Ativistas pedem à Vale para rever forma de operar em Moatize
Amós Fernando (Tete)
2 de dezembro de 2019
Empresa brasileira deve realizar estudo sobre o impacto das suas atividades nas comunidades, mas organizações da sociedade civil cogitam fazer estudo paralelo.
Publicidade
Organizações que prestam assistência jurídica e defendem os direitos das comunidades no norte de Moçambique querem que a Vale aproveite uma paralisação de três meses nas suas atividades, prevista para o próximo ano, para avaliar os impactos da extração de carvão sobre as comunidades na região de Moatize.
A mineradora anunciou na semana passada que vai fazer uma pausa nas operações em 2020 para "manutenção", no âmbito de uma reavalição às suas operações no terreno. Nos primeiros nove meses deste ano, a produção total de carvão da Vale caiu 18,04%, em comparação com o ano anterior. As quedas na produção e exportação, que se repetem desde 2018, e o novo anúncio provocaram temores de cortes de postos de trabalho entre os funcionários da empresa.
A Associação de Apoio e Assistência Jurídica às Comunidades (AAAJC) quer agora que a Vale aproveite a pausa do próximo ano para avaliar os impactos que tem causado às comunidades na região de Moatize.
"Nos últimos anos, temos acompanhado que a empresa tem feito todo o esforço para limpar a sua imagem, que é muito negativa em relação à violação dos direitos humanos. É a oportunidade para a Vale olhar para dentro de si e observar como pode coexistir com as comunidades", disse o diretor-executivo da AAAJC, Rui Vasconcelos.
À procura de soluções
Há um ano, a Vale paralisou as suas atividades numa das áreas da Mina II de Moatize devido a protestos da comunidade do bairro Nhanchere. Os moradores reclamaram da proximidade dos locais de operação da empresa com a zona residencial, que provocava poluição ambiental, poluição sonora e fissuras nas casas na sequência do estremecer da terra devido aos explosivos usados na atividade mineira.
Na visão das organizações da sociedade civil, o impacto direto e nocivo às comunidades não seria a única questão sem solução no processo de extração mineral da Vale. O integrante da Coligação Cívica sobre a Indústria Extractiva, Jessimuce Cacinda, alerta para o impacto das operações da companhia na natureza. "É preciso que sejam encontradas soluções para que não se destrua de vez a biodiversidade", sublinhou.
Cacinda considera que tanto o processo de extração quanto o transporte do carvão de Moatize ao porto de Nacala são feitos sem medidas de prevenção ambiental.
"O carvão é transportado de Tete até Nacala em vagões abertos, deixando resíduos em todo o corredor", indicou o ativista, para quem "a empresa opera num contexto em que a sua implantação em Moçambique não foi muito bem pensada, porque, daquilo que se sabe, não há condições para que a mina continue a operar", disse.
No mesmo período de encerramento da mina de Moatize, a Vale pretende realizar um estudo sobre o impacto ao meio ambiente e à saúde das comunidades na vila de Moatize. Vasconcelos considera a iniciativa positiva, mas acha que seria importante que a sociedade civil encomendasse um relatório paralelo e não "confiasse somente no estudo da Vale".
Sociedade civil pede que Vale reveja relação com Moatize
Preço do carvão em queda livre no mercado
O anúncio da pausa da produção em Moatize ocorre numa altura em que a empresa reporta perdas operacionais na ordem de mais de 260 milhões de dólares somente nos primeiros seis meses deste ano devido à redução do preço da commodity no mercado internacional.
Vasconcelos defende que a queda nos lucros da Vale Moçambique também está relacionada com a má convivência com as comunidades. "[Isso] trouxe alguns prejuízos para a empresa e ela hoje está a correr atrás desses prejuízos", completou o diretor-executivo da AAAJC.
Aliás, este ano, a Vale Moçambique foi obrigada a reabilitar algumas das casas do reassentamento no bairro 25 de Setembro, na vila de Moatize. Além disso, teve de indemnizar oleiros que alegavam usurpação das suas terras.
A imprensa moçambicana publicou que, devido às constantes perdas, a companhia está a mudar o seu foco da mineração do carvão térmico para o metalúrgico, usado para produção de aço. O preço do carvão térmico está em queda nas principais praças internacionais. O fenómeno estaria relacionado com o facto de grandes empresas mundiais de eletricidade estarem a optar por matrizes de energia renováveis em detrimento da energia gerada por carvão ou gás.
Faces de Tete e do carvão de Moçambique
A vida mudou na província de Tete desde a chegada de empresas multinacionais para explorarem o carvão. Os ventos da mudança trouxeram, para alguns, oportunidades para melhorar de vida; para outros, novas preocupações.
Foto: DW/Marta Barroso
Coque, o trabalhador
Coque tem 28 anos. Trabalha há quatro anos na empresa mineira britânica Beacon Hill. Lá, amarra lonas nos camiões que transportam o carvão até ao vizinho Malawi. Tal como muitos jovens na região, dantes Coque fabricava tijolos que vendia no mercado local. Mas hoje, diz, vive melhor. Por camião recebe 800 meticais, cerca de 20 euros, que divide com o colega que estiver com ele no turno.
Foto: Marta Barroso
Paulo, o diretor de operações da Vale
Apesar dos enormes incentivos fiscais de que gozam as empresas dos megaprojetos em Moçambique, como a brasileira Vale, Paulo Horta diz que um projeto de mineração como o de Moatize gera uma cadeia produtiva tão grande que a população local beneficia em grande medida com a sua vinda para Tete: através da criação de outras empresas, serviços, tributos gerados por terceiros e criação de empregos.
Foto: DW/Marta Barroso
Gomes António, vítima de maus tratos
Gomes António Sopa foi espancado e detido pela polícia na sequência da manifestação de 10 de janeiro de 2012, quando os habitantes de Cateme bloquearam a passagem do comboio que transportava carvão das minas até ao porto da cidade da Beira. Muitas das promessas feitas pela Vale, responsável pelo reassentamento de centenas de famílias, continuam por cumprir. Ainda hoje, Gomes António sente dores.
Foto: Marta Barroso
Duzéria, a curandeira
Os habitantes do Centro de Reassentamento de 25 de Setembro, no distrito de Moatize, queixam-se de que muitos aspetos culturais não foram respeitados durante o processo de reassentamento pelas empresas mineiras. A curandeira do bairro, por exemplo, diz que no planeamento do complexo não se teve em conta a construção de uma casa para o seu espírito.
Foto: Marta Barroso
Lória, a rainha
Provavelmente Lória Macanjo e a sua comunidade deverão ser reassentadas brevemente: a multinacional Rio Tinto está já a operar um mina de carvão em Benga, perto da sua aldeia, Capanga. Também aqui, debaixo da terra que herdou do pai, a empresa mineira descobriu carvão. Mas a rainha sabe do destino dos que já se mudaram e recusa-se a deixar a sua casa.
Foto: DW/Marta Barroso
Olivia, a cabeleireira
Olivia (esq.) tem 29 anos e veio em 2008 do seu país, o Zimbabué, fugindo à crise financeira que lá se vive. Tete é agora a terra das grandes oportunidades, tinham-lhe dito. Hoje, é cabeleireira no Mercado Primeiro de Maio e, tal como a amiga Faith (dir.) faz trabalhos de manicure. Diz que, por dia, consegue 500 a 1000 meticais, entre 15 e 25 euros. Com esse dinheiro consegue sustentar-se.
Foto: DW/Marta Barroso
Guta, o empresário
Ao todo, Guta emprega 130 homens nas áreas de carpintaria e construção civil na cidade de Tete. Diz que desde a chegada das grandes empresas à região não sentiu grandes alterações no seu negócio. Os projetos de mineração requerem quantidades às quais não consegue responder. Uma vez, conta, a Vale pediu que fornecesse, juntamente com outra carpintaria da cidade, 5000 portas em 60 dias.
Foto: DW/Marta Barroso
Canelo, o vendedor de amendoins
Canelo diz que tem 11 anos. E diz também que frequenta a segunda classe. Todas as tardes vende amendoins no centro de Tete. "Para ajudar a mãe que não tem trabalho." O pai também está desempregado. Canelo é uma de muitas crianças que vendem amendoins na cidade. Um saco pequeno fica por dois meticais, cerca de cinco cêntimos de euro, o maior custa cinco meticais, treze cêntimos de euro.
Foto: DW/Marta Barroso
Catequeta, o ativista
Manuel Catequeta mudou-se para Tete em 2001. O ativista dos direitos humanos sabe o que custa viver com a subida constante do custo de vida. O seu salário não lhe permite luxos. A sala de sua casa "de dia é sala, de noite vira quarto". Mas mudar de casa, para já, está fora de questão. Hoje em dia, uma boa casa na capital provincial passa dos 5.000 dólares, cerca de 4.000 euros, por mês.
Foto: DW/Marta Barroso
Júlio, o otimista
O músico Júlio Calengo vê oportunidades de negócio, agora que em Tete há tantas empresas novas. O seu objetivo é, em breve, montar uma empresa de limpeza: tanto nos escritórios das empresas mineiras como nos das firmas que entretanto apareceram na cidade. Interessados não vão faltar, diz Júlio. O que é preciso é ter criatividade e, claro, dinheiro.