Motivação seria frustração pessoal dos autores dos crimes. Polícia acusa médicos tradicionais de apontarem parentes como sendo feiticeiros responsáveis pelo insucesso dos jovens. AMETRAMO diz que já proibiu a prática.
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Sem avançar dados das pessoas que foram assassinadas pelos seus filhos, alegando infortúnio e falta de sorte para ingressarem no mercado de trabalho na província de Inhambane no sul de Moçambique, o porta-voz do Comando Provincial da Polícia, Juma Aly Dauto, disse à DW África que o crime está a aumentar em números assustadores e que estão envolvidos indivíduos escolarizados.
Juma Aly Dauto acusou a Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique (AMETRAMO) de atuar como protagonista desses atos no seio da sociedade.
"Os filhos que tiram a vida, principalmente às suas próprias mães alegando [serem elas responsáveis pelo] insucesso na sua vida," afirmou, acrescentando que se calhar, a AMETRAMO pode explicar-nos melhor".
"Têm sido casos recorrentes que estamos a registar em quase todas as faixas etárias e [envolvendo] indivíduos com quase todos os níveis académicos", revelou.
Em resposta, Bernardo Carlos, Presidente da AMETRAMO em Inhambane, lamentou a situação e disse que os curandeiros estão interditados de divulgar os nomes dos feiticeiros, por forma a evitar conflitos no seio das famílias.
"O curandeiro, se faz o seu trabalho com o paciente, não pode dizer diretamente à pessoa: 'Quem está a te enfeitiçar é fulano", explicou.
"A pessoa vai ao curandeiro só para saber da sua saúde. É só procurar a saída do problema", avaliou.
Falta de consciência
Cecílio Bila, diretor provincial da Justiça disse à imprensa, na segunda-feira (05.11), que o crime na região está a aumentar e, por isso, os jovens deveriam procurar outras formas de encarar os problemas colocados pela sua integração na sociedade e encontrar outras formas para dar resposta aos desafios do quotidiano.
Assassinatos parentes OL - MP3-Stereo
"Porque se pensarmos que o nosso pai ou a nossa avó nos enfeitiça, e essa é razão do nosso infortúnio, teremos de maneira recorrente este tipo de crimes. Temos que olhar para nós como indivíduos capazes de produzir, capazes de colaborar para o bem da sociedade e encontrar respostas adequadas aos desafios que nos são colocados", ponderou.
José Chissuco, delegado provincial do Instituto de Patrocínio a Assistência Jurídica (IPAJ), revelou à DW África que a sua instituição tem recebido várias queixas – como, por exemplo, de homicídios que acabam por dividir famílias.
"Alguns casos aparecem no IPAJ e a nossa missão é proteger a família-vítima destes casos passionais que têm a ver também com problemas culturais", avaliou.
Para tentar ultrapassar este problema de assassinatos dos parentes pelos seus progenitores, o porta-voz do Comando Provincial da Polícia em Inhambane, Juma Aly Dauto, garante que existe um trabalho permanente de consciencialização junto das comunidades.
"Há um trabalho que está a ser feito junto das comunidades, através das ligações entre a policia e a comunidade no sentido de desencorajar esses atos. Falamos com os líderes comunitários e já tivemos reuniões também com os líderes religiosos no sentido de colocarem a mão na consciência", afirmou.
Feitiço e preconceito: albinos em Moçambique
Em vários países africanos, os albinos sofrem preconceito, são perseguidos por curandeiros, rejeitados pelas famílias e têm dificuldade em encontrar trabalho. Há no entanto ativistas que lutam contra a discriminação.
Foto: Carlos Litulo
Sem preconceitos
Por causa de um distúrbio genético, a pele, os olhos e os cabelos de pessoas com albinismo têm falta de melanina, substância responsável pela pigmentação e pela proteção de raios solares ultravioletas. Na foto, Hilário Jorge Agostinho, o único skatista albino de Moçambique. Agostinho incentiva a integração da população albina para combater os preconceitos e a exclusão social dos albinos no país.
Foto: Carlos Litulo
Pele branca, magia negra
Hilário Jorge Agostinho nas proximidades da Rua da Sé, em Maputo. Em vários países africanos, albinos são perseguidos por curandeiros para realizar rituais com eles. Existem muitas crenças ligadas ao albinismo: por exemplo, a de que manter relações sexuais com albinos cura a SIDA, a de que tomar "poção de albino" traz riqueza, ou a de que o toque de mão de um albino traz má sorte.
Foto: Carlos Litulo
O preço da pele
Na Tanzânia, considerado o país com o maior número de albinos do continente africano, albinos são mortos e desmembrados devido a uma crença de que poções feitas com partes dos corpos dos albinos trazem sorte, fortuna e prosperidade. As partes dos corpos de albinos chegam a valer milhares de dólares. Na foto, o skatista albino Hilário Agostinho faz manobra diante da Catedral de Maputo.
Foto: Carlos Litulo
Luta solidária
A luta dos albinos por reconhecimento e inclusão não é solitária, embora na maior parte das vezes não encontre ouvidos atentos. Em 2008, as Nações Unidas declararam oficialmente os albinos como "pessoas com deficiência", depois de assassinatos massivos de pessoas com albinismo na Tanzânia, vizinha de Moçambique, no Burundi e em outros países do leste africano.
Foto: Carlos Litulo
Estigma
Em Moçambique, entre outros países, crianças ou até mesmo bebés chegariam a ser usados em rituais de magia, especialmente no norte do país, na fronteira com a Tanzânia. Os albinos sofrem preconceito em vários países africanos, têm dificuldade em encontrar trabalho e muitas vezes são rejeitados pelas famílias. Na foto, o músico albino Ali Faque ensaia em seu estúdio em Maputo, em janeiro de 2010.
Foto: Carlos Litulo
Proteção da pele e dos olhos
O músico Ali Faque tem sido o embaixador na luta contra a discriminação da população que sofre de albinismo em Moçambique. Na foto, Ali Faque lê partitura em seu estúdio. Por causa da falta de proteção da pele contra os raios solares, os albinos são mais vulneráveis a problemas nos olhos e ao cancro. Precisam de roupa protetora, óculos escuros e acesso aos raros cremes de proteção solar.
Foto: Carlos Litulo
Sem direitos
Artigo do jornal sul-africano "Mail & Guardian", publicado em setembro de 2012, diz que, apesar de o país ser signatário da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, não haveria reconhecimento dos direitos de albinos neste país da Africa Austral. Em Moçambique, o músico Ali Faque também se empenha pelos direitos dos albinos.
Foto: Carlos Litulo
Mais albinos em África
O albinismo é uma condição que afeta etnias no mundo todo. Mundialmente há um albino em aproximadamente cada 20 mil pessoas. No continente africano, o número dispara para um em cada 4 mil, por ser uma condição hereditária e por mais albinos se relacionarem entre si.
Foto: Carlos Litulo
Vulneráveis
A ONU declarou os albinos "pessoas com deficiência", porque são vulneráveis ao cancro por causa da falta de proteção da pele contra os raios solares. Na Tanzânia, mais de 80 albinos terão morrido em rituais nos últimos anos, várias das pessoas com albinismo terão sido estupradas. O Governo da Tanzânia reconhece os albinos como "minoria ameaçada". Fotos: Carlos Litulo.