Bispo de Pemba sobre deslocados: "Todos estão traumatizados”
21 de agosto de 2020A Igreja Católica, com a ajuda de algumas organizações, iniciou esta semana o apoio psicológico aos deslocados internos no norte de Moçambique.
Muitos deles ficaram afetados com as violências vivenciadas no contexto da insurgência em Cabo Delgado. Segundo o bispo de Pemba, Dom Luiz Fernando Lisboa, "percebemos que as pessoas não precisam só de comida, elas precisam de ser ouvidas – as suas mágoas e as suas histórias. Precisam desse apoio".
À DW África, o bispo acrescentou ainda que dentro dos grupos de deslocados "todos estão traumatizados” e que, infelizmente, a Covid-19 passou para segundo plano.
DW África: Alguns deslocados terão provavelmente desenvolvido traumas ou medos de guerra. Sabe se há algum tipo de assistência psicológica ou terapia para esse grupo?
Luiz Fernando Lisboa (LL): Nós começámos exatamente hoje [18.08]. A igreja teve a iniciativa de começar um trabalho. Nós temos aqui duas religiosas psicólogas. Elas, com a ajuda de outras organizações que estão no terreno, montaram um curso de preparação de quatro dias para alguns voluntários, entre elas irmãs, padres, leigos bem preparados, jovens. Foram treinadas 27 pessoas e na próxima semana vão ser treinadas outras 30 ou 32.
E nesta terça-feira (18.08) começaram já um trabalho num dos acampamentos. Um trabalho de sentar um grupo de dez pessoas e durantes algum tempo, umas duas horas, conversar. Serão feitos, no mínimo, quatro encontros com o mesmo grupo e a mesma dupla [de facilitadores] para permitir que as pessoas contem os seus traumas, contem tudo aquilo que passaram, para que eles tirem para fora aquilo que está dentro que machuca e que faz mal. Porque nós percebemos que as pessoas não precisam só de comida, elas precisam de ser ouvidas – as suas mágoas e as suas histórias. Precisam desse apoio para que possam depois serem ajudadas, para levantarem a cabeça, olhem para a frente e para que continuem a lutar. Há muita gente que está paralisada e perplexa com tudo o que se passou.
DW África: Qual é a faixa etária mais afetada? São as crianças, os adultos...
LL: Todos estão afetados. As crianças, como não sabem fazer outra coisa, brincam, mas não é que não estejam traumatizadas. As crianças viram coisas e passaram por coisas terríveis. Algumas perderam os pais, outras estão distanciadas dos seus familiares porque há pessoas que estão deslocadas noutros lugares. Os jovens têm muito medo. As meninas porque muitas foram raptadas. Então, toda a menina deslocada tem medo de ser raptada. Os jovens rapazes têm medo de serem raptados também para fazerem parte do grupo deles [dos insurgentes].
As senhoras não têm a sua machamba, não têm as suas coisas, não puderam trazer os seus pertences, estão a viver de favor, a pedir panela emprestada, a fazer comida sabe lá como. Os homens porque perderam o seu trabalho e as suas casas, não sabem como conduzir agora as suas famílias. Todos estão traumatizados, infelizmente.
DW África: E como tem sido assistir os deslocados internos em tempos de Covid-19?
LL: Tem sido um desafio muito grande. Infelizmente, eu tenho repetido um chavão, quase, que não dá para ser diferente: Covid-19 para nós está em segundo plano. Embora nós estejamos a tomar todos os cuidados de uso de máscara – distribuímos milhares de máscaras nos acampamentos e para as pessoas nos bairros – mas a população ainda não percebeu a gravidade desse momento. E aqueles que são deslocados estão preocupados com as suas dores, com a sua vida, com as coisas que estão a faltar - a falta da sua casa, da sua machamba – e não estão muito preocupados com a Covid-19. Embora tenham sido feitas palestras, explicações sobre o porquê de usar a máscara e a importância do distanciamento físico, nós chegamos nesses lugares e todos estão juntos como se nada estivesse a acontecer no mundo.