Lisboa recebeu uma conferência sobre as eleições em Angola. Ativista Sedrick de Carvalho afirma que há uma "descrença total" nas eleições no país. Advogado Arão Bula Tempo alerta para clima de tensão em Cabinda.
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Sedrick de Carvalho, pertencente ao grupo dos chamados "15+2" ativistas angolanos, está reticente em relação às eleições gerais da próxima semana em Angola. Na sua perspetiva, os indicadores apontam para uma fraca participação dos eleitores.
"Há, cada vez mais, uma descrença total sobre os pleitos que se têm realizado em Angola. E esta abstenção tem números. Primeiramente vem o facto de que, em 2012, houve mais pessoas registadas e este ano há menos. Isto já é curioso. É estranho que haja essa diminuição quando o normal é que o número de pessoas com idade eleitoral aumente", afirma.
O jornalista e ativista aponta, por outro lado, para as notícias sobre eleitores que foram colocados em listas de assembleias de voto a muitos quilómetros de distância das suas residências, inclusive em províncias diferentes.
"Estes são elementos que apontam para o aumento da abstenção", conclui.
Sedrick de Carvalho considera ainda que em todo o processo eleitoral há um denominador comum: a falta de credibilidade, por ser fraudulento desde o seu início.
Presença de militares em Cabinda
O advogado e ativista de Cabinda Arão Bula Tempo considera, por seu lado, que a população do enclave não está preparada para votar, descrevendo um ambiente de intimidação neste território a norte de Angola.
"A repressão continua e não há a liberdade de as pessoas poderem votar. Há muita presença de militares e outras corporações na cidade, até no interior", afirma. "Visivelmente, o povo está coagido e apertado, de tal maneira que não podemos contar com a participação massiva da população de Cabinda."
Ainda em relação às eleições de 23 de agosto, Bula Tempo antevê que alguns eleitores votarão em partidos da oposição como a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) ou a Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE) para que o partido no poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), possa "perder o mercado" em Cabinda.
"O povo entende que, se o MPLA perder o monopólio no território de Cabinda, poderá reduzir um pouco aquela pressão e poderá haver a boa vontade de negociar um estatuto condigno para o enclave", diz.
O ativista, acusado de rebelião e sedição e entretanto ilibado há um ano, quer acreditar que o futuro político do enclave terá novos desenvolvimentos, dependendo dos resultados eleitorais. Se o MPLA vencer, admite, o futuro do território poderá conhecer contornos políticos mais difíceis, aumentando o sofrimento dos cabindas.
Ativistas prevêem abstenção alta nas eleições angolanas
Manipulação?
Estes dois ativistas participaram, esta sexta-feira (18.08), numa conferência na capital portuguesa, convocada por elementos da sociedade civil angolana, com o objetivo de "Pensar Angola em Tempo de Eleições (passado, presente e futuro), na Dimensão Social, Política, Económica e Cultural". O debate foi lançado pela Plataforma de Reflexão encabeçada pelo sociólogo angolano, Manuel dos Santos.
Numa chamada de vídeo, via Skype, o académico angolano Domingos da Cruz debruçou-se sobre os efeitos perversos desejados com as supostas sondagens encomendas pelo partido no poder.
"A grande verdade é que - e existem muitas publicações sobre este assunto - o regime angolano, há muito tempo, disponibiliza rios de dinheiro para influenciar a agenda de órgãos de comunicação de grande influência no exterior. E diante de um regime que está a apagar, é normal que informações como uma sondagem que coloca o MPLA numa posição favorável fosse divulgada", disse o jovem, que também fez parte dos "15+2", detidos e condenados pela Justiça angolana.
Essa seria igualmente uma forma de influenciar o sentido do voto ou dos resultados, referiu Domingos da Cruz, que receia os indícios de manipulação dos resultados das eleições gerais de quarta-feira a favor do partido no poder. O ativista sublinhou que todos os regimes autoritários têm uma grande experiência e apetência pela manipulação eleitoral, e Angola não seria excepção.
José Eduardo dos Santos deixará saudades?
Dos Santos anunciou no início de 2017 que deixará o poder ao fim de 38 anos. Será que os angolanos terão saudades? Os comícios e as manifestações no país e fora de Angola nos últimos anos não deixam chegar a um consenso.
Foto: Getty Images/AFP/A. Pizzoli
Setembro de 2008 - Luanda
Este comício do MPLA em Kikolo, Luanda, foi assistido por milhares de pessoas durante a campanha para as eleições de 2008, as primeiras em 16 anos. O MPLA obteve 82% dos votos, tendo conquistado 191 dos 220 lugares da Assembleia Nacional de Angola.
Foto: picture-alliance/ dpa
Março de 2011 - Angola
No entanto, e apesar da maioria conseguida nas eleições de 2008, nos anos seguintes realizaram-se várias manifestações, em Angola, e não só, contra o Governo. A 7 de março de 2011, teve início no país uma onda de manifestações inspiradas na Primavera Árabe. Na organização destas manifestações estava o Movimento Revolucionário de Angola, também conhecido como "revús".
Foto: picture-alliance/dpa
Março de 2011 - Londres
No mesmo dia (7 de março), cerca de 30 pessoas sairam às ruas em Londres para protestar contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Os manifestantes exigiram a saída do pai de Isabel dos Santos gritando "Zédu fora!" e "Zé tira o pé".
Foto: Huck
Fevereiro de 2012 - Benguela
Em 2012, ano de eleições no país, o número de manifestações organizadas pelos não apoiantes de José Eduardo dos Santos continuou a crescer. O protesto retratado na fotografia teve lugar em Benguela, a 13 de fevereiro. "O povo não te quer", gritaram os manifestantes.
Foto: DW
Junho de 2012 - Luanda
A 23 de maio de 2012, o presidente angolano anuncia que as eleições legislativas se irão realizar a 31 de agosto. Sensivelmente um mês depois, a 23 de junho, o Estádio 11 de Novembro, em Luanda, encheu-se de militantes e simpatizantes do MPLA para aplaudir José Eduardo dos Santos e apoiar a sua candidatura.
Foto: Quintiliano dos Santos
Julho de 2012 - Viana
Cartazes a favor de dos Santos num comício da campanha para as eleições de 2012 em Viana, arredores de Luanda. A 31 de agosto, o MPLA vence as eleições com mais de dois terços dos votos. Depois de uma mudança da Constituição, o Presidente já não é eleito diretamente, mas sim indiretamente nas legislativas. Como cabeça de lista do MPLA, José Eduardo dos Santos é eleito Presidente de Angola.
Foto: Quintiliano dos Santos
Maio de 2015 - Benguela
Nos anos seguintes continuaram os protestos contra o Presidente. Foram-se somando episódios de violência e detenções. 2015 torna-se-ia um ano complicado no que às críticas a JES diz respeito. No aniversário do "27 de maio", em Benguela, por exemplo, 13 ativistas foram detidos minutos depois de começarem um protesto. No mesmo dia, também houve detenções em Luanda.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Junho de 2015 - Luanda
Em junho de 2015, tem início um dos episódios da governação de José Eduardo dos Santos mais criticados. 15 ativistas angolanos, entre eles Luaty Beirão, foram detidos sob acusação de planeaream um golpe de Estado. Para além de terem despoletado muitas manifestações, estas detenções tiveram mediatismo um pouco por todo o mundo devido às greves de fome levadas a cabo por muitos dos detidos.
Foto: DW/P. Borralho
Julho de 2015 - Lisboa
No dia 17 de julho realizou-se, em Lisboa, a primeira manifestação em Portugal a favor da libertação destes jovens. "Basta de repressão em Angola", ouviu-se na capital portuguesa. Dias mais tarde, em Luanda, a polícia reagiu violentamente contra algumas dezenas de manifestantes que protestaram no Largo da Independência.
Foto: DW/J. Carlos
Agosto de 2015 - Luanda
A 2 de agosto e sob o lema "liberdade já", cerca de 200 pessoas, entre as quais vários artistas angolanos - poetas, políticos, atores e artistas plásticos - juntaram-se, em Luanda, para pedir a libertação dos 15 ativistas angolanos detidos. Sanguinário, Flagelo Urbano, Toti, Jack Nkanga, Sábio Louco, Zwela Hungo, Mona Diakidi, Dinameni, Fat Soldie e MCK foram alguns dos artistas presentes.
Foto: DW
Agosto de 2015 - Luanda
Dias mais tarde foi a vez das mães dos ativistas se fazerem ouvir. Nas ruas de Luanda, pediram a libertação dos seus filhos, mesmo depois da manifestação ter sido proibida pelo Governo.
Foto: DW/P. Ndomba
Agosto de 2015 - Lisboa
Nem no dia do seu aniversário (28 de agosto), José Eduardo dos Santos teve "descanso". Cidadãos descontentes, quer em Lisboa, quer em Angola, voltaram às ruas. Na capital portuguesa, voltou a pedir-se liberdade para os ativistas. Exigiu-se ainda liberdade de movimento, de pensamento, de expressão e de imprensa em Angola.
Foto: DW/J. Carlos
Novembro de 2015 - Luanda
No dia em que se celebraram os 40 anos da independência de Angola, proclamada a 11 de novembro de 1975, pelo então Presidente António Agostinho Neto, vários jovens voltaram a fazer ouvir-se. 12 manifestantes foram detidos.
Foto: DW/M. Luamba
Março de 2017 - Cazenga
No início de 2017, José Eduardo dos Santos anunciou a saída da Presidência. O cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais deste ano será o atual ministro de Defesa João Lourenço. O candidato foi recebido por centenas de apoiantes naquele que foi o seu primeiro ato de massas da pré-campanha, no município do Cazenga, em Luanda, a 4 de março.