Bispos angolanos criticados por "ingerência" política
Borralho Ndomba
16 de fevereiro de 2022
Vários membros do MPLA, no poder, insurgiram-se contra os bispos católicos, que denunciaram "ambiente sombrio e nefasto" em Angola. Denúncia tem sido considerada uma ingerência da Igreja Católica nos assuntos políticos.
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As notas pastorais dos bispos da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) sobre a situação no país têm enfurecido vários membros do partido no poder em Angola. No início do mês, os bispos denunciaram um "ambiente sombrio e nefasto". Mas muita gente não gostou da denúncia, vista em vários setores como "ingerência" nos assuntos políticos.
Nas redes sociais, Ismael Mateus, jornalista e membro do Conselho da República, escreveu que "a Igreja Católica faz tanta questão de se meter na questão política que deveria apresentar um dos seus bispos como candidato."
A Igreja Católica chega a ser acusada de apoiar os partidos da oposição. João Pinto, deputado do MPLA, disse em declarações à Rádio Ecclésia que "em momento algum, o Papa Francisco orientou os partidos políticos na Itália."
"A Igreja deve saber qual é o seu papel. Já dizia Lutero, que era também padre que se rebelou, o mundo da ordem é o mundo da política. O mundo da religião é celestial, é promover o amor e a concórdia", lembrou o político.
Críticas à Igreja não incomodam
Em entrevista à DW África, o padre Jacinto Pio Wakussanga diz que as críticas à Igreja não incomodam. "É uma reação intempestiva não consolidada. Não tem nenhuma razão de ser porque, se fosse uma calúnia, os que assim reagem teriam ido a tribunal provar que a Igreja violou a lei A ou a lei B. Ninguém consegue, em perfeito juízo, mostrar qual é o pressuposto constitucional que os bispos violaram", minimizou o padre.
Angola: Fome leva famílias a comer ratos em Luanda
02:15
Pio Wakussanga, que também é ativista dos direitos humanos, afirma que a Igreja tem o direito de apresentar o seu posicionamento sobre a realidade social do país, porque é composta por cidadãos.
No início do mês, os bispos católicos alertaram para um "perigoso" vazio de diálogo entre governantes e governados. Disseram ainda que estavam preocupados com a "pobreza assustadora" e o "desemprego galopante" no país, e apelaram a eleições transparentes.
Não é a primeira vez que uma nota pastoral dos bispos da CEAST gera a fúria entre os militantes do partido no poder e as autoridades. Em outubro de 2021, o ex-comandante-geral da Polícia Nacional, Paulo de Almeida, também criticou os bispos, que alertaram para a onda de criminalidade que assustava "angolanos e estrangeiros residentes no país".
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Falar da fome não é estar do lado da oposição
O jurista Hélder Chiuto diz que as notas pastorais dos bispos defendem apenas os interesses da população e que é falsa a acusação de ingerência da Igreja nos assuntos políticos.
"A comunidade eclesiástica, enquanto também observadores eleitorais e aqueles que têm a grande responsabilidade de olhar para a justeza do sistema democrático nacional, não pode tornar-se omissa face às várias situações de extrema degradação no âmbito da construção sólida do Estado democrático de Direito e da situação primordialmente de conjuntura socioeconómica que as famílias vivem", defende.
O historiador Donito Carlos afirma que falar da seca e da fome no sul de Angola não é estar do lado da oposição, mas denunciar o silêncio das autoridades sobre estes assuntos.
Há uma diferença, diz: "Não é possível falar da fome, da pobreza e de outros elementos que amaldiçoaram este povo sem tocar nos políticos, porque são os políticos que gerem a coisa pública. E no nosso caso em particular, os políticos gerem mal. Portanto, a Igreja Católica está de parabéns."
Angola: Conheça o Mural da Resistência em Luanda
Uma nova intervenção urbana foi inaugurada em Luanda, com pinturas em homenagem a personalidades importantes da história recente de Angola. Veja o Mural da Resistência, do pintor Zbi de Andrade, nesta galeria de fotos.
Foto: Manuel Luamba/DW
Mural da Resistência
Este é o nome do novo mural localizado nos arredores de Luanda. O espaço pintado pelo artista Zbi de Andrade contém rostos de activistas, políticos e académicos que defendem um país cada vez mais democrático. Uma cerimonia organizada pelo site Observatório de Imprensa homenageou as pessoas retratadas.
Foto: Manuel Luamba/DW
Manuel Chivonda Nito Alves
Manuel Chivonda Nito Alves é um activista angolano que se notabilizou nos protestos de rua que começaram em 2011. Em 2013, com apenas 17 anos, foi acusado de difamar o ex-Presidente José Eduardo dos Santos. Foi espancado e detido por várias vezes pela polícia. É um dos activistas detidos em 2015 no caso conhecido como "Processo dos 15+2".
Foto: Manuel Luamba/DW
Laurinda Gouveia
Laurinda Gouveia é uma activista angolana que também se notabilizou por organizar e participar manifestações de rua, exigindo melhores condições de vida à população. Gouveia é integrante do Odjango Feminista e defende a igualdade de direitos. A sua veia reivindicativa acabou por levá-la à cadeia por inúmeras vezes. Também foi condenada no "Processo dos 15+2".
Foto: Manuel Luamba/DW
Rosa Conde
Rosa Conde também foi detida e julgada no âmbito do Caso 15+2 - quando 17 ativistas foram acusados de tentativa de golpe de Estado. Com "sangue" de Cabinda, foi um dos rostos que, em 2016, lideraram os protestos contra o assassinato de Rufino António - morto a tiros alegadamente por um militar do PCU durante as demolições no bairro do Zango.
Foto: Manuel Luamba/DW
Filomeno Vieira Lopes
Filomeno Vieira Lopes é um conhecido político e economista angolano. Já foi espancado por várias vezes em manifestações de rua. Atualmente é o presidente do Bloco Democrático, uma formação política derivada da Frente Para Democracia (FPD), associada a intelectuais angolanos. O BD é um dos integrantes da Frente Patriótica Unida, aliança de oposição que visa à alternância de poder em 2022.
Foto: Manuel Luamba/DW
William Tonet
William Tonet é um jornalista e jurista angolano. Um dos pioneiros do surgimento da imprensa privada em Angola. Com a institucionalização do multipartidarismo, Tonet surgiu com o bissemanário Folha 8, um jornal critico ao regime. "Chefe indígena", como é chamado, Tonet deve ser o jornalista angolano em atividade com mais processos judiciais.
Foto: Manuel Luamba/DW
Luís Nascimento
Luís Nascimento é um jurista e advogado angolano. Foi um dos cidadãos que exigiram a destituição de Isabel dos Santos da chefia da petrolífera estatal Sonangol em 2016. Foi o advogado da família de Rufino António, adolescente morto alegadamente pelas forças de segurança nas demolições no Zango. Nascimento foi um dos candidatos derrotados na última convenção do Bloco Democrático.
Foto: Manuel Luamba/DW
Nelson Pestana "Bona Vena"
Nelson Pestana "Bona Vena" é um académico e político angolano. Conhecido por ser um "homem das letras", Bona Vena é ligado ao Centro de Investigação Cientifica da Universidade Católica de Angola e ao Centro de Estudos Africanos. É político do Bloco Democrático.
Foto: Manuel Luamba/DW
Fernando Macedo
Fernando Macedo é um ativista e professor universitário angolano. Reconhecido por muitos pela integridade, Macedo é um dos fundadores da Associação Justiça Paz e Democracia. O ativista é profundamente critico ao antigo e ao actual regime angolano. Em 2018, Macedo foi um dos organizadores de um protesto contra a amnistia de cidadãos que desviaram fundos públicos para o estrangeiro.
Foto: Manuel Luamba/DW
Luís Araújo
Luís Araújo fundador e coordenador da SOS Habitat, uma ONG que defende e promove o direito à habitação em Angola. Em 2016, o ativista angolano teve projeção ao defender que a remoção do que chamou de "ditadura angolana" é uma necessidade. Em 2005, Araújo e mais dez pessoas foram julgados pelo Tribunal Provincial de Luanda, acusados de incitamento à violência. Vive há anos na Europa.