Banco de Cabo Verde garante credibilidade do sistema financeiro
10 de abril de 2012 Carlos Burgo foi ouvido esta segunda-feira (09.04) na Comissão Especializada de Finanças e Orçamento do Parlamento, a pedido do grupo parlamentar do principal partido da oposição, o MpD, que queria saber se os bancos estão imunes à lavagem de capitais, depois de notícias de transações suspeitas que teriam sido feitas por detidos na operação “Lancha Voadora”.
Os deputados pediram explicações sobre a credibilidade de algumas instituições financeiras, entre elas a do BAI, banco de capitais angolanos, alegadamente envolvido em operações de lavagem de dinheiro bem como da Bolsa de Valores. No início do ano, o Conselho de Administração do banco confirmou a suspensão temporária de dois funcionários, enquanto decorrem as investigações para aferir as responsabilidades pessoais em alegados casos de lavagem de capitais relacionados com o processo.
A operação “Lancha Voadora” começou no dia 08.10 do ano passado, quando a Polícia Judiciária (PJ) cabo-verdiana fez a maior apreensão de sempre de drogas no arquipélago: 1,5 toneladas de cocaína em elevado estado de pureza. Nessa operação, foram apreendidos milhares de euros e outras moedas sul-americanas e milhões de escudos cabo-verdianos em notas. A PJ confiscou também algumas viaturas topo de gama e algumas armas.
No último dia 22.12, o Tribunal da Comarca da Praia decretou a prisão preventiva do presidente da Bolsa de Valores de Cabo Verde, Veríssimo Pinto, que se juntou a mais quatro pessoas que já se encontravam em prisão preventiva na Cadeia Central da Praia. Foi por este motivo que o MpD quis saber junto do governador do BCV se a prisão preventiva de Veríssimo Pinto põe em causa o sistema financeiro nacional.
Sistema “sólido e credível”
Carlos Burgo garantiu aos deputados que o sistema nacional de prevenção e repressão da lavagem de capitais é globalmente adequado, embora existam alguns “riscos emergentes”.
O governador do Banco de Cabo Verde asseverou ainda que o sistema financeiro nacional “é sólido e é credível” e que a capacidade da sua instituição em matéria de supervisão do sistema financeiro é adequada, não obstante algumas “insuficiências”. “Vamos exigir mais dos acionistas”, afirmou Carlos Burgo, frisando a necessidade de “ter pessoas íntegras a gerir as instituições.”
Durante três horas de audição, o governador do BCV em momento algum mencionou os nomes dos alegados envolvidos no caso “Lancha Voadora”. Perante a insistência dos deputados da oposição, Carlos Burgo reconheceu implicitamente que o caso pode ter um dano reputacional. “Preferia que alguns eventos não tivessem tido lugar e não devemos escamotear a sua gravidade”, disse, embora considere que, tomando as “medidas adequadas”, é possível “ultrapassar as consequências negativas sem muitos custos.”
Perante a situação em que a Bolsa de Valores de Cabo Verde se viu mergulhada, o governador do Banco Central defende a sua capitalização e considera que os acionistas devem prevenir conflitos de interesse.
Lavagem de capitais
Na perspetiva do governador do Banco Central, não se deve sobrevalorizar esses acontecimentos. Carlos Burgo tentou tranquilizar os deputados ao afirmar que a sua percepção é que a lavagem de capitais não foi significativa. “Não creio que seja grande a dimensão das operações financiadas com dinheiro ilícito, mesmo na Bolsa de Valores”, sublinhou.
Durante a audição, Jorge Santos, o vice-presidente do MpD, afirmou que algumas instituições bancárias e do Estado foram constituídas arguidas no processo “Lancha Voadora”. Em resposta, Carlos Burgo disse desconhecer essa informação. Informou ainda que, ultimamente, as instituições bancárias dão, cada vez mais, informações sobre avultadas transferências ou operações de risco.
No capítulo de combate à lavagem de capitais, o Governador do Banco Central informou que Cabo Verde encontra-se na fase de operacionalização do seu sistema de prevenção e repressão. É nesse sentido que a Unidade de Informação Financeira, uma entidade multisetorial de carácter quase policial, que vinha funcionando junto do BCV passa agora para as rédeas do Ministério da Justiça.
Para evitar possíveis suspeições, Carlos Burgo explicou que a mudança da Unidade de Informação Financeira para o Ministério da Justiça visa dar maior eficácia no seu funcionamento e que a sua reestruturação já estava em curso antes de ter rebentado o escândalo “Lancha Voadora”.
Emigrantes entre os desafios
Para o governador do BCV, a aplicação prática da atual lei contra a lavagem de capitais coloca Cabo Verde perante sérios desafios, nomeadamente a informalidade e o baixo grau de sofisticação financeira particularmente nos casos das populações rurais e dos emigrantes cabo-verdianos.
Carlos Burgo afirmou que não é fácil identificar uma operação suspeita sobretudo por causa dos emigrantes. “É uma diáspora muitas vezes não sofisticada”, que face às exigências nos países onde vivem têm dificuldades em manter contas bancárias, explicou.“Juntam dinheiro, que trazem na mala para comprar um apartamento, construir uma casa, para depositar num banco. Muitas vezes apresentam-se no banco com uma mala de dinheiro e dizem que são emigrantes”, relatou Carlos Burgo, acrescentando que os bancos são confrontados diariamente com situações como esta.
O governador do Banco Central advoga ainda que Cabo Verde precisa de ter urgentemente uma lei de combate ao financiamento do terrorismo e pede a colaboração dos deputados.
Autor: Nélio dos Santos (Cidade da Praia)
Edição: Madalena Sampaio/António Rocha