Aumento preocupante de diabetes em crianças na Guiné-Bissau
Lusa | rf
8 de novembro de 2017
Muitas famílias nem sabem que os filhos estão doentes. Falta de insulina e posição do Governo agravam ainda mais a situação. Especialista chama atenção para se "criar rapidamente uma resposta nacional".
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O alto número de crianças com diabete na Guiné-Bissau é ainda mais grave pelo facto do país não possuir os medicamentos necessários para tratar doentes atingidos com a doença do tipo 1 que só são tratados com a insulina.
"Na Guiné-Bissau não temos insulina, porque, como se sabe, não temos fábricas de medicamentos e a insulina é um químico que precisa ser conservado numa determinada temperatura ambiente", pontuou o médico Mboma Sanca, chefe dos serviços dos cuidados intensivos no Hospital Simão Mendes de Bissau.
"A diabete sempre existiu no mundo, mas não é normal atacar as crianças", disse o médico à Agência Lusa nesta quarta-feira (08.11).
Para "tentar mudar o quadro", o médico está em vias de criar uma associação, para já, com uma assistente social guineense, que mora e trabalha na Suíça, também ela diabética, com a finalidade de ajudar as crianças em Bissau.
Enfermidade sem conhecimento dos pais
Perante o desconhecimento de muitas famílias sobre a doença, Mboma Sanca lamenta, mas tem uma ideia de criar uma Casa de Acolhimento de crianças com diabetes. "Os pais de uma das crianças que temos na nossa guarda nem sabiam que o filho era diabético", sublinhou.
Assim, um assistente social recolheria os apoios, máquinas de medir a glicémia, a insulina e outros medicamentos na Suíça e o médico tratava das crianças em Bissau.
Nesta Casa, as crianças e os pais serão ensinadas a alimentarem-se corretamente e tratarem-se e ainda teriam acesso à escola, tudo sob a responsabilidade da associação, precisou o médico.
Para concretizar a ideia, a associação necessitará de dinheiro, mas por enquanto, duas crianças com diabetes já se encontram em Bissau sob os cuidados dos dois membros da futura associação.
Má alimentação e sedentarismo
Segundo Sanca, a Guiné-Bissau conta com programas de combate ao HIV/SIDA, tuberculose ou malária, mas não tem nada semelhante para lutar contra a diabetes que disse estar a afetar "cada vez mais" os guineenses.
O especialista chama atenção do Governo para a necessidade de se "dar rapidamente uma resposta nacional".
Autoridades de saúde apontam “a alimentação, o sedentarismo e as dificuldades de vida” da população para o aumento de diabetes e hipertensão no país. É recomendado “um reforço do controlo de qualidade” de arroz e óleo importados, que suspeita estarem entre as causas daqueles problemas de saúde.
Em 2016, a amputação devido a diabetes suplantou o rebentamento de minas como principal causa de colocação de próteses em Bissau, segundo o o diretor do único centro de tratamento na capital guineense.
À época, Kenedy Araújo, médico ortopedista e diretor do Centro de Próteses do bairro de Quelelé mostrou-se “bastante preocupado” com o aumento de casos de hipertensão e diabetes nos últimos anos e referiu que “o mais grave é que o centro atende crianças, jovens e adultos”, ou seja, não há faixa etária que esteja imune.
Carências do principal hospital de Bissau
O Hospital Nacional Simão Mendes é considerado a unidade hospitalar de referência na Guiné-Bissau. Mas falta quase tudo: pessoal especializado, medicamentos básicos, aparelhos de diagnóstico.
Foto: Gilberto Fontes
Crise política deixa hospital a meio gás
Com a instabilidade política agravaram-se as necessidades no principal hospital da Guiné-Bissau e caíram por terra as expectativas da equipa hospitalar que esperava mais atenção por parte das autoridades. A Cruz Vermelha e os Médicos Sem Fronteiras prestam apoio. Mas, mesmo assim, perdem-se muitas vidas por falta de condições básicas de assistência.
Foto: Gilberto Fontes
À espera da hemodiálise...
O país ainda não consegue tratar doentes com insuficiência renal. O hospital tem estas instalações novas para iniciar tratamentos. Só falta a máquina da hemodiálise. Curioso é que o equipamento está no hospital, fechado há anos numa sala, cuja chave está com o Ministério da Saúde, segundo fonte hospitalar. Um nefrologista e vários técnicos fizeram formação em diálise, que ainda não podem aplicar.
Foto: Gilberto Fontes
Enquanto isso a população sofre
Doentes, como esta senhora, só podem receber tratamentos de hemodiálise no Senegal. No entanto, cada sessão chega a custar 150 euros. O que é insustentável para muitos doentes que, normalmente, necessitam de várias sessões semanais. Quando a doença é detetada numa fase inicial, aciona-se a evacuação para Portugal. Mas o processo é moroso. Muitos doentes acabam por falecer por falta de tratamento.
Foto: Gilberto Fontes
Há equipamentos novos parados...
O técnico de radiologia Hécio Norberto Araújo lamenta que este aparelho novo de radiografias esteja praticamente parado. Só faz alguns exames, em casos de urgência. Também o equipamento de mamografia nunca funcionou devido à falta de acessórios, como o chassi e o aparelho de revelação. O hospital militar continua a ser o único no país a fazer mamografias e tomografias, que podem custar 100 euros.
Foto: Gilberto Fontes
E máquinas obsoletas em uso
Na falta de opções, este velho aparelho de raio x continua a ser muito requisitado. Ninguém sabe quantos anos tem o equipamento que funciona com arranjos improvisados de fita-cola. A pequena sala de diagnóstico está desprovida de qualquer proteção contra as radiações. O único avental de proteção está estragado. Os técnicos de radiologia estão diariamente expostos a radiações eletromagnéticas.
Foto: Gilberto Fontes
Sem mãos a medir na pediatria
Esta unidade costuma estar cheia, principalmente na época das chuvas, com o aumento de casos de malária ou paludismo e diarreia nas crianças. Neste serviço com 158 camas, há apenas nove médicos efetivos e quase 40 enfermeiros. Entre o pessoal médico, conta-se um único especializado em pediatria. A falta de um eletrocardiograma é responsável pelo diagnóstico tardio de cardiopatias entre os menores.
Foto: Gilberto Fontes
Nem medicamentos para emergências
Nos cuidados intensivos há apenas um cardiologista. A maioria do pessoal médico são clínicos gerais. Por vezes, em plena situação de paragem cardíaca, falta medicação de urgência que os familiares do doente têm de se apressar em providenciar. A equipa hospitalar quer mais investimento em formação e em condições de trabalho. Só assim pode salvar mais vidas e diminuir a evacuação para o exterior.
Foto: Gilberto Fontes
Faltam lençóis e comida
O Hospital Nacional Simão Mendes tem mais de 500 camas. Mas não tem lençóis que cheguem para fazer a cobertura de todas elas. Devido à falta de pijamas, muitos doentes ficam hospitalizados com a roupa que trazem no corpo. Além disso, não há como providenciar alimentação aos pacientes que, na maior parte das vezes, ficam dependentes da comida que os familiares conseguem fazer chegar.