Jornalistas alvo de ameaças de morte em Moçambique
Sitoi Lutxeque (Nampula)
15 de outubro de 2018
Na sequência da cobertura eleitoral das eleições em Moçambique, alguns repórteres das rádios Encontro e Watana afirmam estar a receber ameaças de morte. A polícia diz que ainda não recebeu nenhuma queixa formal.
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Está instalado o clima de medo entre os jornalistas de Nampula que fizeram a cobertura integral da votação da última quarta-feira. Desde sábado (13.10), o diretor e o diretor-adjunto da Rádio Encontro, os padres Benvindo Tápua e Cantifula de Castro, estão a ser alvo de ameaças de morte por parte de indivíduos desconhecidos, alegadamente por terem influenciado as eleições com vista à derrota da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) na cidade de Nampula.
"Consideramos este ano de 2018 como sendo o ano das ameaças e intimidações contra a Rádio Encontro, porque tudo começa aquando da realização das eleições intercalares aqui no município de Nampula", começa por explicar o padre Cantifula de Castro.
"Primeiro, a rádio recebeu uma interferência na sua frequência de emissão. Alojou-se lá uma outra [rádio] que obstruiu o nosso trabalho. Seguiram-se as ameaças de morte depois das eleições intercalares que culminaram com a vitória do partido RENAMO na cidade de Nampula. Depois de um tempo, parece que a situação tinha amainado, mas aquando da realização destas últimas eleições, eu e o meu colega começámos a receber telefonemas de números privados a ameaçarem-nos de morte", relata o sacerdoce. "Chamaram-me à atenção para que me cuide, porque os nossos dias estão contados", denuncia Cantifula de Castro.
Cobertura em toda a província
Durante as eleições, a Rádio Encontro enviou 40 repórteres para fazer a cobertura dos acontecimentos, em tempo real, a partir das assembleias de voto. O padre Cantifula de Castro diz que a emissora não reportou à polícia as ameaças recebidas, acusando as autoridades de passividade em relação a queixas anteriores da Rádio Encontro.
No entanto, o diretor-adjunto da rádio católica já reportou o caso a outros órgãos, como o núcleo do Instituto de Comunicação Social da África Austral (MISA-Moçambique) em Nampula, o Fórum Nacional das Rádios Comunitárias (FORCOM) e a Embaixada da Suécia. "Para nós isto é uma clara perseguição para nos intimidarem e fragilizarem", lamenta o clérigo.
16.10 Jornalistas ameaçados em Nampula - MP3-Mono
Outra rádio alvo de intimidação
Também jornalistas da Rádio Watana na cidade de Nacala-Porto, uma outra estação afeta à igreja católica e também estação parceira da DW África, dizem estar a ser ameaçados por pessoas desconhecidas. À semelhança dos colegas da Rádio Encontro, os repórteres da Rádio Watana são acusados de contribuir para a derrota do partido no poder nas autárquicas.
Um jornalista daquela rádio, que pediu o anonimato, descreveu à DW África outra das ameaças recebidas. "Eu e os meus colegas temos vindo a receber ameaças, através de chamadas telefónicas com números estranhos a dizerem-nos que temos que nos cuidar porque fomos culpados da derrota da FRELIMO em Nacala. Já denunciámos ao MISA e o MISA também nos encorajou a denunciarmos o caso à polícia e hoje já o fizemos por escrito", garante o repórter.
Em comunicado, o MISA-Moçambique condena a situação, lamentando "que os partidos políticos transfiram a responsabilidade das suas derrotas aos profissionais de comunicação social". A organização pede às instituições da justiça que identifiquem os autores das ameaças para que possam ser responsabilizados criminalmente.
A DW África tentou, sem sucesso, ouvir a polícia sobre este caso, esta segunda-feira. Na noite deste domingo, contactado pela DW, o porta-voz do Comando Provincial da Polícia moçambicana, Zacarias Nacute, afirmou que as autoridades ainda não tinham recebido qualquer denúncia relativa às ameaças contra jornalistas na sequência das autárquicas.
Países africanos que mais violam a liberdade de imprensa
Gana é o país africano mais bem classificado no "<i>Ranking</i> Mundial da Liberdade de Imprensa" dos Repórteres sem Fronteiras. A Eritreia é o pior em África e, a nível mundial, só é melhor que a Coreia do Norte.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
Eritreia - posição 179º lugar
A liberdade de imprensa é considerada "não existente". Em 2001, uma série de medidas repressivas contra <i>media</i> independentes levaram a uma onda de detenções. O Presidente Isaias Afeworki é visto como um “predador” da liberdade de imprensa e usa os meios de comunicação nacionais como seus porta-vozes. Escritores, locutores e artistas são censurados e a informação é escondida dos cidadãos.
Foto: picture-alliance
Sudão - 174º lugar
Na capital Cartum, pratica-se a chamada “censura pré-publicação". O Governo detém jornalistas arbitrariamente e interfere abertamente na produção de notícias. A "Lei da Liberdade de Informação de 2015" é vista como uma outra forma de exercer controlo governamental sobre a informação pública. Os jornalistas têm de passar por um teste e obter uma permissão para trabalhar.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Burundi - 159º lugar
Repressão estatal contra a liberdade de imprensa e intimidação de jornalistas é comum no país. <i>Media </i> controlados pelo Estado substituem cada vez mais estações de rádio independentes, depois de a maior parte delas ter sido forçada a fechar, após uma tentativa de golpe de estado há três anos. Centenas de jornalistas fugiram do país desde 2015. Na foto, protesto de jornalistas no país.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
República Democrática do Congo - 154º lugar
Defensores dos <i>media</i> falam em jornalistas mortos, agredidos, detidos e ameaçados desde que Joseph Kabila sucedeu ao pai na presidência do país em 2001. Orgãos de comunicação internacionais queixam-se que o Governo interfere nos sinais de rádio ou corta mesmo a transmissão. Protestos da oposição levaram as autoridades a interromper ou cortar o acesso à Internet.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Suazilândia - 152º lugar
Esta monarquia absoluta tem a reputação de obstruir o acesso à informação e impedir os jornalistas de fazerem o seu trabalho. Os <i>media</i> estão sujeitos a leis restritivas e repórteres são frequentemente chamados a tribunal pelo seu trabalho. Auto-censura é comum. Um editor saiu recentemente do país depois de fazer uma reportagem sobre negócios obscuros ligados ao Rei Mswati III (na foto).
Foto: picture-alliance/dpa
Etiópia - 150º lugar
O Governo tem uma mordaça sobre os órgãos de comunicação e os jornalistas trabalham sobre condições muito restritivas. Com a Eritreia, este país tem uma das mais altas taxas de jornalistas detidos na África subsariana. Na foto, o jornalista etíope Getachew Shiferaw, que foi condenado a 18 meses de prisão por ter falado com um dissidente.
Foto: Blue Party Ethiopia
Sudão do Sul - 144º lugar
Os jornalistas são obrigados pelo Governo a evitar fazer cobertura do conflito. Órgãos de comunicação internacionais denuciaram casos de assédio e foram banidos deste jovem país, onde pelo menos 10 jornalistas foram mortos desde 2011. Na foto, dois jornalistas do Uganda que tinham sido detidos por autoridades no Sudão do Sul.
Foto: Getty Images/AFP/W. Wudu
Camarões - 129º lugar
O Governo chamou às redes sociais uma “nova forma de terrorismo”, e bloqueia frequentemente o acesso às mesmas. Emissões de rádio e televisão foram bloqueadas duas semanas em março, durante o período eleitoral. Jornais que publicam conteúdos que desagradam políticos no poder são banidos e jornalistas e editores são detidos.
Foto: picture alliance/abaca/E. Blondet
Chade - 123º lugar
Os jornalistas arriscam-se a detenções arbitrárias, agressões e intimidações. Nos últimos meses, o Governo tem vindo a reprimir plataformas de <i>social media</i> e ciber-ativistas. A Internet tem estado bloqueada no país desde 28 de março, no seguimento de um “apagão” da Internet devido a manifestações da sociedade civil e protestos dos órgãos de comunicação num chamado “dia sem imprensa”.
Foto: UImago/Xinhua/C. Yichen
Tanzânia - 93º lugar
Críticos dizem que o Presidente John Magufuli tem vindo a atacar a liberdade de expressão deliberadamente, desde que tomou posse em 2015. Jornalistas foram presos ou dados como desaparecidos. Orgãos de comunicação social foram fechados ou impedidos de publicar durante longos períodos de tempo. Leis que podem ser usadas contra os <i>media</i> foram apertadas.