Bebés desaparecidos mobilizam associações em Moçambique
12 de outubro de 2021Leila deu à luz em agosto, mas os hospitais moçambicanos que a assistiram dizem que o bebé morreu, sem nunca lhe entregarem o corpo, e depois de num deles ter sido maltratada, denunciou hoje com associações locais. O caso serviu para ilustrar, em conferência de imprensa, as queixas de 40 organizações contravários casos de violência em maternidades do país e suspeitas de tráfico de bebés.
A gestante deu entrada no Hospital Provincial da Matola, arredores de Maputo, para ter o seu bebé, mas disse ter sido abandonada por enfermeiras "num quarto com cortinas fechadas e luz apagada". "Elas insultaram-me. Chamaram-me porca, apagaram a lâmpada, fecharam a porta, isolaram-me. Depois de um tempo comecei a sangrar e pensei que era o bebé a nascer, então peguei num ferro e bati na maca, pedindo socorro porque já não conseguia falar", contou na conferência de imprensa.
Leila foi sedada e acordou noutra unidade, no Hospital Central de Maputo, o maior do país. Os médicos disseram-lhe que havia perdido o bebé no Hospital Provincial da Matola, mas o corpo nunca foi entregue à família. "Segundo os médicos, no dia em que dei entrada, não houve nenhum óbito", sublinhou.
"Eles não me querem entregar o bebé, até hoje", lamentou Leila, ao terminar a declaração num pranto e ser retirada da sala. O caso de Leila corre na justiça, assim como outros três, de um total de sete, registados no Hospital Provincial da Matola entre março e julho deste ano, relacionados com violência psicológica, física e cobranças ilícitas, relataram as associações.
Denúncias de abusos
A Lusa tentou obter reações do Hospital Central de Maputo e do Hospital Provincial da Matola, mas as tentativas de contacto foram infrutíferas. As 40 associações moçambicanas denunciaram casos de violência pré-natal, no parto e pós-parto em unidades hospitalares no país, apelando para uma investigação e responsabilização dos profissionais de saúde envolvidos.
"Nós, como organizações e movimentos de mulheres, estamos a denunciar esta situação de violência que continua a chegar até nós", disse Quitéria Guirrengane, presidente da rede de associações Mulheres Jovens Líderes.
Só em Maputo foram apresentadas às organizações 15 denúncias de maus-tratos e abusos, no último trimestre, "protagonizados por profissionais de saúde contra gestantes, parturientes e puérperas", além de alguns casos, não contabilizados, de desaparecimento de bebés nos hospitais.
"Exigimos responsabilização"
As organizações pedem uma "investigação e instauração de processos disciplinares e criminais" contra os infratores e uma "investigação profunda a uma potencial rede de tráfico de bebés" nas unidades hospitalares. Exigimos a "responsabilização exemplar dos profissionais de saúde envolvidos e a provisão de assistência e indemnização para as vítimas", referiu Camila Fanheiro, do movimento Saber Nascer.
Depois de "anos tenebrosos de denúncias e suspeição" acerca de "mortes materno-infantis por negligência e de tráfico de crianças nas maternidades", as associações recusam-se a aceitar que as entidades que têm o dever de proteção "permaneçam no silêncio", sublinhou.
De acordo com o último censo populacional, o rácio de mortes maternas é de 452 por 100 mil nados vivos, o que continua a colocar Moçambique entre os países onde as mulheres têm elevado risco de morte durante a gravidez, parto e período pós-parto.