Atropelamento em Maputo: Abrir inquérito "é obrigação"
28 de novembro de 2024Sem realizar um inquérito ao atropelamento brutal de uma jovem, na quarta-feira (26.11), por militares que se transportavam num carro blindado durante os protestos em Maputo, o Ministério da Defesa de Moçambique muito rapidamente justificou tratar-se de um acidente, num gesto considerado incomum.
A ativista social Fátima Mimbire defende que é obrigação das autoridades realizarem uma investigação independente visando a responsabilização dos culpados, para além de exigir um pedido de desculpas. Mimbire fala numa "sucessão de erros" das autoridades neste caso que deixou a jovem manifestante nos cuidados intensivos, entretanto já fora de perigo, segundo as autoridades hospitalares.
A ativista exorta também o Ministério Público a abrir uma investigação com base nos diversos vídeos que reportam claramente o atropelamento intencional da manifestante. Em entrevista à DW, Fátima Mimbire começa, no entanto, por reconhecer a boa intenção da Defesa.
DW África: Não é estranho que o Ministério da Defesa tenha rapidamente anunciado a causa do atropelamento, sem que antes tenha feito um inquérito?
Fátima Mimbire (FM): Não há dúvidas que houve uma precipitação por parte do Ministério. Eu até entendo a boa-fé por parte do Ministério, no sentido de reagir rapidamente à situação, e eu acho que um pedido de desculpas e o anúncio de que uma investigação iria ser conduzida, mencionando a garantia de que a competente responsabilização iria ter lugar, seriam suficientes para acalmar os ânimos. Mas quando [falam em acidente, a verdade é que há imagens] que circularam nas redes sociais de vários ângulos em que está mais do que claro que não foi um acidente, foi um ato deliberado.
Portanto, houve uma precipitação, sim. Deveria haver uma investigação, até para apurar porque é que - contrariamente às outras viaturas das autoridades do Estado que passavam no mesmo lugar e tiveram todo o cuidado, diminuindo a velocidade - aquela em particular, que não corria risco algum de ser vandalizada, passou com toda a velocidade por cima das pessoas.
DW África: Mediante a pressão da sociedade, o Ministério da Defesa e as autoridades ainda vão a tempo de abrir um inquérito?
FM: Devem [fazer isso]. Não é uma opção, é uma obrigação. E se o Ministério da Defesa não o fizer, cabe ao Ministério Público abrir uma investigação e processar os culpados nesta situação. Neste caso, é o Estado que vai ter de ser processado por não proteger os cidadãos. Até porque há outros elementos de gravidade que podem ser chamados aqui. Porque é que nós precisamos de ter blindados, de ter militares?
E quero chamar a atenção para este facto: Ontem vimos [nas ruas de Maputo] as forças da QRF, que são aquelas forças de reação rápida recentemente formadas para responder à situação de Cabo Delgado. É uma força especializada para lidar com terroristas. Talvez seja isso que explica a razão pela qual o blindado foi com tanta força contra pessoas que estavam completamente desarmadas. Eventualmente, [os militares], que foram preparados para lidar com um ambiente tenso, com pessoas armadas, com pessoas que estão dispostas a morrer como é o caso dos terroristas, transferiram aquela realidade de Cabo Delgado para a qual foram treinados para a cidade de Maputo, onde estavam meros cidadãos, que só estão a reivindicar, sem armas, a justiça eleitoral e a salvaguarda da democracia.
Onde está a Polícia Militar? As Forças Armadas têm Polícia Militar. Portanto, é uma sucessão de erros que está a acontecer por parte do Estado na resposta à situação e revela uma falta de preparação por parte do Estado. Infelizmente, tudo isso é apadrinhado por instituições que não funcionam, que não conhecem o seu papel e não estão a ser capazes de chamar os dirigentes dessas instituições à razão para fazerem as coisas como deve ser.
DW África: É quase consensual para boa parte dos moçambicanos de que o Ministério da Defesa mentiu sobre este caso, pois os vídeos mostram justamente o carro blindado militar a acelerar contra cidadãos. O que teria levado a uma instituição séria como essa a mentir de forma descarada?
FM: Acho que era a necessidade de dizer alguma coisa para a sociedade, para ficar a ideia de que estão preocupados com o que aconteceu. [Mas] se estivessem realmente preocupados com o que aconteceu, não teriam mentido sobre as causas.
No último parágrafo [da reação do Ministério da Defesa], quase se acusa a jovem de se ter posto numa situação inadequada. Mais do que isso, sugere-se que prestaram assistência à jovem. Não. Quem prestou assistência à jovem foram os populares, embora seja verdade que voltou ali depois uma viatura da polícia ou das Forças Armadas.