Ativistas presos passaram para prisão domiciliária. E agora?
21 de dezembro de 2015 "A mudança de postura do regime angolano no julgamento dos 15+2 é uma tentativa airosa de fechar o caso sem prejuízos para si", diz o analista angolano Nelson Pestana. Para ele, o Presidente José Eduardo dos Santos usou o caso para disciplinar os opositores e até os descontentes no seio do partido no poder, o MPLA.
Entrevistado pela DW África Pestana fala sobre as interpretações da reviravolta do julgamento dos jovens, agora em prisão domiciliária.
DW África: Como interpreta a transformação da prisão carcerária em prisão domiciliária dos jovens ativistas detidos?
Nelson Pestana (NP): É preciso dizer que este desagravamento das medidas de coação de prisão carcerário para prisão domiciliária traduz efetivamente um ato do governo no sentido de procurar uma saída airosa para este processo, isto porque já percebeu que não tem a possibilidade de condenar estas pessoas de forma legal. Pelo contrário: elas estavam e continuam a estar presas ilegalmente há mais de seis meses e agora é preciso justificar a medida e acalmar a opinião pública. Era preciso dilatar os prazos ou o tempo de julgamento para poder fazer uma suspensão do julgamento, sobretudo neste periodo de natal. Era preciso sossegar um pouco as hostes dos “revús”. Era também preciso amenezar a onda crítica que se levantou contra as autoridades, particularmente contra o Presidente José Eduardo dos Santos em relação a este processo.
DW África: A pressa em anunciar a prisão domiciliária, mesmo antes da nova lei sobre as medidas cautelares entrar em vigor, veio a provar as críticas duras feitas à justiça angolana, que é acusada de obedecer aos comandos do governo?
NP: A Justiça angolana nos processos que têm implicação política nunca é independente. Esta não é exceção, pelo contrário: desde o princípio tudo leva a crer que vai ser assim até ao fim de todo este processo. Um processo que foi conduzido pelo Presidente José Eduardo dos Santos. Foi ele que mandou prender, foi ele que condicionou todo o aparelho do Estado no sentido de justificar essa prisão e é ele que está a dirigir a manobra para uma saída airosa da situação com o menor prejuízo possível e de efeitos colaterais.
DW África: O que é que se pode esperar da próxima fase do julgamento?
NP: O tribunal está num beco sem saída. Eles próprios já disseram e a procuradora quando falou da mudança da medida de segurança da prisão carcerária para a prisão domiciliária disse que eles estavam indiciados por atos preparatórios de rebelião e que esses atos, previstos no artigo 28 da lei sobre os crimes contra a segurança do Estado, eram condenados com uma pena de até tres anos de cadeia ou multa. O que a procuradora não disse é que, segundo o direito penal angolano, é sempre aplicada ao réu não só uma medida de segurança, como ela referiu, mas também à pena mais favorável. Isso quer dizer que em última instancia essas pessoas, mesmo que não se discuta se as provas são boas ou más, se vierem a ser dadas como culpadas dos tais atos preparatórios de rebelião, só podem ser condenadas com multa e nunca em prisão. Como não podiam ser condenadas a prisão nunca deveriam ter sido alvo de uma prisão preventiva. E é por isso que digo que estão presos ilegalmente com a colaboração do Ministério Público a partir do momento que este mudou a própria acusação. Porque se a acusação continuar a manter a ideia de tentativa de golpe de estado eles poderiam estar preventivamente presos porque esse crime tem uma moldura penal muito mais elevada e prevê a prisão preventiva.
DW África: Disse que este caso entrou num beco sem saída. Então já se pode fazer um balanço?
NP: Devemos esperar para vermos qual vai ser a decisão do tribunal para fazermos o devido balanço, mas - fazendo um balanço provisório - há que dizer que vemos aqui um processo político e temos presos de consciência, porque estão presos pelas suas ideias e não por atos materias. Porque manifestar as suas ideias ou questionar o porquê do presidente da República estar há mais de 36 anos no poder não é um crime. Aliás: muita gente pensa assim, agora tornou-se crime é não pensar e sobretudo exprimir uma tal ideia. O primeiro balanço é esse. O poder, por razões políticas de consolidação do poder e até de viabilização de futuras ações que pretende levar a cabo nos próximos tempos, achou por bem que deveria prender essas pessoas para disciplinar os opositores e os descontenetes no interior das suas próprias forças e procurar o efeito de coesão interna em torno da pessoa do presidente José Eduardo dos Santos. Só que calculou mal os efeitos colaterais.