Ativistas denunciam desvios no combate à fome em Angola
Manuel Luamba
22 de fevereiro de 2020
A região sul de Angola continua a ser assolada pelo fome e desnutrição, apesar das chuvas. Ativistas relatam que os apoios enviados pelo Governo são desviados e as pessoas continuam a morrer.
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A fome e a seca no sul de Angola deixaram de ser notícia com a chegada da chuva que cai sobre as regiões afetadas. Entretanto, engana-se quem pense que a situação conheceu melhorias.
Segundo Domingos Fingo, diretor-executivo da Associação Construindo Comunidades, ainda não há produtos resultantes do presente ano agrícola que possam saciar a fome da população.
"As pessoas pensam que pelo simples facto de estar a cair chuva que neste momento a realidade da fome e da seca na região sul de Angola e substancialmente na dos Gambos está ultrapassada. Não. Não é isso, porque neste momento as comunidades estão a cultivar e os produtos resultantes do cultivo só estão disponíveis a partir de maio ou junho", alertou.
Por isso, Domingos Fingo entende que o apoio às vitimas não deve parar. "O espírito de solidariedade para com as vítimas da seca, da fome e da desnutrição deve continuar até que haja condições de suporte dos produtos que poderão ser retirados do campo. A solidariedade de todos nós exige-se enquanto não chegar à altura das colheitas que se impõem na região", disse.
Desvios
O combate à fome no sul do país começou a ganhar força na agenda do Governo com a visita do Presidente angolano à região em maio do ano passado. João Lourenço deslocou-se em duas das três províncias mais afetadas pela fome: Namibe e Cunene. Não tardou, o país mobilizou-se em apoiar as vítimas.
Ativistas denunciam desvios no combate à fome em Angola
Entretanto, a ajuda material e financeira já dada, quer pelo Estado, quer por organizações sociais, tem conhecido destino incerto. A 18 de fevereiro deste ano, o padre Pio Wakussanga, residente na região dos Gambos, província da Huíla, outra zona fortemente afetada pela fome, questionou no seu perfil no Facebook: "Ide para o interior junto de comunidades afetadas. Perguntem quantas vezes receberam os referidos apoios", escreveu na rede social.
O ativista dos direitos humanos escreve em maiúsculo a palavra "NIET" para acentuar o suposto desvio dos bens. "NIET", em português em Angola, significa "nada ou não". Ou seja, "há uma nuvem negra de incertezas e hiatos nesse quesito!", desabafou Pio Wakussanga.
"A provar-se o descaminho desses dinheiros, tal contribuiu para a morte de muitas pessoas", acrescentou o padre na sua publicação, que foi retomada por vários internautas.
Morte de pessoas e animais
Há também relatos de morte de pessoas e gado no Namibe, Cuando Cubango e Cunene. Sem precisar o número de mortes por fome e desnutrição, Domingos Fingo, confirma: "Existem familiares que estão a perder os seus entes queridos por causa da fome. Eu pessoalmente fui surpreendido por duas famílias a solicitar-me apoio. Quando vi a natureza física das pessoas que me contactaram fiquei extraordinariamente indignado com a realidade".
Por isso, Wakussanga pede à Presidência da República que faça um esclarecimento público sobre que tipos de ajudas o Governo central disponibilizou.
Não é apenas na região dos Gambos onde há relatos de desvio de apoios. No Cunene, a província mais afetada com mais de 800 mil vítimas e mais de um milhão de cabeças de gado de várias espécies, também há registo de desvios. Isso terá estado na base da exoneração do ex-governador provincial Virgílio Tchova. O antigo governante está ser investigado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola.
O problema da seca e da fome na região sul de Angola acentuou-se em 2011. Agora a situação estende-se a outras regiões do país, como o Cuando Cubango. No leste de Angola, precisamente na província do Moxico, a fome também fustiga populares.
"O município mais afectado na província do Moxico é Buengas. A população recorre às matas para recolher os frutos silvestres para a sua alimentação. Lá, a seca está em alta e a população está a passar por momentos muito difíceis", denuncia o ativista Nelson Euclides, residente no Luena.
Bairro de reassentamento de Mualadzi: Quando a fome obriga a vender o telhado
Moradores de Mualadzi, no distrito de Moatize, centro de Moçambique, sofrem com a seca e a fome. Para sobreviver, muitos vendem as chapas que cobrem as casas construídas pela empresa de mineração Riversdale.
Foto: DW/Amós Zacarias
Um bairro de dificuldades
Mualadzi, no distrito de Moatize, província de Tete, foi finalizado em 2013 para albergar mais de 470 famílias retiradas de Capanga para dar lugar às operações da mina de Benga - hoje, propriedade da International Coal Ventures Limited (ICVL) - depois de ter passado pelas mãos da Riversdale e da Rio Tinto. Entretanto, muitos abandonaram o bairro onde falta quase tudo: água, comida e emprego.
Foto: DW/Amós Zacarias
Fome já é rotina
"Aqui comemos farelo e frutos silvestres. Estamos a morrer. Devem-nos devolver onde estávamos": este é o grito da comunidade reassentada em Mualadzi, que já escreveu uma carta ao governador provincial pedindo socorro. Vivem-se dias complicados devido à escassez de chuva nas épocas agrícolas de 2017 e 2018.
Foto: DW/Amós Zacarias
Sem telhados, portas ou janelas
É uma realidade dura. Muitas famílias estão a tirar as chapas de zinco que cobrem as suas residências para vender. Mais de 20 residências já não têm telhados, portas ou janelas. Muitas casas foram vendidas e os seus proprietários regressaram às zonas de origem.
Foto: DW/Amós Zacarias
Vender antes de partir
O cenário repete-se um pouco por todo o bairro. O proprietário desta casa foi vendendo a casa por partes: primeiro, as chapas de zinco, depois, as portas e as janelas das duas casas de banho e cozinha que tinham sido construídas pela Riversdale. No fim, sobrou apenas a cobertura do quarto onde até há bem pouco tempo vivia, antes de vender tudo a 20 mil meticais (cerca de 280 euros).
Foto: DW/Amós Zacarias
Alimentação pobre
Crianças e adultos recorrem a frutos silvestres para matar a fome. Esta é uma imagem vulgar: partem-se os frutos com pedras para retirar a amêndoa.
Foto: DW/Amós Zacarias
Xima quando há dinheiro
Os poucos moradores de Mualadzi com acesso a uma alimentação condigna são membros de famílias que conseguem desenvolver alguma atividade comercial no próprio bairro ou na vila de Moatize. A maior parte das refeições no bairro de reassentamento faz-se à base de farelo comprado na aldeia de Cateme ou na vila. Estas crianças comem xima, uma massa de farelo, acompanhada com caril.
Foto: DW/Amós Zacarias
Água não jorra
Quando o bairro de Mualadzi foi aberto, em 2013, estavam em funcionamento 16 furos de água. Hoje, a maioria não está a operar.
Foto: DW/Amós Zacarias
Zona imprópria para agricultura
Além da falta de água, o próprio terreno da zona de reassentamento não é adequado para a prática da agricultura. Para chegarem aos seus pequenos campos de cultivo, os residentes de Mualadzi têm de percorrer entre 10 a 15 quilómetros. Não há transportes, nem mesmo para ir de Mualadzi a Cateme. A principal via que dá acesso àquela zona residencial não está em condições.
Foto: DW/Amós Zacarias
Rostos do desespero
Torres Avelino Conforme, um dos moradores de Mualadzi, é pai de cinco filhos. Está desempregado. Em Capanga, desenvolvia muitas atividades de rendimento. Aqui, viu-se obrigado recentemente a vender as chapas de cobertura da sua cozinha por 1200 meticais, cerca de 17 euros, porque um dos filhos estava muito debilitado por causa da fome. Pede para voltar a Capanga: "Estávamos bem", afirma.
Foto: DW/Amós Zacarias
Fórum comunitário tenta dar apoio
Crianças e idosos são os mais afetados por todo o sofrimento que se vive em Mualadzi. O fórum comunitário local tenta encontrar formas de ajudar estas camadas sociais.
Foto: DW/Amós Zacarias
Apelos sem resposta
Liliane Rodrigues, presidente do Comité de Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento de Mualadzi, diz que já houve muitas tentativas de convencer as autoridades distritais e provinciais a dar assistência às crianças e idosos locais, mas em vão. Neste momento, a agremiação tenta encontrar apoio para as camadas vulneráveis junto de outras instituições.
Foto: DW/Amós Zacarias
Juventude desmoralizada
Muitos jovens em Mualadzi estão desempregados. Recorrem ao corte de lenha e produção de carvão vegetal, ao longo da Estrada Nacional 7, para sobreviver. Muitos estudaram e já estiveram empregados. Mas, agora, a realidade é outra: faltam oportunidades no bairro de reassentamento.
Foto: DW/Amós Zacarias
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Segundo o ativista, o estado degradante das vias de comunicação vem agravar ainda mais a situação dos populares. "Há dificuldades de vias de acesso. E é um município que dista a mais de 200 quilómetros", diz.