Com o aproximar das eleições autárquicas em Portugal, é possível notar o aumento do interesse para a participação cívica das comunidades de imigrantes africanos, com a apresentação de novos movimentos partidários.
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Foi esta sexta-feira (21.07) apresentado oficialmente o projeto do movimento "Nós, Cidadãos", no concelho da Amadora, nos arredores de Lisboa. Com o aproximar das eleições autárquicas no país, previstas para 1 de outubro, é possível notar um aumento do interesse para a participação cívica das comunidades de imigrantes africanos.
Apesar de o número de candidatos africanos ou afrodescendentes ainda não ser expressivo, o surgimento destes movimentos pode mostrar um passo significativo na redução da abstenção no seio destas comunidades.
No caso do "Nós, Cidadãos" - um movimento de cidadania que pretende "dar voz a quem não se revê" nos partidos que "alternam o poder há 40 anos" -, é Mário Carvalho, um dirigente associativo cabo-verdiano, que encabeça a lista que concorre à Câmara Municipal do concelho da Amadora, o principal órgão de poder local.
"Não esteve, sinceramente, nos meus horizontes apresentar uma candidatura à Câmara Municipal da Amadora", começa por explicar Mário Carvalho à DW África, clarificando que foi com "muita insistência" do movimento que o conseguiram convencer que "era importante eu estar na linha da frente e apresentar uma candidatura agora".
Até então presidente da Associação Caboverdiana de Lisboa, Mário Carvalho pretende quebrar o tabu. Sublinha a importância da participação cívica e tem vindo a trabalhar no sentido de existir uma maior emancipação política da comunidade africana radicada em Portugal.
21.07.2017 Movimento 'Nós Cidadãos' - MP3-Mono
Diz que é por "amor à Amadora", um dos concelhos mais populosos do país e onde vivem cidadãos de cerca de 55 nacionalidades diferentes, que concorre à presidência. "As pessoas vão estar no centro das nossas atenções em várias dimensões", explica Mário Carvalho.
Natural da Ilha de Santiago e jurista licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Lusófona, o dirigente associativo destaca as várias candidaturas de africanos que emergiram em Portugal em ano de eleições autárquicas.
Acredita que é urgente falar de vários temas, como a tipologia dos bairros sociais e se o seu conceito interfere com as políticas de integração existentes: segurança nos bairros, policiamento de proximidade ou promoção do empreendedorismo e de hortas comunitárias. Mário Carvalho destaca ainda a promoção da educação.
Mais participação política das comunidades imigrantes?
Também outros partidos mais conhecidos no panorama português, como o Bloco de Esquerda (BE) ou o Partido Socialista (PS) - partido no Governo e que detém a maioria na Assembleia da República juntamente com o BE e outros partidos de esquerda, como o Partido Comunista Português (PCP), Os Verdes e o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) - colocam nas suas listas candidatos africanos.
Eduardo Rodrigues, candidato do PS à Câmara Municipal do Seixal, na Margem Sul do Tejo, estendeu o convite à cabo-verdiana Virgínia Dias, que tem como "primeira aposta que nós ganhemos". Depois, considera que é preciso "dar voz à comunidade africana", uma das razões que a levou a aceitar o convite de Eduardo Rodrigues.
A candidata afirma que este é um passo para a integração cívica da comunidade imigrante, que pode, assim, reivindicar mais direitos. "É lançar o desafio para que as comunidades venham para dentro da política", subscreve Eduardo Rodrigues, que considera que hoje "o mundo é global e as comunidades devem ser todas integradas, se quiserem os mesmos direitos, com as mesmas capacidades de intervir na sociedade".
Uma das principais preocupações da dupla é apoiar a comunidade no processo de legalização, que está, aos poucos, a ser simplificado.
As movimentações partidárias estão em fase de pré-campanha até meados de setembro. Além de portugueses, também podem participar nestas eleições autárquicas os cidadãos brasileiros, cabo-verdianos, da União Europeia, entre outros que cumpram os requisitos determinados por lei.
Bairro de imigrantes africanos demolido em Lisboa
O 6 de Maio, de génese ilegal, começou a ser construído na década de 1970 na Amadora, na periferia da capital portuguesa. Autarquia diz que demolições são de casas devolutas, antes habitadas por famílias já realojadas.
Foto: DW/João Carlos
Tudo começou nos anos 70
O Bairro 6 de Maio teve na sua génese barracas improvisadas erguidas nos anos 70, com a chegada dos retornados e dos imigrantes oriundos de países africanos de língua portuguesa. É um dos bairros degradados da Amadora, na periferia de Lisboa, que os seus habitantes não querem que se chame "problemático".
Foto: DW/João Carlos
No gueto às portas de Lisboa
O bairro fica a poucas centenas de metros da estação de comboio da Damaia, perto das Portas de Benfica, que confluia com o já extinto Estrela de África. É um dos aglomerados degradados do município em fase de iminente demolição. Os seus habitantes, na sua maioria cabo-verdianos e guineenses, fazem questão de o classificar como gueto nos dizeres e graffitis que preenchem as paredes.
Foto: DW/João Carlos
Viver em comunidade
Entrando na intimidade do lugar sente-se o pulsar quotidiano das gentes que vieram de África há cerca de quatro décadas e das que já nasceram em Portugal. Muitas delas, sem emprego e em situação de debilidade financeira, assumem que conquistaram o direito de viver no bairro, de preferência em comunidade. Reclamam por uma casa digna para as respetivas famílias.
Foto: DW/João Carlos
Conviver com a insalubridade
O bairro 6 de Maio é o que tem os piores indicadores de surto de doenças no concelho. A autarquia da Amadora diz estar atenta aos vários problemas de saúde pública ali existentes. Mesmo sob o fantasma da demolição, os próprios residentes já promoveram uma Feira da Saúde a favor de um bairro saudável, limpo e acolhedor.
Foto: João Carlos
A angústia de Justina
Justina Ramos, 54 anos, veio para aqui morar em 1999, na casa que lhe deixou a irmã, emigrada em França. A habitação acabou depois por ser derrubada por falta de condições. Dependente de 280 euros da reforma, teve de alugar um quarto por 200 euros para não dormir na rua. Sem outra alternativa, fez um apelo à autarquia. Vive angustiada porque não sabe se terá ou não direito a realojamento.
Foto: DW/João Carlos
As incertezas de Carlos
Aqui nasceu há 39 anos, tal como os dois filhos que ainda dependem dele. É outro dos afetados pelo plano de demolição. Carlos Fortes está inconformado com o facto de o seu filho de 18 anos não ser admitido no processo entregue na Câmara Municipal. Vive na incerteza, à espera de uma solução e da próxima carta em resposta à sua reclamação.
Foto: DW/João Carlos
“Trançar” a beleza de portas abertas
Enquanto não cairem as paredes da casa onde vivem desde que nasceram, Paula (sentada) e Sandra (de pé) mantêm as portas abertas à clientela que queira fazer tranças. Uma fonte de rendimento para a família. Aos fins de semana, a afluência é maior por parte de jovens, adultos e crianças que recorrem ao salão improvisado. São elas que arranjam o cabelo às meninas antes do início da semana de aulas.
Foto: DW/J. Carlos
Improvisos
Cada espaço é aproveitado como cada um entende, conforme impõem as necessidades de sobrevivência. Quem não tem uma máquina elétrica para secar a roupa improvisa um cordel como se faz nos quintais em África, aproveitando os benefícios da energia solar.
Foto: DW/J. Carlos
Homenagem a Musso
Os habitantes deram o nome de "Largo Too Sexy" a esta espécie de praceta, centro dos principais eventos e de convívio como a "festa de 6 de Maio", que este ano não se realizou. O mural em graffiti representa a homenagem dos habitantes do bairro a Musso, jovem de 16 anos de idade morto numa intervenção policial, em 2013.
Foto: DW/J. Carlos
Espaço cultural: a marca do bairro
Este é um dos rostos e uma das portas de entrada para o bairro, igualmente ponto de concentração e de encontro com amigos e visitantes. Aqui ainda nascem ideias e projetos de utilidade para os residentes, aparentemente pouco preocupados com a demolição que decorre há já dois anos. Aberto de segunda a sexta-feira, alberga atividades culturais diversas, muitas delas organizadas pelo Centro Social.
Foto: DW/J. Carlos
Baralhar as cartas
O estabelecimento de Helena, ao lado do Espaço Cultural – uma sui generis combinação de bar, café e mercearia –, é outro lugar partilhado pelos jovens, tanto para ver partidas de futebol europeu, como os jogos da Liga ou da Taça portuguesas. O animado jogo de cartas acaba por ser também um motivo para atração de potenciais clientes. O negócio vai de vento em pompa, sobretudo no final do mês.
Foto: DW/J. Carlos
Equipamento social em risco
Central é o trabalho comunitário prestado à população pelo Centro Social, dirigido pela irmã Deolinda. A instituição, gerida pelas Missionárias Dominicanas do Rosário, acolhe crianças da creche e do pré-escolar, na sua maioria de origem africana. O futuro é ainda uma incógnita, diz a irmã Deolinda, que aguarda por uma decisão da presidente da Câmara Amadora sobre o destino do Centro.