Ativistas do Zimbabué preocupados com discurso do Presidente
Fred Muvunyi | ms | com agências
5 de agosto de 2020
O Presidente do Zimbabué acusou "forças obscuras" de estarem a tentar dividir o país e deixou um aviso às "maçãs podres". Ativistas dos direitos humanos interpretaram o discurso de Emmerson Mnangagwa como uma ameaça.
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"As forças obscuras, tanto dentro como fora das nossas fronteiras, têm perturbado o nosso crescimento e prosperidade. Durante demasiado tempo prosperaram dividindo-nos", disse Emmermson Mnangagwa numa mensagem televisiva à nação, na terça-feira (04.08), a partir do Palácio Presidencial.
As declarações do Presidente do Zimbabué surgem numa altura em que surgem relatos de repressão e detenção de opositores na sequência de manifestações anticorrupção da semana passada.
"Aqueles que promovem o ódio e a desarmonia nunca vencerão, as maçãs podres que tentarem dividir o nosso povo e enfraquecer o nosso sistema serão eliminadas", acrescentou o chefe de Estado, adiantando que "o bem triunfará sobre o mal".
Os que conhecem bem Mnangagwa dizem que estas declarações não são meras ameaças e também não são novidade. "Este tipo de retórica incendiária pode parecer chocante, mas na realidade tem sido a norma para Mnangagwa, já muito antes de ser Presidente", disse à DW Jeffrey Smith, diretor da "Vanguard Africa", uma iniciativa pró-democracia no Zimbabué.
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05:15
Em 2015, quando era vice-Presidente, Emmerson Mnangagwa comparou a oposição política do Zimbabué a Satanás, recorda ainda Smith. "Viemos para vos purificar dos pecados do MDC", anunciou perante uma multidão.
Mnangagwa também é acusado de ser o arquiteto dos "Gukurahundi", uma série de massacres contra civis Ndebele perpetrados pelo Exército Nacional do Zimbabué, entre 1983 e 1987. Na altura, o atual Presidente era o ministro da Defesa de Robert Mugabe.
"O aspeto mais preocupante é que estas não são apenas palavras tóxicas, são avisos claros de ações futuras", considera Jeffrey Smith, que recorda décadas de violações dos direitos humanos alegadamente cometidas por Emmerson Mnangagwa e pelo regime do partido no poder, ZANU-PF.
Repressão da oposição
Esta é a primeira declaração pública do chefe de Estado após a campanha anti-oposição lançada na sequência de uma manifestação de protesto contra a corrupção governamental na passada sexta-feira (31.07), que não teve muita adesão devido às medidas de contenção do novo coronavírus, mas nas quais dezenas de pessoas foram detidas e algumas espancadas pelas forças de segurança.
Segundo o principal partido da oposição zimbabueana, o MDC, pelo menos 60 militantes foram detidos antes, durante e depois destes protestos. Entre os detidos encontrava-se o conhecido escritor e realizador Tsitsi Dangarembga, cujo último romance "This Mournable Body" foi nomeado para o prémio britânico Booker Prize, que foi detido durante a manifestação e libertado no dia seguinte.
"Há pessoas que estão a ser raptadas, detidas, assediadas e torturadas", disse à DW Ngaba Matshazi, do MISA. A organização sem fins lucrativos, que promove a liberdade dos media e a liberdade de expressão na região da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), registou mais de 25 violações contra jornalistas entre março e junho de 2020.
Os jovens também têm sido vítimas de repressão. "As forças de segurança invadem as suas casas, raptam pessoas e depois trazem-nas após terem sido torturadas", conta à DW o ativista Mantate Mlotshwa, defensor da igualdade de género e das liberdades civis. "Os zimbabueanos estão de coração partido", sublinha.
#ZimbabweanLivesMatter
O Governo do Zimbabué tem sido alvo de críticas por repressão e detenções arbitrárias. Na segunda-feira (03.08), ativistas zimbabueanos lançaram uma campanha de comunicação social sob o rótulo #ZimbabweanLivesMatter, à qual se juntaram vozes de outros países africanos e até a do recém-eleito Presidente Lazarus Chakwera, do Malaui.
Mnangagwa voltou a impor um recolher obrigatório noturno e uma proibição de reuniões sociais no país a 21 de julho, uma vez que o número de casos de Covid-19 aumentou para 4.075, de acordo com os últimos números oficiais, com 80 mortos e 1.057 doentes recuperados.
Os opositores e grupos de direitos humanos consideraram, contudo, que a proibição de qualquer ajuntamento nas ruas se destinava a impedir a manifestação anticorrupção da semana passada, que exigiu a demissão de Mnangagwa.
Enquanto isso, o Zimbabué continua igualmente a braços com uma economia em crise, ensombrada por uma moeda fraca, pela escassez de combustíveis e pela elevada inflação.
Família Mugabe: 37 anos de luxo e ostentação
Enquanto Robert Mugabe liderou o Zimbabué, não foi uma preocupação da sua família esconder o luxo em que vivia. Num país em que parte da população é pobre, a família do Presidente exibiu, durante anos, uma vida faustosa.
Foto: Getty Images/M.Safodien
Fortuna de um bilião
Estima o The Guardian que a fortuna de Mugabe deverá rondar um bilião de euros, espalhados, entre outros, em contas secretas na Suiça e Bahamas. Só a sua mansão, localizada a norte de Harare, está avaliada em cerca de oito milhões de euros. Um valor que um cidadão comum no Zimbabué só conseguiria pagar se trabalhasse cerca de 3.825 anos seguidos sem gastar um centavo.
Foto: Getty Images
Seis pessoas, 25 quartos
Desenhada por arquitetos chineses, a mansão “Blue Roof”- com este nome por causa dos azulejos azuis do telhado importados da China - tem 25 quartos. Se cada elemento da família tiver um quarto - Robert, Grace, os três filhos do casal e o filho do primeiro casamento de Grace - sobrarão ainda 19. A casa tem ainda lagos, monitores panorâmicos, cadeiras de veludo e camas em estilo monárquico.
Foto: Getty Images/J.Njikizana
Outras propriedades
Sabe-se que o casal possui ainda propriedades na Malásia, Singapura e Dubai . Em 2009, diz o Sunday Times, Robert e Grace Mugabe adquiriram uma outra casa num bairro de luxo em Hong Kong, cidade onde estudou a sua filha Bona, por 4,5 milhões de euros. Na mesma altura, "Dis Grace", como também é chamada pelos zimbabueanos, terá gasto mais de 60 mil euros em estátuas de mármore do Vietname.
Foto: picture-alliance/dpa/Ym Yik
Casamento extravagante
Robert e Grace Mugabe deram o nó em agosto de 1996, quatro anos após a morte da primeira esposa do presidente do Zimbabué, Sally, ter falecido. O casamento custou um milhão de dólares e contou com 40 mil convidados. Na imprensa local, falou-se no “casamento do século”. Para assinalar o 20º aniversário de casamento, Grace terá comprado um anel de diamantes por 1,15 milhões de euros.
Foto: Getty Images/O.Anderson
"Gucci Grace"
Embora quisesse ser notícia pelo trabalho social que desenvolvia no Zimbabué, a agora ex primeira-dama, apelidada também de "Gucci Grace" pela sua futilidade, era criticada pelos seus gastos pessoais com objetos de luxo. Grace Mugabe, 40 anos mais nova que Robert Mugabe, não escondia as suas roupas, sapatos e jóias de marcas de luxo.
Foto: Getty Images/Z.Auntony
Às compras pela Europa...
Diz o The Guardian que a marca favorita de sapatos de Grace é a Ferragamo. Ao todo, o seu armário, contará com mais de três mil pares de sapatos. Em 2003, o Daily Telegraph deu conta que Grace gastou, numa só viagem a Paris, cerca de 63 mil euros. Já em Londres, a primeira-dama terá gasto 45 mil. Até 2004, Grace terá retirado do Banco Central do Zimbabué mais de cinco milhões de euros.
Foto: Getty Images/J.Delay
Luxo “hereditário”
O gosto por gastar é algo que Grace parece ter incutido nos seus filhos. Só o casamento de Bona (na foto) custou mais de três milhões de euros. Já Robert Jr. e Bellarmine Chatunga, os outros dois filhos do casal, enquanto viveram no Dubai, estiveram instalados num apartamento que tinha uma renda mensal de cerca de 30 mil euros. Já na África do Sul, pagavam cerca de 4,5 mil.
Foto: Getty Images/R.Rahman
Filhos não escondem riqueza
Este ano, o filho mais novo de Mugabe publicou um vídeo onde derramava champanhe Armand de Brignac em cima do seu relógio de luxo. Dias antes, diz o The Guardian, o jovem postou uma fotografia com a legenda “51 mil euros no pulso quando o seu pai comanda o país”. A imprensa local não deixou também passar em branco a excentricidade do enteado de Mugabe, que importou dois luxuosos Rolls-Royce.
Foto: Rolls-Royce
"Gucci Grace" em tribunal
Recentemente “DisGrace” travou uma guerra no tribunal com um negociante de diamantes libanês. Grace Mugabe afirma ter pago cerca de 858 mil euros por um diamante de 100 quilates que não recebeu.
Foto: dapd
Festas de anos milionárias
As festas de anos de Mugabe já eram uma tradição. Ano após ano, em fevereiro, repetiam-se as notícias relacionadas com as suas extravagâncias. No seu 85º aniversário, por exemplo, foram encomendadas duas mil garrafas de champanhe Moet & Chandon e 400 doses de caviar. Já por altura dos seus 91 anos, Mugabe gastou cerca de um milhão de dólares na festa, que teve lugar num hotel de cinco estrelas.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Ufumeli
Na mira do “Wikileaks”
Em 2010, as informação reveladas pelo Wikileaks vieram dar razão aos zimbabueanos que criticavam os luxos da família Mugabe. Os documentos divulgados fizeram referência ao envolvimento de elites e altos funcionários do governo do Zimbabué em negócios de diamantes. Um dos nomes citados foi precisamente o de Grace Mugabe.