Aumentam apelos para que Alemanha reconheça passado colonial
Daniel Pelz
29 de abril de 2021
Genocídio, arte saqueada e caveiras roubadas: o debate sobre o passado colonial da Alemanha em África sobe de tom. Há quatro anos, o Governo alemão prometeu reexaminar a questão. Mas terá sido feito algum progresso?
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Quando está na Namíbia, Naita Hishoono pode ver todos os dias as consequências do colonialismo alemão. A era colonial alemã ainda é visível em toda a parte na capital da Namíbia: nos nomes das ruas, nas lojas alemãs, na igreja construída durante a era colonial.
Ali, também há algo que não se vê, mas que é muito presente: o genocídio cometido pelos alemães e que resultou em dezenas de milhares de Herero e Nama mortos na era colonial. Na Namíbia, todos conhecem este capítulo trágico da história.
"Os namibianos estão muito conscientes do colonialismo porque o vemos na arquitetura, no impacto económico, convivemos com isso todos os dias. Mas na Alemanha, esqueceriam completamente que esse país tinha colónias. Assim, a relação entre a Namíbia e a Alemanha é como o irmão mais velho e o irmão mais novo e o irmão masis velho esqueceu-se do que aconteceu", afirmou Naita Hishoono, diretora da ONG Instituto Nacional para a Democracia, numa conferência organizada pelo Instituto de Estudos Africanos GIGA, com sede em Hamburg.
Alemanha consciente das "ilusões"
O Governo alemão parece estar ciente deste facto. Michelle Müntefering é ministra-adjunta de Estado, no Ministério dos Negócios Estrangeiros da Alemanha. "Durante muito tempo, nós, na Alemanha, estivemos sob a ilusão de que tínhamos saído ligeiramente do colonialismo e de que o período colonial alemão tinha sido demasiado curto para causar realmente qualquer grande dano", afirmou, em novembro passado, no Bundestag, o Parlamento alemão.
O Império Alemão tornou-se uma potência colonial relativamente tarde: a Alemanha ocupou os seus primeiros territórios em África na década de 1880, mas teve de os ceder depois de perder a I Guerra Mundial.
Foram necessários mais de 100 anos para que um governo alemão reconhecesse oficialmente as ações coloniais do país em África. Em 2018, a coligação governamental concordou em chegar a um acordo sobre o passado colonial.
Afinal, os vestígios ainda são muito visíveis, mesmo que quase ninguém os note na vida quotidiana: as ruas e os monumentos ainda conservam os nomes de criminosos coloniais alemães. Além disso, antigas colónias estão a reivindicar objetos de arte que estão em museus alemães e que foram saqueados durante a era colonial.
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Poucos progressos
Uma série de medidas foram já implementadas pelo Governo alemão. Os museus do país criaram orientações sobre como lidar com os bens coloniais saqueados. Os políticos estão também a tornar-se mais ativos. Por exemplo, a ministra da Cultura da Alemanha, Monika Grütters, convidou as partes interessadas para uma reunião para discutir o destino dos Bronzes do Benim. Os famosos artefactos são considerados espólio colonial e a Nigéria exige que sejam devolvidos ao país de origem.
Há cidades na Alemanha que também começaram a renomear ruas com nomes de antigos colonialistas. Na semana passada, foi a vez da Rua Wissmann, na capital, Berlim. Herrmann von Wissmann reprimiu uma revolta contra o domínio colonial alemão na África Oriental.
Ainda assim, a namibiana Naita Hishoono não está satisfeita. "Não se está a fazer o suficiente porque não há interesse, não há informação. Eu diria que o colonialismo é um nicho de mercado. Apenas algumas pessoas estão interessadas na história colonial alemã, ou porque a estudam, ou porque têm parentes aqui ou porque já ouviram falar dela. Mas o tema não está realmente na linha da frente da política alemã", critica.
Desde 2015, Alemanha e Namíbia estão a negociar um pedido de desculpas alemão pelo genocídio dos Herero e Nama, até agora sem resultados. E também não existe uma resolução no Parlamento sobre esta matéria.
Racista e cruel, a história colonial da Alemanha
A exposição no Museu Histórico Alemão, em Berlim, é a primeira grande exibição que explora os capítulos do domínio colonial da Alemanha. Uma história da ambição falhada de uma superpotência.
Foto: public domain
A cara do colonialismo
Com o chanceler Otto von Bismarck, o Império Colonial Alemão estabeleceu-se nos territórios da atual Namíbia, Camarões, Togo e em algumas partes da Tanzânia e do Quénia. O imperador Guilherme II, coroado em 1888, tentou expandir os domínios coloniais. O imperador alemão queria um "lugar ao sol", como disse mais tarde, em 1897, o chanceler Bernhard von Bülow.
Foto: picture-alliance/AP Photo/DW
Colónias alemãs
Foram conquistados territórios no Pacífico (Nova Guiné, Arquipélago de Bismarck, Ilhas Marshall e Salomão e Samoa) e na China (Tsingtao). A Conferência de Bruxelas em 1890 determinou que o imperador germânico iria obter os reinos do Ruanda e Burundi, ligando-os à África Oriental Alemã. No final do século XIX, as conquistas coloniais alemãs estavam praticamente completas.
Foto: picture-alliance / akg-images
Um sistema de desigualdades
A população branca nas colónias era uma minoria, raramente representava mais de 1% da população. Uma minoria privilegiada, contudo. Em 1914, cerca de 25 mil alemães viviam nas colónias, menos de metade no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia). Os 13 milhões de nativos das colónias alemãs eram vistos como subordinados, sem recurso ao sistema legal.
Foto: picture-alliance/dpa/arkivi
O primeiro genocídio do século XX
O genocídio contra os povos Herero e Nama no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia) é o mais grave crime na história colonial da Alemanha. Durante a Batalha de Waterberg, em 1904, a maioria dos rebeldes Herero fugiram para o deserto, onde as tropas alemãs bloquearam sistematicamente o acesso à água. Estima-se que morreram mais de 60 mil Hereros.
Foto: public domain
A culpa alemã
Apenas cerca de 16 mil Hereros sobreviveram ao extermínio. Foram depois detidos em campos de concentração, onde muitos acabaram por falecer. O número exato de vítimas continua por apurar e é ponto de controvérsia. Quanto tempo terão sobrevivido os Hereros depois de fugirem para o deserto? Eles perderam todos os seus bens, os seus meios de subsistência e as perspetivas de futuro.
Foto: public domain
Reformas em 1907
Depois das guerras coloniais, a administração das colónias alemãs foi reestruturada com o objetivo de melhorar as condições de vida. Bernhard Dernburg, um empreendedor de sucesso (na imagem, transportado na África Oriental Alemã), foi nomeado secretário de Estado dos Assuntos Coloniais em 1907 e introduziu reformas nas políticas coloniais da Alemanha.
Foto: picture alliance/akg-images
A ciência e as colónias
Com as reformas de Dernburg foram criadas instituições científicas e técnicas para lidarem com assuntos coloniais. Assim estabeleceram-se faculdades nas atuais universidades de Hamburgo e Kassel. Em 1906, Robert Koch dirigiu uma longa expedição à África Oriental para investigar a transmissão da doença do sono. A imagem demonstra amostras coletadas nessa expedição.
Foto: Deutsches Historisches Museum/T. Bruns
Uma das maiores guerras coloniais
De 1905 a 1907, uma ampla aliança de grupos étnicos rebelaram-se contra o poder na África Oriental Alemã. Cerca de 100 mil locais morreram na Revolta de Maji-Maji. Apesar de raramente discutido, este continua a ser um importante capítulo da história da Tanzânia.
Foto: Downluke
A perda das colónias
Derrotada na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha assinou o tratado de paz de Versalhes, em 1919, que previa que o país renunciava a soberania sobre as colónias. Cartazes como este demonstram o medo dos alemães de, como consequência, perderem poder económico e viverem na pobreza e na miséria no seu país.
Foto: DW/J. Hitz
Ambições coloniais do "Terceiro Reich"
As aspirações coloniais voltaram a surgir com o nazismo e não apenas em relação à colonização da Europa Central e Oriental, através do genocídio e limpeza étnica. O regime nazi pretendia também recuperar as colónias perdidas em África, como demonstra este mapa escolar de 1938. Os territórios eram vistos como fonte de recursos para a Alemanha.
Foto: DW/J. Hitz
Processo espinhoso
As negociações para uma declaração conjunta do genocídio dos povos Herero e Nama entraram numa fase difícil. Enquanto a Alemanha trava quanto a compensações financeiras, há também deficiências nas estruturas políticas internas da Namíbia. Representantes Herero apresentaram, recentemente, uma queixa à ONU contra a sua exclusão nas negociações em curso.