Banda desenhada quer mudar a percepção do cabelo africano natural
21 de fevereiro de 2014A primeira vez que a jornalista angolana Francisca N'Zenze Meireles, conhecida como Chiquinha, alisou os cabelos, tinha 13 anos. Hoje, aos 36, há três anos que ela assumiu as belas madeixas naturais. Erradicada no Brasil, a artista publica na internet histórias em banda desenhada que promovem a beleza dos cabelos africanos naturais e questiona os padrões de beleza existentes. O trabalho pode ser visto na sua página do Facebook.
Com o seu primeiro projeto, "A Kindumba da Ana", contou com cem bandas desenhadas, onde ela abordou os problemas das mulheres africanas em relação aos cabelos. Ela explica como apareceu a ideia de produzir as tiras com esta temática.
“Foi criado um grupo de meninas angolanas no Facebook, as Angolanas Naturais, e lá nós discutíamos muito sobre o que fazer com o nosso cabelo, como cuidar, e nesse grupo muitas meninas contavam as estórias que aconteciam com elas em volta do cabelo”, explica Chiquinha.
“Uma particularmente me deixou triste porque ela foi humilhada num lugar por causa do cabelo natural e eu fiz em desenho a mesma história dela, mas com um final feliz. Dei para ela de presente, ela gostou muito, achou graça, sentiu-se bem e a partir daí eu comecei a fazer várias estórias que aconteciam comigo, com elas, com as minhas irmãs, tudo sempre em volta do cabelo natural”, acrescenta.
Kindumba é uma palavra em kindumbo, umas das línguas que se fala em Angola. ”Essa palavra tem alguns significados diferentes. Algumas pessoas dizem que significa somente cabelo grande e outras dizem que é um penteado específico, no estilo Jimi (do Jimi Hendrix), assim cabelo pró alto”, observa a autora. Mas, basicamente kindumba é um termo para cabelo.
Padrão Ocidental de Beleza
Demorou algum tempo até que a Chiquinha usasse seus cachos livres, leves e soltos. “Aos treze anos é quase um rito de passagem para adolescência poder usar o cabelo liso. Eu já usei cabelo alisado com o ferro quente, ferro que queimava quase o cabelo, né, mas ele estava liso e eu estava igual as meninas que eu via na TV, nas revistas e então estava feliz”, recorda ela.
A psicóloga Naisy Tiny, de São Tomé e Príncipe, observa um resgate cultural das tendências africanas. “Temos a ideia muito padronizada do que é beleza, e o que é bonito é o que é ocidental. E agora eu vejo que há um resgate, há uma necessidade de resgatar aquilo que é nosso e percebermos que nós não somos bonitas porque temos o nariz afinado ou somos mais bonitas porque temos o cabelo liso. E agora estamos a resgatar essas raízes, essa cultura nossa”, explica. “Em termos de beleza, de rosto, de cabelo, nós estamos totalmente asfixiada pelo o que é natural nas ocidentais e isso tudo porque, verdade seja dita, é que a supremacia ainda é do mundo ocidental”.
Nas horas vagas, a psicóloga, que vive em Portugal, dedica-se a um blog de moda, as Afro-vaidosas.Apesar da visão crítica em relação aos padrões da moda, a profissional ainda não se imagina com as madeixas ao natural. “Eu falo por mim mesma, eu não consigo me ver de outra maneira, não consigo me ver sem extensões”, confessa Tiny.
Além da padronização da beleza ideal, a bloguer e psicóloga aborda ainda a questão do preconceito. Para ela, é uma situação bastante delicada. O preconceito, no seu ponto de vista, “existe até em termos profissionais, assumir os caracóis é muito complicado”, diz. “De certo um empregador e um entrevistador dão mais créditos a quem tenha um aspecto mais ocidental, do que mais africano, sem dúvida. Talvez isso venha a mudar, mas no momento é assim”, conclui.
Apliques, perucas e extensões
A cabeleireira Baaba conta com 25 anos de experiência em cabelos africanos e é dona do primeiro salão especializado nas madeixas afros na região de Colónia, na Alemanha.
Ela vê o problema de outra perspectiva. “Muitas vezes, os clientes que cá veem são pessoas que querem arranjar uma maneira de tratar do seu cabelo”. Nascida no Gana, a dona do salão Zeebra Tropicana não é exatamente contra aos produtos químicos.
“Os produtos químicos não são o problema”, diz ela. O importante é cuidar adequadamente do cabelo depois do tratamento. Problemático mesmo, na perspectiva da cabeleireira é quando as pessoas tentam utilizar os químicos sozinhas. “As pessoas pensam que é um produto de supermercado, que podemos comprar, colocar no cabelo e pronto”, avisa ela. “E é aí que começam os problemas. Quando se vai a um profissional adequado, os químicos podem ser apreciados. Eles podem resolver alguns problemas – não todos, mas alguns”, acrescenta.
O tricologista australiano David Salinger não pensa exactamente da mesma maneira. Na sua perspectiva, “as queimaduras químicas do alisamento inicialmente destroem a pele, queimam de um modo sério, que destrói alguns folículos de cabelo. Mas depois o que pode acontecer é criar um problema auto-imune, o que significa que as células brancas do corpo atacam os folículos de cabelo, o que cria muita inflamação e eventualmente mata células-tronco, que produzem o cabelo”, explica o médico.
“Quando isto acontece, não nasce mais cabelo infelizmente”, resume. “Com as trancinhas, o processo é semelhante, porque a pressão nos folículos de cabelo cria inflamação, que levas as células brancas a atacar o cabelo. O efeito de ambos é muito semelhante”, conclui o profissional.
Para Baaba, o importante é deixar as pessoas fazerem o que elas têm vontade. “Eu adoro cabelo, gosto de passar os dedos pelos fios e ter ideias”, diz. “Consigo fazer qualquer cabelo e deixar qualquer mulher ficar feliz, mas sem estragar o cabelo”, arremata.