Atores africanos em Portugal dizem estar entre a crise e a discriminação
14 de maio de 2013Chega ao fim mais um ensaio. Já falta pouco para a peça de teatro em Luanda. Nas últimas semanas, um grupo de atores africanos ou descendentes tem-se reunido de segunda a sexta-feira na Casa de Angola, em Lisboa, para ensaiar. Os atores, entre os quais Daniel Martinho, Ângelo Torres e Susana Sá, trabalham na peça “Faz Escuro nos Olhos”, sob a batuta do angolano Rogério de Carvalho. A peça vai estar em cena em Luanda no âmbito das celebrações dos 25 anos do Elinga Teatro e do 3º Festival Internacional de Teatro e Artes, que terá lugar entre 16 e 31 de maio.
A ida a Angola no próximo fim de semana é pretexto para trazer a público as barreiras que estes atores enfrentam, sobretudo os africanos ou descendentes que em Portugal procuram espaço para mostrar o seu talento em busca de oportunidades. Daniel Martinho, dos primeiros a desempenhar papéis na televisão e no teatro portugueses, não esconde as dificuldades acrescidas por que passam como atores negros.
"Nós tínhamos acabado de fazer [a adaptação para televisão do livro] 'Equador' e demos conta que muitos de nós, ou a maior parte dos atores negros, estavam desempregados. Acontece porém que, mesmo nesta condição, com trabalho feito, é difícil colocar os espetáculos em salas."
Em Portugal, as respostas que Daniel recebe também o desmotivam.
"Uma das vezes que estava no Teatro Nacional a fazer uma peça com um colega, que na altura fazia direção de atores num canal televisivo, perguntei-lhe se ele não podia arranjar lá um emprego para a malta. E ele disse-me: 'Estás a ver aquele papel naquela novela? Eu propus-te. Mas perguntaram-me se não havia outro ator para o fazer", exemplifica o ator.
Apenas são chamados quando há um papel para atores negros, lamenta Daniel, que critica este preconceito ainda existente na sociedade portuguesa. Há colegas pouco conhecidos à procura de uma oportunidade. Outros desistiram.
País miscigenado
Susana Sá, atriz portuguesa que integra a caravana a Luanda, só se apercebeu desta realidade e começou a refletir sobre ela depois de trabalhar com o grupo.
"É lamentável, porque Lisboa é uma cidade mestiça. Mas, mais que isso, o mundo é mestiço. A multiculturalidade é um fenómeno ao qual não se pode fugir", diz Susana Sá.
Em 2009, os atores e encenadores africanos decidiram criar a GRIOT, uma associação multicultural de criação de conteúdos, com o objetivo de ajudar a conquistar um lugar neste país que consideram ser também ele miscigenado.
Cortes na Cultura
Foi na GRIOT que o angolano Matamba Joaquim se sentiu apoiado: "A associação serve um pouco como suporte. Procuramos não ser efémeros."
Criaram ideias e projetos e continuam a bater às portas do mecenato. Mas, em tempo de crise e de cortes na Cultura, que também afetam colegas portugueses, falta o suporte financeiro. Para o são-tomense Ângelo Torres, o problema está na mentalidade "estrutural".
"Portugal não apoia os seus artistas. E muito menos apoiará quando olha para eles e diz 'estes não são nossos artistas', como já ouvimos por portas e travessas. Direta ou indiretamente, fazem-nos sentir isso", conta.
Apesar do caminho ser difícil, estes atores não cruzam os braços. Além de “Faz Escuro nos Olhos”, têm em vista outras produções, uma delas para o próximo ano de um ator sul-africano. O grupo olha para todos os outros países de fala portuguesa como mercados alternativos potenciais.