíveis como são".
Evert acrescenta ainda que "cada monumento precisa de ser constantemente discutido de novo” e que não existe uma forma estanque de olhar para eles.
Racista e cruel, a história colonial da Alemanha
A exposição no Museu Histórico Alemão, em Berlim, é a primeira grande exibição que explora os capítulos do domínio colonial da Alemanha. Uma história da ambição falhada de uma superpotência.
Foto: public domain
A cara do colonialismo
Com o chanceler Otto von Bismarck, o Império Colonial Alemão estabeleceu-se nos territórios da atual Namíbia, Camarões, Togo e em algumas partes da Tanzânia e do Quénia. O imperador Guilherme II, coroado em 1888, tentou expandir os domínios coloniais. O imperador alemão queria um "lugar ao sol", como disse mais tarde, em 1897, o chanceler Bernhard von Bülow.
Foto: picture-alliance/AP Photo/DW
Colónias alemãs
Foram conquistados territórios no Pacífico (Nova Guiné, Arquipélago de Bismarck, Ilhas Marshall e Salomão e Samoa) e na China (Tsingtao). A Conferência de Bruxelas em 1890 determinou que o imperador germânico iria obter os reinos do Ruanda e Burundi, ligando-os à África Oriental Alemã. No final do século XIX, as conquistas coloniais alemãs estavam praticamente completas.
Foto: picture-alliance / akg-images
Um sistema de desigualdades
A população branca nas colónias era uma minoria, raramente representava mais de 1% da população. Uma minoria privilegiada, contudo. Em 1914, cerca de 25 mil alemães viviam nas colónias, menos de metade no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia). Os 13 milhões de nativos das colónias alemãs eram vistos como subordinados, sem recurso ao sistema legal.
Foto: picture-alliance/dpa/arkivi
O primeiro genocídio do século XX
O genocídio contra os povos Herero e Nama no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia) é o mais grave crime na história colonial da Alemanha. Durante a Batalha de Waterberg, em 1904, a maioria dos rebeldes Herero fugiram para o deserto, onde as tropas alemãs bloquearam sistematicamente o acesso à água. Estima-se que morreram mais de 60 mil Hereros.
Foto: public domain
A culpa alemã
Apenas cerca de 16 mil Hereros sobreviveram ao extermínio. Foram depois detidos em campos de concentração, onde muitos acabaram por falecer. O número exato de vítimas continua por apurar e é ponto de controvérsia. Quanto tempo terão sobrevivido os Hereros depois de fugirem para o deserto? Eles perderam todos os seus bens, os seus meios de subsistência e as perspetivas de futuro.
Foto: public domain
Reformas em 1907
Depois das guerras coloniais, a administração das colónias alemãs foi reestruturada com o objetivo de melhorar as condições de vida. Bernhard Dernburg, um empreendedor de sucesso (na imagem, transportado na África Oriental Alemã), foi nomeado secretário de Estado dos Assuntos Coloniais em 1907 e introduziu reformas nas políticas coloniais da Alemanha.
Foto: picture alliance/akg-images
A ciência e as colónias
Com as reformas de Dernburg foram criadas instituições científicas e técnicas para lidarem com assuntos coloniais. Assim estabeleceram-se faculdades nas atuais universidades de Hamburgo e Kassel. Em 1906, Robert Koch dirigiu uma longa expedição à África Oriental para investigar a transmissão da doença do sono. A imagem demonstra amostras coletadas nessa expedição.
Foto: Deutsches Historisches Museum/T. Bruns
Uma das maiores guerras coloniais
De 1905 a 1907, uma ampla aliança de grupos étnicos rebelaram-se contra o poder na África Oriental Alemã. Cerca de 100 mil locais morreram na Revolta de Maji-Maji. Apesar de raramente discutido, este continua a ser um importante capítulo da história da Tanzânia.
Foto: Downluke
A perda das colónias
Derrotada na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha assinou o tratado de paz de Versalhes, em 1919, que previa que o país renunciava a soberania sobre as colónias. Cartazes como este demonstram o medo dos alemães de, como consequência, perderem poder económico e viverem na pobreza e na miséria no seu país.
Foto: DW/J. Hitz
Ambições coloniais do "Terceiro Reich"
As aspirações coloniais voltaram a surgir com o nazismo e não apenas em relação à colonização da Europa Central e Oriental, através do genocídio e limpeza étnica. O regime nazi pretendia também recuperar as colónias perdidas em África, como demonstra este mapa escolar de 1938. Os territórios eram vistos como fonte de recursos para a Alemanha.
Foto: DW/J. Hitz
Processo espinhoso
As negociações para uma declaração conjunta do genocídio dos povos Herero e Nama entraram numa fase difícil. Enquanto a Alemanha trava quanto a compensações financeiras, há também deficiências nas estruturas políticas internas da Namíbia. Representantes Herero apresentaram, recentemente, uma queixa à ONU contra a sua exclusão nas negociações em curso.