Em Portugal, a crise económica provocada pela pandemia do coronavírus leva cada vez mais pessoas a pedir ajuda alimentar. A DW foi verificar a situação em Setúbal, onde as respostas camarárias são insuficientes.
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Quarta-feira à tarde, entre as 15h00 e as 17h30, cinco voluntárias orientadas pelo padre Constantino Alves fazem atendimento social na Igreja da Nossa Senhora da Conceição, em Setúbal.
Liana Ribeiro, angolana mãe de dois filhos, veio buscar alimentos que são distribuídos todos os meses. Conta que teve de pedir ajuda à paróquia por necessidade, porque não tem meios de subsistência suficientes desde que veio para tratamento em Portugal há cerca de dois anos.
"Sim, estou desempregada. Eu vim por questão de saúde. Desde que vim nunca trabalhei", esclarece a angolana que conta que com o surto da pandemia a sua situação se agravou muito. "Não só a Santa Casa [paroquiana], pessoas de família também me têm ajudado muito", acrescenta.
Ao longo da tarde foram chegando mais pessoas, não só portugueses. É o caso de Kizola Ndonga Soki, uma mãe da República Democrática do Congo (RDC) a viver há 24 anos em Setúbal, que agora depende do apoio de instituições de solidariedade social. Confirma que perdeu o emprego de jardinagem com o confinamento imposto, em março passado, pelo surto da pandemia de Covid-19.
"Sou viúva. A minha situação é difícil porque tenho duas meninas na universidade. Tenho de pagar a propina, tenho de pagar tudo. Agora vou ao Centro de Emprego, chamaram-me para ir fazer formação", conta.
Outros cidadãos africanos, entre os beneficiários abordados pela nossa reportagem, não quiseram falar por vergonha, negando expor-se publicamente.
Mais pedidos de ajuda
Há cada vez mais pessoas a pedir ajuda, sobretudo para comer, tal constatou a DW África no local. Além de alimentos secos, a paróquia também distribui, diariamente no início da noite, refeições quentes para cerca de 300 pessoas. Todos os meses, a instituição apoia, de diversas formas, cerca de 750 pessoas.
Do conjunto, há famílias que receberam cartões pré-carregados para compra de bens alimentares nos supermercados. A instituição criou há cinco anos uma clínica dentária, que, segundo Constantino Alves, presta serviço a baixo custo aos carenciados, tendo já assistido mais duas mil pessoas dos bairros pobres, sem apoio visível, nem da Câmara Municipal nem das juntas de freguesia.
Filme retrata desigualdades na sociedade portuguesa
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O padre Constantino confirma que na região de Setúbal o índice de pobreza nos bairros sociais da periferia da cidade é muito elevado, afetando centenas de famílias, entre as quais oriundas de África e descendentes de africanos, que com o agravar da pandemia ficaram no desemprego.
"Ou por desemprego ou trabalho precário, ou por razões de doença ou porque não têm formação profissional, ou porque vieram doutros países e ainda não conseguiram a sua inserção e inclusão, vivem de facto numa situação de exclusão social em que são privados de bens essenciais para viver, bens alimentares, ou que não têm dinheiro para pagar rendas de casa, água e luz", relata o pároco.
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Faltam apoios do Estado
Um dos bairros, também afetado pela pandemia, onde a pobreza faz parte do dia a dia dos seus habitantes, na sua maioria africanos, está na Quinta da Parvoíce, que viveu semanas sem água potável nas torneiras.
"Estivemos aqui, sem exagero, quase um mês de sofrimento sem água. De repente, não houve aviso de corte de água. As Águas do Sado não comunicaram nada. Não houve qualquer diálogo com a população aqui do bairro", queixa-se Jorge Pimenta.
"Entretanto, disseram que iriam resolver e acabaram por não resolver [o problema]. O que aconteceu foi que de repente a água apareceu", conta o habitante do bairro.
No meio deste ambiente, Jorge Pimenta, representante da Comissão de Moradores do bairro, ainda confrontado com um processo de demolição, reclama falta de apoio das instituições camarárias.
"Primeiro foi a demolição, agora é a situação da água e mesmo assim nem a Câmara Municipal nem a Junta de Freguesia vêm cá. Não temos qualquer tipo de apoio. Tem aqui pessoas que estão a passar fome, não têm documentos, não estão a trabalhar", conta.
No seu plano de atividades para 2020, a Câmara Municipal de Setúbal, através da Divisão de Direitos Sociais, diz valorizar o estabelecimento de redes de cooperação com o movimento associativo e as instituições de solidariedade social, entre outras entidades, com vista a "encontrar as respostas mais adequadas aos problemas e carências que afetam os diferentes grupos sociais." Está expresso no documento um plano de integração de imigrantes, que tem em conta o combate à discriminação.
Marginalização: Onde vivem os afrodescendentes em Lisboa
Em Lisboa, vivem dispersas várias comunidades, entre as quais a africana e de afrodescendentes. Ao longo dos anos, foram submissas a uma posição social que contribuiu para a sua marginalização.
Foto: DW/J. Carlos
O caso extremo da Jamaica
Jamaica é um exemplo de marginalidade no Vale de Chícharros, situado no Seixal, no distrito de Setúbal. "As condições são incríveis. Nem se acredita", lamenta a arquiteta italiana, Elena Taviani. O realojamento das famílias, de acordo com a autarquia local, ficará completo em dezembro, antecipando o calendário para a sua conclusão em 2022. Aqui vai nascer um parque urbano e uma zona comercial.
Foto: DW/J. Carlos
Mapeamento dos bairros
A arquiteta italiana Elena Taviani decidiu fazer o mapeamento dos bairros residenciais onde é assinalável a presença de africanos e afrodescendentes para avaliar o índice de marginalização no espaço urbano na Área Metropolitana de Lisboa. O estudo em curso pretende mostrar que tais comunidades foram "empurradas" pelas estruturas do poder a ocupar uma posição marginal em Lisboa.
Foto: DW/J. Carlos
"6 de maio" em fase de extinção
No bairro "6 de maio", na Damaia, também construído por imigrantes africanos, ainda restam estruturas num raio de dois quilómetros. A forma como foram realizadas as demolições e o realojamento das pessoas que ali moravam ainda estão a ser objeto de grande debate e conflito entre a população e a Câmara Municipal.
Foto: DW/J. Carlos
Cova da Moura e o estigma da criminalidade
A Cova da Moura, no concelho da Amadora, mantém o seu traçado arquitetónico peculiar, onde é muito forte a identidade cultural africana, em particular a cabo-verdiana. Um dos bairros informais outrora rotulado de "problemático" pela imprensa "é um dos sítios onde as pessoas ainda evitam ir pelo seu forte estigma de negatividade e criminalidade", refere Elena Taviana.
Foto: DW/J. Carlos
Sinais de degradação no Bairro Amarelo
No Monte da Caparica, em Almada, fica o Bairro Amarelo. O também conhecido Bairro do Pica Pau Amarelo acolheu grupos de pessoas oriundas dos PALOP que viviam em barracas espalhadas pelo município. O bairro está minimamente dotado de infraestruturas sociais, mas notam-se sinais de degradação dos edifícios e falta de higienização nalgumas das áreas circundantes e do interior.
Foto: DW/J. Carlos
Protestos por uma melhor habitação
Ricardina Cuthbert, do precário Bairro da Torre em Camarate (Sacavém), é uma das vozes que, desde 2012, tem reclamado melhores condições de habitação para cerca de 40 famílias que lá vivem. "Tem sido um processo muito lento", lamenta a dirigente da Associação Torre Amiga.
Foto: DW/J. Carlos
Trajetória espacial dos afrodescendentes
Elena Taviani quer aprofundar o estudo sobre esses bairros para a sua tese de doutoramento a apresentar, em 2021, no Gran Sasso Science Institute (Itália). Em junho, a arquiteta publicou uma análise relativa à trajetória espacial dos afrodescendentes na revista científica de Estudos Urbanos "Cidades, Comunidades e Territórios", editada pelo Instituto Universitário de Lisboa.
Foto: DW/J. Carlos
Mouraria em transição
A Mouraria, onde vive Taviani com o marido cabo-verdiano e a filha, está numa fase de profunda renovação por força da especulação imobiliária. No passado, tinha o estereótipo de um lugar central, mas degradado, com rendas muito baixas, o que atraiu muitos imigrantes, entre os quais africanos. De acordo com a sua pesquisa, cerca de 25% dos que moram em Mouraria são originários dos PALOP.
Foto: DW/J. Carlos
Uma das zonas de referência
Apesar da inflação dos preços provocada pela valorização urbana e pelo turismo, o bairro da Mouraria ainda tem alguma presença de africanos e afrodescendentes. Ainda antes dos asiáticos, introduziram aqui o comércio de produtos oriundos de África, acabando por ser hoje uma zona de referência na capital para negócios e para quem quer fazer compras ou procurar gastronomia dos países de origem.
Foto: DW/J. Carlos
Sem razões de queixa
Januário morava numa barraca em Algés. Veio para Portugal com 16 anos e fixou-se na Outurela quando tinha 39 anos de idade. Natural de Cabo Verde, ele está em Portugal há 45 anos, já com nacionalidade portuguesa. Gosta do bairro e do convívio entre as pessoas. Os transportes funcionam bem, tem autocarros à porta. Não tem razões de queixa.
Foto: DW/J. Carlos
O bom exemplo de Outurela
Outurela – onde existe uma forte comunidade cabo-verdiana – é considerado "um caso bem sucedido" no âmbito do programa de realojamento da Câmara Municipal de Oeiras. "Os moradores dizem que tiveram sorte de serem realojados ali", afirma Elena Taviani, que menciona também o Casal da Mira, na Amadora, como um sítio onde as coisas vão melhorando, apesar do forte estigma negativo.
Foto: DW/J. Carlos
Arte urbana na Quinta do Mocho
A Quinta do Mocho, em Loures, passou a designar-se Terraços da Ponte, depois de construído. É uma das "ilhas" com grandes problemas de marginalidade. O bairro, que sempre teve uma imagem negativa, foi transformado na maior galeria de arte urbana a céu aberto da Europa com mais de cem grafittis nas suas fachadas cegas. Essa é uma tentativa de criar um novo pólo de atração turística.