Cerca de um ano após a entrada em vigor da nova lei de combate à discriminação étnica, foram apresentadas mais de 200 queixas de racismo e xenofobia. Mas não houve condenações.
Publicidade
Jerciley Marques tem 24 anos de idade e vive há seis em Portugal. Veio de São Tomé e Príncipe para estudar e trabalhar. Está empregado na área da restauração e confessa à DW que já foi vítima de discriminação racial.
"Eu fui vítima de racismo, porque entrei num supermercado para comprar coisas e notei logo os seguranças atrás de mim [com desconfianças]. Por vezes, na rua tentas perguntar a algum branco alguma coisa e ele vira-te as costas e não te responde", conta.
Marques não tem dúvidas: "Sim, acho que em Portugal ainda há muito preconceito contra as pessoas de etnia negra." O jovem são-tomense afirma que, pelo facto de serem negras, as vítimas de racismo são tomadas por ladrões ou delinquentes. "É uma questão de mentalidade", refere, adiantando que, por várias razões, as pessoas afetadas preferem não apresentar queixa às entidades competentes.
Aumento de número de queixas
A nova lei de combate à discriminação, aprovada em julho de 2017, entrou em vigor a 1 de setembro do mesmo ano. De lá até junho deste ano, a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR) diz ter recebido 207 denúncias de racismo e xenofobia, considerado o maior número de sempre em Portugal. Mas, entre 2005 e 2017, houve apenas 12 condenações das 1057 queixas apresentadas, o correspondente a dois por cento.
Solicitado a prestar mais informação sobre estes números, o Alto Comissariado para as Migrações declinou o pedido da DW "por indisponibilidade de agenda". No entanto, para Mamadou Ba, da organização não-governamental SOS Racismo, o que os dados mostram é que, "ao contrário da narrativa oficial, Portugal não é uma ilha no resto da Europa, onde não haveria uma expressão forte de racismo".
"Este aumento de queixas quer dizer que o racismo existe, está vivo e ganha espaço na sociedade e nas instituições, incluindo no seio daquelas que são supostamente para garantir a segurança pública", afirma Ba. "Em segundo lugar, é preciso notar que o aumento de queixas se prende também com o aumento de visibilidade e intensidade do debate em torno do racismo na sociedade portuguesa", comenta.
"Esta efervescência do debate alimentou-se mutuamente também com os casos mediáticos sobre violência racial, física e simbólica contra negros e ciganos, como o caso da esquadra de Alfragide, as demolições de casas no bairro '6 de Maio' acompanhados de violência policial ou dos distúrbios na discoteca Urban Beach, por exemplo", exemplifica Ba.
Portugal: Aumentam queixas contra racismo
Deficiências da anterior Lei mantêm-se
Na opinião do dirigente da SOS Racismo, importa agora questionar se este aumento de queixas coincidiu com uma eficácia de procedimentos do novo quadro jurídico de combate ao racismo.
A SOS Racismo considera que a ineficácia, a ineficiência e a incapacidade de dissuasão verificadas na anterior lei se mantêm. É que, desde a entrada em vigor da nova lei, não se conhecem casos que tenham resultado numa condenação efetiva por crimes racistas no quadro jurídico atual.
"Não conhecemos nenhum", diz Mamadou Ba. "Em resumo, o que é preciso são duas coisas no essencial: a primeira e a mais importante, na nossa opinião, é alterar o código jurídico atual para o tornar mais eficaz, coincidindo com o aumento da expressão do racismo na sociedade portuguesa. Ou seja, tornar o racismo um crime e alterar a lei de contra-ordenação para um quadro jurídico penal."
Em segundo lugar, acrescenta, é preciso dotar a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial de verdadeiros mecanismos de contra-ordenação competentes e autónomos, de modo a poder instruir os processos com alguma celeridade e produzir as sanções correspondentes.
Face ao atual cenário, Jerciley Marques acredita na mudança de mentalidade sobre comportamentos racistas em Portugal: "Eu acho que, com o andar do tempo, as coisas podem vir a melhorar. As pessoas podem ficar com uma mente mais aberta."
De fortalezas a cinemas: o património colonial português em África
A colonização portuguesa nos países africanos deixou edificações históricas, que vão desde fortificações militares, igrejas, estações de comboio, até cinemas. Boa parte deste património ainda resiste.
Foto: DW/J.Beck
Calçada portuguesa
Na Ilha de Moçambique, antiga capital moçambicana, na província de Nampula, a calçada portuguesa estende-se à beira mar. A herança colonial que Portugal deixou aqui é imensa e está presente num conjunto de edificações históricas, entre fortalezas, palácios, igrejas e casas. Em 1991, este conjunto foi reconhecido como Património Mundial da UNESCO.
Foto: DW/J.Beck
Fortaleza de São Sebastião
A Fortaleza de São Sebastião, na Ilha de Moçambique, começou a ser erguida pelos portugueses em 1554. O motivo: a localização estratégica para os navegadores. Ao fundo, vê-se a Capela de Nossa Senhora do Baluarte, de 1522, que é considerada a mais antiga estrutura colonial sobrevivente no sul de África.
Foto: DW/J.Beck
Hospital de Moçambique
O Hospital de Moçambique, na Ilha de Moçambique, data de 1877. O edifício de estilo neoclássico foi durante muito tempo a maior estrutura hospitalar da África Austral. Atualmente, compõe o património de construções históricas da antiga capital moçambicana.
Foto: DW/J.Beck
Fortaleza de Maputo
A Fortaleza de Maputo situa-se na baixa da capital moçambicana e é um dos principais monumentos históricos da colonização portuguesa no país. O espaço foi ocupado no início do século XVIII, mas a atual edificação data do século XX.
Foto: DW/J.Beck
Estação Central de Maputo
Desde a construção da Estação Central dos Caminhos-de-Ferro (foto) na capital moçambicana, no início do século XX, o ato de apanhar um comboio ganhou um certo charme. O edifício, que pode ser comparado a algumas estações da Europa, ostenta a uma fachada de estilo francês. O projeto foi do engenheiro militar português Alfredo Augusto Lisboa de Lima.
Foto: picture-alliance / dpa
Administração colonial portuguesa em Sofala
Na cidade de Inhaminga, na província de Sofala, centro de Moçambique, a arquitetura colonial portuguesa está em ruínas. O antigo edifício da administração colonial, com traços neoclássicos, foi tomado pela vegetação e dominado pelo desgaste do tempo.
Foto: Gerald Henzinger
"O orgulho de África"
Em Moçambique, outro de património colonial moderno: o Grande Hotel da Beira, que foi inaugurado em 1954 como uma das acomodações mais luxuosas do país. O empreedimento português era intitulado o "orgulho de África". Após a independência, em 1975, o hotel passou a ser refúgio para pessoas pobres. Desde então, o hotel nunca mais abriu para o turismo.
Foto: Oliver Ramme
Cidade Velha e Fortaleza Real de São Filipe
Em Cabo Verde, os vestígios da colonização portuguesa espalham-se pela Cidade Velha, na Ilha de Santiago. Entre estas construções está a Fortaleza Real de São Filipe. A fortificação data do século XVI, período em que os portugueses queriam desenvolver o tráfico de escravos. Devido à sua importância histórica, a Cidade Velha e o seu conjunto foram consagrados em 2009 Património Mundial da UNESCO.
Foto: DW/J. Beck
Património religioso
No complexo da Cidade Velha está a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, conhecida por ser um dos patrimónios arquitetónicos mais antigos de Cabo Verde, com mais de 500 anos. Assim como em Cabo Verde, o período colonial português deixou outros edifícios ligados à Igreja Católica em praticamente todos os PALOP.
Foto: DW/J. Beck
Palácio da Presidência
Na cidade da Praia, em Cabo Verde, a residência presidencial é uma herança do período colonial português no país. Construído no século XIX, o palácio abrigou o governador da colónia até a independência cabo-verdiana, em 1975.
Foto: Presidência da República de Cabo Verde
Casa Grande
Em São Tomé e Príncipe, é impossível não reconhecer os traços da colonização portuguesa nas roças. Estas estruturas agrícolas concentram a maioria das edificações históricas do país. A imagem mostra a Casa Grande, local onde vivia o patrão da Roça Uba Budo, no distrito de Cantagalo, a leste de São Tomé. As roças são-tomenses foram a base económica do país até a indepência em 1975.
Foto: DW/R. Graça
Palácio reconstruído em Bissau
Assim como em Cabo Verde, na Guiné-Bissau o palácio presidencial também remonta o período em que o país esteve sob o domínio de Portugal. Com arquitetura menos rebuscada, o palácio presidencial em Bissau foi parcialmente destruído entre 1998 e 1999, mas foi reconstruído num estilo mais moderno em 2013 (foto de 2012). O edifício, no centro da capital guineense, destaca-se pela sua imponência.
Foto: DW/Ferro de Gouveia
Teatro Elinga
O Teatro Elinga, no centro de Luanda, é um dos mais importantes edifícios históricos da capital angolana. O prédio de dois andares da era colonial portuguesa (século XIX) sobreviveu ao "boom" da construção civil das últimas décadas. Em 2012, no entanto, foram anunciados planos para demolir o teatro. Como resultado, houve fortes protestos exigindo que o centro cultural fosse preservado.
Foto: DW
Arquitetura colonial moderna
O período colonial também deixou traços arquitetónicos modernos em alguns países. Em Angola, muitos cinemas foram erguidos nos anos 40 com a influência do regime ditatorial português, o chamado Estado Novo. Na foto, o Cine-Teatro Namibe (antigo Moçâmedes), um dos mais antigos do país, é um exemplo. Foi o primeiro edifício de arquitetura "art déco" na cidade de Namibe.