Bispos de Angola pedem "transparência" e "vontade política"
António Cascais
20 de outubro de 2016
Em entrevista à DW África, o porta-voz dos bispos angolanos, José Manuel Imbamba, fala sobre a crise que "afeta profundamente" os mais desfavorecidos, além da presença do islão e da proliferação de seitas em Angola.
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Os bispos católicos angolanos defendem um registo eleitoral claro nas eleições de 2017, para evitar "eleições suspeitas". Além disso, mostram-se também preocupados com a difícil situação económico-financeira no país. Outro problema que preocupa a Conferência episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) é a destruição do meio ambiente, assim como intolerância político-religiosa, praticada também por algumas seitas.
O porta-voz dos bispos angolanos, José Manuel Imbamba, bispo de Saurimo, deu ainda a conhecer os resultados da última reunião a CEAST, que terminou na quarta-feira (19.10).
DW África: O que a CEAST tem a dizer sobre a grave situação económico-financeira que assola os angolanos neste momento?
José Imbamba (J.I): Fruto dos relatórios que chegaram das diversas dioceses, chegamos à conclusão de alguns aspetos preocupantes, que têm a ver concretamente com a crise económica-financeira. Essa crise está a afetar profundamente as famílias mais desfavorecidas, porquanto o poder de compra está a ser comprometido por causa dessa oscilação financeira que nós estamos a viver.
DW África: Falando concretamente do processo eleitoral, o que é que a Conferência Episcopal de Angola e São Tomé recomenda ao Governo no sentido de se evitar, digamos, suspeições em relação ao procedimento?
JI: O que nós recomendamos é mesmo lisura, transparência, vontade política para que tudo concorra para o bem, para que não haja prepotência, mas sim espírito de diálogo, de harmonia, para que todos possamos ir ao ato eleitoral com espírito de confiança, com espírito de alegria; para que as eleições sejam mesmo uma alegria democrática, e não o contrário. Por isso, há que haver muita humildade, muita capacidade de consertação, de diálogo, para que à partida ninguém vá com suspeições ao ato eleitoral.
DW África: Sabe-se que a CEAST também abordou um tema que preocupa cada vez mais a sociedade angolana, que é o tema da proteção do meio ambiente.
JI: Estamos a ameaçar o ambiente e também a ameaçar o futuro daqueles que virão depois de nós. Por isso apelamos para que esta exploração seja responsável, tendo em conta o que os efeitos nefastos podem acarretar para a vida coletiva. Estamos a assisitir a uma exploração muito vasta de madeira para fins industriais e isto está a preocupar-nos, além da prática da própria população com a queima de árvores para fazer carvão, a caça indiscriminada e todas as outras práticas que estão a afetar o meio ambiente, como os derrames de petróleo e as queimadas.
DW África: A CEAST tem também abordado a proliferação de seitas, um tema que preocupa não só Angola, mas também outras sociedades africanas. O que há a dizer sobre o assunto?
Entrevista Bispo de Saurimo CEAST ANGOLA - MP3-Stereo
JI: O problema da intolerância política e religiosa vai-se manifestando aqui e acolá com a proliferação de seitas, que está a preocupar-nos, porquanto estão a ser acomodadas muitas seitas satânicas que estão a perigar a própria paz, o convívio harmonioso e a dignidade cultural nossa. Nós temos uma identidade e que está a ser afetada por práticas e ritos que não têm nada a ver connosco.
DW Áfirca: Há meios de comunicação social estrangeiros que dizem que em Angola o islão foi proíbido. Por outro lado, há organização islâmicas em Angola que dizem que a comunidade está cada vez maior. Como é que descreveria a relação dos angolanos, da Igreja Católica e do Governo angolano para com o islão?
JI: O que é facto é que o islão é já uma realidade em Angola. Embora seja uma instituição não reconhecida legalmente, eles já estão em Angola. As mesquitas em Luanda existem e em outras partes de Angola também. A comunidade islâmica está presente em vários ângulos e eles ocuparam grande parte do comércio precário do nosso país. Este é um facto que nós não podemos negar.
Nós, como Igreja Católica, não somos hostís à presença do islão no país, desde que se cinjam só a prestar culto a Deus, desde que não se imiscuam nos outros assuntos que têm a ver com os fundamentalismos, com a manipulação política e a manipulação das consciências para incitar a violência, o ódio, a rejeição, a discriminação, portanto, todos aqueles atos anti-humanos que nós não podemos consentir enquanto pessoas, enquanto cidadãos angolanos. Senão de outra forma, como Igreja Católica, nós acolhemo-los como irmãos, como pessoas que também têm o seu direito e o seu dever de prestar culto a Deus, mas sempre nos fundamentos do amor, do respeito e da dignidade da pessoa humana.
DW África: Os bispos de Angola procuram o diálogo com representantes da comunidade islâmica?
JI: Nós não temos nenhuma experiência nesse sentido. Como eu disse, o islão em Angola não é uma religião reconhecida oficialmente, por isso nunca houve nenhum contato neste sentido.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".