O MPLA, partido no poder em Angola, acusou recentemente a TV Zimbo de "instigação à desobediência". O Serviço de Investigação Criminal (SIC) também vai processar o jornal "Crime" por difamação. E ainda há mais casos.
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Em abril deste ano, o diretor do jornal "Liberdade" foi ouvido pela Procuradoria-Geral da República (PGR), num processo que envolve Bornito de Sousa, atual vice-presidente da República. Em causa está uma entrevista publicada pelo semanário que acusava o então ministro da Administração do Território (MAT) do desvio de milhões de kwanzas destinados às autoridades tradicionais.
"As vozes contrárias ao Governo sempre foram intimidadas", lembra o diretor do jornal, Escrivão José. "Quando fazemos matérias jornalísticas e de investigação recebemos algumas ameaças, dado o trabalho que temos vindo a fazer, e agora recebemos este processo", afirma.
Ainda assim, o jornalista diz que o semanário vai continuar a desempenhar o seu papel: informar. "O jornal vai continuar a fazer o seu trabalho. Por isso é que constituímos esse projecto, para dar voz aos que não têm voz. E estamos prontos para enfrentar a justiça do nosso país, mas garantimos aos nossos leitores que o jornal Liberdade sempre informou com verdade e vamos continuar nesta senda", assegura.
Zimbo acusada de "instigar desobediência"
Este não é o único caso de alegada pressão contra a imprensa angolana. Na semana passada, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) acusou a televisão privada Zimbo de "instigação à desobediência". Em causa está o conteúdo do programa "Fala Angola", que retrata os problemas sociais do país.
Escrivão José: "Vozes contrárias sempre foram intimidadas"
O segundo caso envolve o Serviço de Investigação Criminal (SIC), que vai processar criminalmente o jornal "Crime" por ter publicado na sua última edição que a execução de um alegado delinquente, a 1 de junho, tenha sido uma espécie de "queima de arquivo". Ou seja, teria informações sobre um suposto desvio de milhões de kwanzas por parte do SIC.
Em declarações à DW África, o jornalista Jorge Neto diz não ter dúvidas sobre a pressão exercida sobre os profissionais da imprensa em Angola.
"O caso do jornalista Mariano Brás, por exemplo, foi um vídeo que se tornou viral nas redes sociais e o jornalista, no exercício da sua profissão fez uma investigação, apurou algumas causas e trouxe o assunto à baila numa perspectiva que as autoridades nem sequer tinha noção", refere.
No Tribunal Provincial de Luanda decorre um processo crime movido pelo antigo procurador-geral da República João Maria de Sousa, que acusa os jornalistas Mariano Brás e Rafael Marques de injúria e ultraje a órgão de soberania. A sentença será conhecida a 6 de julho.
"Acaba de me matar": jovens angolanos protestam contra o Governo nas redes sociais
Devido à falta de estrutura para lidar com os efeitos da chuva, pelo menos dez pessoas morreram em Luanda. Esta situação levou os cidadãos a iniciarem no Facebook uma onda de protestos denominada "Acaba de me matar".
Foto: Guenilson Figueiredo
Perdas após mau tempo
A morte de uma criança de quatro anos desencadeou a onda de protestos nas redes sociais, com os cidadãos a partilhar imagens fingindo-se de mortos e com a mensagem "Acabam de nos matar", uma forma de repudiar a não resolução dos problemas da população por parte do Governo. Ariano James Scherzie, 19 anos, participou na campanha que rapidamente se tornou viral.
Foto: Ariano Scherzie
Sonhos estão a morrer
Botijas de gás, livros, computadores e blocos de cimento estão entre os objetos usados pelos jovens para protestar contra o que dizem ser más políticas públicas. Indira Alves, 28 anos, lamenta a situação do seu país. "Estou a morrer. Desde as condições de vida até aos sonhos, não é possível o que temos vivido nesta Angola", conta a jovem que abandonou os estudos para trabalhar.
Foto: Indira Alves
Chamar atenção das autoridades
Anderson Eduardo, 24 anos, quis "atingir pacificamente a atenção de alguém de direito a fim de acudir-nos". Decidiu participar no protesto devido ao descontentamento com a governação em Angola. "Eles nos pedem para apertar o cinto, se contentar com o bem pouco, e ao mesmo tempo tudo sobe de preço, alimentos, vestuários, electrodomésticos, e o salário não sobe”, conta o engenheiro informático.
Foto: Anderson Eduardo
Em nome dos colegas e pacientes
Cólua Tremura, 24 anos, conta o porquê de ter participado no protesto: "A minha motivação foram os meus colegas que cancelaram a faculdade por causa da crise, os colegas que morreram antes de realizarem o sonho de serem médicos, os pacientes que apenas vão ao hospital quando estão graves. Acredito que [o protesto] não alcançou os resultados previstos, que era chamar a atenção do Governo".
Foto: Cólua Tremura
Sem reações
Lucas Nascimento, 20 anos, viu no mau tempo e na falta de estrutura razões para aderir ao protesto. O jovem quis dar apoio a uma jovem da região que perdeu a casa num desabamento provocado pelo mau tempo. "Acaba de me matar quer dizer que nós já estamos mal e o Governo está acabando de nos matar", explica. "Até aqui, não notamos nenhuma reação do Governo, talvez possa ser ignorância ou desleixo".
Foto: Lucas Nascimento
Falta justiça
Guenilson Figueiredo, 20 anos, entrou na onda de protestos e teme as consequências que ela pode trazer aos cidadãos que participaram. "Não posso falar muito sobre este protesto, porque nós vivemos num país onde a justiça só funciona contra os pobres".