Osvaldo Caholo, o único militar do grupo "15+2", continua a exigir ao Estado angolano o pagamento do seu salário. Mas fá-lo de maneira original: com música.
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Aos 30 anos, Osvaldo Sérgio Correia Caholo é militar na reserva, porque é novo demais para a reforma e crítico demais para as Forças Armadas.
A espera de quatro anos pelo pagamento de um salário que é seu por direito - é Oficial de Comando e de Estado-Maior na reserva - levou-o a enveredar pelas artes da música de intervenção.
Antes disso, o ativista chegou a escrever ao Presidente da República de Angola, João Lourenço, mas nunca obteve resposta. Participou numa vigília em Luanda com o intuito de alertar a opinião pública para o seu caso e, ao mesmo tempo, aumentar a pressão sobre o Governo, mas continua tudo na mesma: sem salário e sem respostas.
Verso de uma música de Osvaldo Caholo:
"No meio da turbulência, suporto as insolências / Sou filho da discriminação de Vossa Excelência / Prefiro lutar na permanência e não na delinquência / Então, devolvam meu salário antes que eu perca a cabeça".
Perdoado, mas nem tanto
Osvaldo Caholo foi preso em 2015, no conhecido "caso dos 15+2", quando Angola estava nas mãos do Presidente José Eduardo dos Santos. Foi amnistiado no ano seguinte, tal como os outros ativistas, mas foi logo colocado na reserva, sem receber o salário a que tinha direito.
"Não tenho idade para estar na reserva, nem qualquer tipo de incapacidade. Então, eu não deveria estar na reserva. Se olharem para a lei das carreiras militares, eu não deveria estar na reserva", garante o ativista.
"O Presidente da República está a ser conivente com as práticas do seu antecessor", denuncia Osvaldo Caholo.
As autoridades mantêm-se em silêncio e nunca responderam aos pedidos formais do ativista e militar. A DW África tentou obter uma reação junto das autoridades angolanas, sem sucesso.
A espera prolongada não faz Osvaldo Caholo baixar os braços. O ativista juntou-se aos rappers T MC, Amoroso Rapper Crítico e Wima Nayobi para continuar a "fazer pressão" sobre o Governo de João Lourenço. Desta quadra de artistas surgiu um novo tema: "Devolvam Meu Salário".
Ativista dos "15+2": de militar sem salário a músico de intervenção
Verso da música "Devolvam Meu Salário":
"Aquilo que chamamos de luta de libertação nacional / Ou independências africanas / Não passou nada mais do que um preso que está algemado dentro de uma cela I Que lhe é retirado as algemas mas permanece na cela".
"Para além da solidariedade, [a música] é também uma forma de chamar a atenção das autoridades de direito", explica o agora artista.
Será que com a música, Osvaldo Caholo vai receber finalmente o salário? "É mais um mecanismo de pressão, porque no meio disto tudo eu tenho estado a lutar de forma isolada", lamenta.
Os dez músicos brasileiros que mais se empenharam para fazer a ponte África-Brasil
A música torna-se um dos maiores aliados para eliminar diferenças e polémicas como, por exemplo, se o samba é brasileiro ou de Angola. Estes dez artistas colocam África em destaque de forma inovadora e revolucionária.
Foto: W. Montenegro
Viagens em livros e muita música
Martinho da Vila faz um verdadeiro manifesto anti-racista no livro "Kizombas, Andanças e Festanças", lançado pela primeira vez em 1972. O cantor e compositor, que assina alguns dos maiores sucessos da música brasileira, aparece no topo da lista dos músicos brasileiros que mais contribuíram para a ponte Brasil-África de acordo com diferentes instituições e especialistas ouvidos pela DW África.
Foto: Getty Images/R. Dias
"Marrom" graças ao amor pelas origens
Alcione Dias Nazareth, a Marrom, viajou diversas vezes para apresentações em países africanos, como Angola e Moçambique. Depois de 25 anos sem ir a Cabo Verde, a maranhense fez uma apresentação, em 2011, para celebrar os seus 40 anos de carreira. Do arquipélogo, inclusive, gravou "Regresso" (Mamãe Velha), composição histórica de Agostinho José que usou um poema de Amílcar Cabral.
Foto: Getty Images/F.Calfat
Sons e política em oração
Gilberto Gil, músico e ex-ministro da Cultura do Brasil, procurou desconstruir equívocos na música "Mão da Limpeza", em 1983, levando em conta o pejorativo termo de que "negro quando não suja na entrada, suja na saída". Cantada ao lado de Chico Buarque, valoriza a contribuição dos afro-brasileiros na gastronomia e cultura brasileiras. Em 1985, lançou a "Oração Pela Libertação da África do Sul".
Foto: FAO/Giulio Napolitano
"A carne mais barata do mercado é a carne negra"
Elza Soares é militante assumida numa carreira de mais de 60 anos e apresenta em muitas das suas músicas a realidade do negro, tomando como ponto central a mulher. Nascida na favela da Moça Bonita, Rio de Janeiro, em 1937, Elza não perde oportunidade para gravar canções como "A Carne", de Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette. O mais recente trabalho é "A Mulher do Fim do Mundo" (2016).
Foto: Getty Images/K.Betancur
Composições e inspiração para novos artistas
Mateus Aleluia (esq.) morou 20 anos em Angola e sempre procurou ligações com outros artistas para dar vida à África perdida na história do Brasil. O músico nascido no estado brasileiro da Bahia inspira trabalhos de nomes como Carlinhos Brown, Nação Zumbi e Cidade Negra. Aleluia integrou o legendário "Tincoãs", nos anos 1970. Na foto, está ao lado de Bule-Bule (centro) e Raimundo Sodre (dir).
Foto: picture-alliance/ dpa/S.Creutzmann
Morena de Angola, Moçambique e Brasil
Clara Nunes (1942-1983) fascina quem pesquisa sobre o Brasil e está em África. O inédito nela é ter cantado sobre elementos fora do dia-a-dia das pessoas, como em "Mãe África", do marido Paulo César Pinheiro e Sivuca. Foi desta forma que rompeu paradigmas, vendendo mais de 100 mil cópias. É retratada no documentário Clara Estrela (2017), dirigido pelos brasileiros Susanna Lira e Rodrigo Alzugui.
Foto: W. Montenegro
O Sul do mundo em lágrimas
Milton Nascimento compôs a Missa dos Quilombos, em 1981, para denunciar as consequências da escravidão e do preconceito no Brasil. Criado por pais adotivos brancos, impulsionou a criação dos Tambores de Minas, nos anos 1990, e trabalhou com projetos envolvendo novos talentos. Com mais de 50 anos de carreira, escreveu Lágrima do Sul, ao lado de Marco Antônio Guimaraes, do grupo Uakti.
Foto: picture-alliance/dpa/M.Cruz
Afro-brasileiro fora da África e do Brasil
Desde o início da sua carreira, nos anos 1960, Jorge Ben Jor manteve-se mais próximo dos aspectos afro-brasileiros, afastando-se da Bossa Nova que dominava a cena musical brasileira. O guitarrista, cantor e compositor gravou "África Brasil", em 1976. É deixando-se ser marcado por esta influência que se apresenta em diversos pontos do planeta, como no Festival de Montreux, na Suíça (foto).
Foto: picture-alliance/dpa/S.Campardo
Sem dar adeus à Àfrica
Naná Vasconcelos (1944-2016) já começou sua carreira intitulando o primeiro disco de "Africadeus", em 1973. Respeitado no mundo inteiro por valorizar as culturas africana e negra em seu trabalho, ganhou oito prémios Grammy. De 1983 a 1990, foi o Melhor Percussionista do Ano, da revista Down Beat. Em 2010, o pernambucano reuniu meninas e meninos de Angola, Brasil e Portugal no projeto Língua Mãe.
Foto: picture-alliance/dpa/S.Moreira
Revolução em lugares inesperados
Já no início da carreira, nos anos 1960, Maria Bethânia fazia invocações africanas e revolucionou aglutinando dois continentes dentro de boates! Com uma trajetória sólida, em 1986, gravou com o grupo sul-africano Lady Smith Black Mambazo. Ao lado de Mingas, Mia Couto e Agualusa, a intérprete baiana acaba de lançar o documentário "Karingana, Licença para Contar" (2017), de Monica Monteiro.