Angolanos querem que visita do Presidente resulte em avanços
Cristiane Vieira Teixeira (Berlim)
22 de agosto de 2018
Crise económica, direitos humanos e corrupção em Angola são temas que preocupam os angolanos residentes na Alemanha. Trabalhadores da ex-RDA pedem para ser ouvidos pelo Presidente, que chega esta quarta-feira a Berlim.
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O Presidente angolano, João Lourenço, é esperado esta quarta e quinta-feira (22 e 23.08) em Berlim, onde terá encontros com a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, o Presidente Frank-Walter Steinmeier e empresários alemães.
Micaela Trigo nasceu em Angola, quando o país ainda era uma colónia portuguesa. Aos dois anos de idade partiu com a família para o Brasil, por causa da guerra. A produtora cultural de 45 anos reside há quatro anos na capital alemã, Berlim. Acompanha à distância a realidade do seu país natal, através da imprensa e de relatos de familiares que ainda residem em Luanda.
"Nas últimas conversas, tenho sentido uma energia um pouco mais positiva. Acho que é até um alívio por ter mudado o Governo depois de tantos anos. Acredito que depois de tantos anos de concentração de poder nas mãos de José Eduardo dos Santos e família, é obvío que exista um alívio. Não que isso vá ser mudado de imediato, mas só de ter o poder nas mãos de outro, que não seja um fomentador de corrupção, já é um grande alívio e esperança," relata.
Direitos humanos, corrupção e negócios
As maiores preocupações de Micaela Trigo são as violações dos direitos humanos e a corrupção em Angola. Espera que a visita de João Lourenço à Alemanha contribua para que se encontre um caminho para solucionar esses problemas.
"Devido a esse sistema corrupto, a gente tem como consequência toda a miséria e pobreza que são vividas lá. Então, é isso que eu espero. Que seja tratado também sobre os direitos humanos em Angola, que ainda está muito longe dos parâmetros normais. E que a Alemanha, como referência de defesa dos direitos humanos e igualdades, interfira diretamente nessa campanha [contra a corrupção] que o novo Presidente angolano iniciou", considera.
João Lourenço será recebido pela chanceler Angela Merkel esta quarta-feira. Segundo o programa oficial, em foco estarão as reformas económicas em Angola e os desenvolvimentos políticos no país e na região. A visita de dois dias a Berlim inclui ainda encontros com empresários alemães.
Expectativas angolanos OL - MP3-Stereo
O jornalista e rapper angolano Diamantino Feijó, que também tem a nacionalidade alemã, espera que o Presidente garanta bons negócios para Angola.
"Porém nós não nos devemos esquecer que o nosso país também tem empresários criativos que querem muito investir no próprio país, mas lhes faltam divisas e infraestruturas para tal. Nós devemos aplaudir o interesse desses empresários almeães que querem investir em Angola. Eles não estarão a fazer nenhuma obra de caridade, mas sim negócios e para tal precisam que o ambiente económico e político no país sejam propícios, para que tenham lucros", avalia o rapper.
De acordo com um comunicado da Embaixada alemã em Luanda, a Alemanha pretende apoiar Angola na diversificação económica - apostando nas áreas da energia, dos transportes e da cultura, entre outras. Diamantino Feijó deseja ainda que possíveis futuros negócios entre os dois países beneficiem diretamente o povo angolano.
"Que assinem acordos que tenham impacto no setor social e no dia a dia das pessoas. Por exemplo, acordos na área de energia, das águas, do saneamento básico. E que haja transferência de conhecimentos dos empresários alemães com relação aos empresários angolanos que lá encontrarão", diz o jornalista angolano.
Ex-trabalhadores da RDA
O empresário Samuel Mateus, angolano da província de Kwanza Sul, veio para a Alemanha em 1987. Ele é também membro da associação dos ex-trabalhadores da extinta República Democrática da Alemanha, Assoextra. Espera que na visita a Berlim, o Presidente angolano dê atenção à situação dos ex-trabalhadores da RDA.
"Que haja uma junção com a Embaixada da República de Angola aqui em Berlim, em ouvir os problemas que afetam os angolanos aqui na Alemanha, especialmente os ex-trabalhadores - porque até o momento a embaixada nega negociações com os ex-trabalhadores da antiga RDA. Que dê a oportunidade de ouvir os ex-trabalhadores, porque nós somos os angolanos que vivem aqui há muito tempo e estamos cheios de experiência", apela Samuel Mateus.
Já o soldador Massumo Neluimba, que reside há 18 anos na cidade de Dresden, no leste da Alemanha, não tem grandes expetativas em relação à visita de João Lourenço.
"Neste momento, não espero nada do João Lourenço, porque é o mesmo partido. O país teve muita possibilidade, teve muito dinheiro - e o dinheiro está desaparecido. As pessoas que roubaram todo o dinheiro são pessoas do seu partido ou do seu Governo. Não tem solução, aquele país não tem solução", afirma.
O angolano diz-se cético em relação a possíveis mudanças em Angola, mas apela ao apoio alemão. "Espero que a Alemanha tente ver a situação de Angola, porque o país está numa situação péssima, muito péssima mesmo", conclui.
Na quinta-feira, o Presidente angolano será recebido pelo seu homólogo alemão, Frank-Walter Steinmeier.
Uma relação especial: a Alemanha Oriental e África
A República Democrática Alemã manteve relações estreitas com os países africanos de orientação socialista. Entre eles estavam Angola, Etiópia, Moçambique e Tanzânia. A cooperação terminou com a reunificação em 1990.
Foto: Ismael Miquidade
Formação de profissionais africanos
A República Democrática Alemã (RDA), extinta após a reunificação da Alemanha a 3 de Outubro de 1990, formou muitos trabalhadores vindos de países africanos socialistas. Estes angolanos participam num curso em Dresden, em 1983, no Instituto para Segurança no Trabalho. Angola estava em guerra nessa altura. O chamado "Bloco de Leste" apoiava o Governo marxista-leninista do MPLA.
Foto: Bundesarchiv/183-1983-0516-022 /U. Häßler
Ajuda ao desenvolvimento para aliados políticos
Depois do fim do colonianismo português em África, em 1975, a Alemanha Oriental (RDA) apoiou os partidos socialistas que foram conquistando o poder. A ideia era fazer desses novos Estados africanos aliados e parceiros económicos do Bloco de Leste. Aqui, o angolano Eduardo Trindade recebe formação de mecânico de máquinas agrícolas (1979).
Foto: Bundesarchiv/183-U0213-0014/P. Liebers
Formação para jornalistas africanos
Não havia só formação para profissões técnicas. A Alemanha Oriental também formava jornalistas africanos. Centenas de jornalistas, de quase todos os países de África, passaram pela Escola de Solidariedade da Associação de Jornalistas da RDA, em Berlim-Friedrichshagen. Na foto: jovens jornalistas de Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe durante o curso em dezembro de 1976.
Foto: Bundesarchiv/183-R1210-302
Cooperação no desporto
Esta foto foi tirada em setembro de 1989, em Leipzig, numa aula de atletismo da Escola Superior Alemã para Educação Física (DHfK), com treinadores de Angola, Nicarágua e Moçambique. Em Leipzig, a partir de 4 de setembro, os cidadãos começaram a exigir todas as segundas-feiras mais liberdade na RDA - primeiro eram centenas, depois dezenas de milhares. A 9 de novembro de 1989 caiu o Muro de Berlim.
Foto: Bundesarchiv/183-1989-0929-019/ W. Kluge
Estudantes nas universidades da RDA
Moisés José da Costa, de Angola, fez parte de um grupo de estudantes de 34 países que frequentou a Escola Superior Técnica de Karl-Marx-Stadt em 1986. A cidade passou a chamar-se Chemnitz em 1990. Muitas ruas da Alemanha Oriental, com nomes de políticos marxistas, também foram renomeadas. Hoje, muitos estrangeiros que viveram na RDA têm dificuldade em encontrar endereços antigos.
Foto: Bundesarchiv/183-1986-1112-002/W. Thieme
"Escola da Amizade"
1983: O Presidente de Moçambique, Samora Machel (dir.), e Margot Honecker, ministra da Educação da RDA (esq.), encontram-se com a direção da "Escola de Amizade", na localidade de Staßfurt. Em 1979, ambos os países decidiram que 899 crianças moçambicanas frequentariam essa escola na Alemanha Oriental durante quatro anos. Algumas dessas crianças tinham apenas 12 anos de idade.
Foto: Bundesarchiv/Bild 183-1983-0303-423/H. Link
Escola "Dr. Agostinho Neto"
Em outubro de 1981, durante uma visita do Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, à Alemanha, a 26ª Escola de ensino médio da RDA "Berlim-Pankow" recebeu o nome do seu antecessor. Passou a chamar-se Escola "Dr. Agostinho Neto". Jovens da Alemanha Oriental receberam o Presidente angolano com cartazes propagandísticos, como: "Apoiando a União Soviética pela paz e socialismo."
O Presidente angolano José Eduardo dos Santos (o quinto, a partir da esq.) visitou o Muro de Berlim na Porta de Brandemburgo. O muro começou a ser construído em 1961 para impedir que a população da RDA fugisse para Berlim Ocidental, onde se tinha livre-trânsito para o Ocidente. Oficialmente, o muro era chamado de "Muralha Antifascista". Cerca de 200 pessoas morreram ao tentar fugir.
Foto: Bundesarchiv
Congresso do SED com convidados africanos
O Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED) gostava de exibir os seus convidados estrangeiros. No 10° Congresso do partido, em 1981, recebeu Ambrósio Lukoki, do MPLA (atrás, à direita), e Berhanu Bayeh (atrás, o segundo à esq.), que mais tarde se tornou chefe da diplomacia da ditadura marxista-leninista etíope do Derg, período em que milhares de pessoas foram mortas.
Foto: Bundesarchiv/183-Z0041-138/M. Siebahn
Visitas a congressos partidários africanos
O contrário também era comum. Konrad Naumann (na segunda fila, à dir.), membro do SED, participou do 3° Congresso do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) em Bissau, em novembro de 1977. O evento foi realizado sob o lema "Independência, Unidade e Desenvolvimento".
Foto: Bundesarchiv/Bild 183-S1118-026/Glaunsinger
Acampamentos de verão para crianças e adolescentes
Também durante o período de férias, a RDA tentava educar as crianças de acordo com os ideais comunistas. E convidavam-nas para acampamentos de verão. Aqui também vinham convidados estrangeiros. Na foto, dois membros da organização juvenil da Alemanha Oriental "Pioneiros" explicam a uma criança da República Popular do Congo uma matéria do jornal "Die Trommel".
Foto: Bundesarchiv/183-T0803-0302
Fim-de-semana em casa de família alemã
As crianças estrangeiras que, em 1982, participaram no acampamento dos "Pioneiros" também passaram um fim-de-semana com famílias alemãs para conhecer o dia-a-dia na Alemanha Oriental. Elas foram de comboio até à cidade de Schwedt, na fronteira com a Polónia. Sandra Maria Bernardo, de Angola, foi recebida pela sua "mãe-anfitriã" Ingeborg Scholz e a filha Petra.
Foto: Bundesarchiv/183-1982-0731-010 /K. Franke
Solidariedade militar
1973: Combatentes do MPLA marcham durante o Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, que teve lugar no estádio da Juventude Mundial, no leste de Berlim. A RDA solidarizou-se com a luta do MPLA contra o poder colonial português. Os outros dois movimentos de libertação de Angola, a UNITA e a FNLA, foram apoiados pela África do Sul e EUA.
Foto: Bundesarchiv/Bild183-M0814-0734/F. Gahlbeck
Hora do adeus
Depois de formados na RDA, namibianos despedem-se no aeroporto Berlim-Schönefeld. De 1981 a 1984, eles estiveram a receber formação na Alemanha Oriental. No entanto, não puderam regressar às suas casas porque a Namíbia só se tornou independente da África do Sul em 1990. Por isso, voaram para Angola, para trabalhar como técnicos de silvicultura, canalizadores ou mecânicos de automóveis.
Foto: Bundesarchiv/183-1984-0815-031/A. Kämper
A ajuda chega de avião
Na foto, uma aeronave da companhia aérea Interflug, pertencente à extinta RDA, no aeroporto de Luanda. A bordo: material escolar para crianças angolanas. Em 1978, além de Angola, o Comité de Solidariedade da Alemanha Oriental enviou donativos à Etiópia, Moçambique, Vietname, República Popular do Iémen e às organizações de libertação do Zimbabwe (ZANU), da Namíbia (SWAPO) e da África do Sul.
Foto: Bundesarchiv/183-T0517-0022/R. Mittelstädt
Tratores para aliados socialistas
Doação de máquinas agrícolas da fábrica de tratores Schönebeck (da RDA) para a Etiópia. Os tratores do tipo "ZT 300-C" eram comuns na Alemanha Oriental e foram exportados para 26 países. Incluindo Angola e Moçambique. (1979)
Foto: Bundesarchiv/183-U1110-0001/Schulz
Máquinas têxteis da RDA para a Etiópia
Fábrica têxtil na cidade de Kombolcha, na província etíope de Amhara (foto de novembro de 2005). Esta fábrica processa algodão para fazer lençóis e toalhas. Foi construída em 1984 com o apoio da RDA e da hoje extinta Checoslováquia. Quase todas as máquinas foram produzidas pelo consórcio TEXTIMA, na antiga cidade de Karl-Marx-Stadt, hoje Chemnitz.
Foto: picture-alliance/dpa
Construções pré-fabricadas da RDA em Zanzibar
Ainda hoje, é possível ver prédios, construídos a partir de elementos pré-fabricados, em Zanzibar, com os quais a Alemanha Oriental apoiou a Tanzânia socialista criada em 1964 sob o Presidente Julius Nyerere. Os materiais chegaram de navio e tiveram apenas de ser montados. "Michenzani" é o nome do projeto com mais de 1,5 km de comprimento.
Foto: cc-by-sa/Sigrun Lingel
RDA - Nostalgia em Maputo
Cerca de 15 mil moçambicanos trabalharam na Alemanha Oriental no final dos anos 80. A maioria voltou ao seu país de origem após a reunificação da Alemanha, a 3 de Outubro de 1990. Em casa, são chamados de "Madgermanes", uma palavra derivada de "Made in Germany". Até aos dias de hoje, eles reúnem-se com frequência no Jardim 28 de Maio, em Maputo, para reivindicar os seus direitos.