Bissau: UNTG exige aumento de salário mínimo para 153 euros
30 de março de 2021A União Nacional dos Trabalhadores da Guiné-Bissau (UNTG) - após cumprir um mês de grave geral na função pública, que teve mais impacto nos setores da saúde e da educação - decide entregar mais um pré-aviso de greve de 30 dias, a começar no início de abril. A principal central sindical guineense condiciona o fim das paralisações com o aumento do salário mínimo, de cerca de 76 euros para 153 euros. Segundo a UNTG, o Governo criou novos impostos e taxas para sustentar os subsídios "milionários”, que passou a atribuir aos principais dirigentes políticos do país.
Contactado pela DW África, o Governo guineense diz que ainda não está em condições de falar sobre a greve e promete reagir assim que for possível.
Em entrevista à DW África, Júlio Mendonça, secretário-geral da UNTG, critica a insensibilidade do Governo por não responder às exigências dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, aumentar impostos e taxas, prejudicando o poder de compra da população. Mendoça avisa que, sem a justiça salarial, não haverá o fim das paralisações na administração pública.
DW África: Como surgiu a sugestão de uma nova grelha salarial?
Júlio Mendonça (JM): Nós já estávamos comprometidos com o então Governo através do memorando de entendimento afirmado no passado mês de agosto de 2019. O objetivo era que, até 2020, o país tivesse nova grelha salarial, consequentemente a definição do salário mínimo nacional. Com este Governo de Nuno Gomes Nabiam, no passado mês março de 2020, firmamos uma adenda e nesta adenda reforçamos esse compromisso. A comissão criada foi simplesmente abolida por este Governo, e passaram a não cumprir o que ficou plasmado na adenda. Com este agravamento da situação socioeconómico do país e a situação financeira dos funcionários e trabalhares em geral, não podemos deixar o Governo continuar a sufocar os trabalhadores com essa baixa salarial, que é uma consequência dos novos impostos e taxas criados. É neste sentido que a central sindical decidiu que era obrigação do Governo - em conjunto connosco, no âmbito da comissão que já tinha sido criada - elaborar uma nova grelha salarial para o país, que seja harmonizada. Porque não faz sentido haver essa diferença abismal entre a administração direta central e a administração indireta do Estado. Entretanto, aproveitamos a ocasião de apresentar ao Governo está nova grelha salarial como forma de suprir o grande sofrimento que os servidores públicos estão a enfrentar neste momento, com os descontos que estão a ser feitos através das taxas e impostos criados. Achamos que os valores que apresentamos são razoáveis e correspondem ao custo de vida nacional. Neste momento há um aumento de custo de vida no país.
DW África: Quais são esses valores que estão a exigir que o Governo pague aos funcionários públicos?
JM: Com os valores que já temos definidos, o salário mínimo passaria a ser 100 mil francos (cerca de 153 euros). Um valor consensual porque compreendemos que é possível, o país tem condições financeiras para tal. A proa disso é que o Governo instituiu [em dar] subsídios de representação aos titulares dos órgãos de soberania, o que é absurdo e abismal. Não faz sentido que num país como a Guiné-Bissau, que tem carências de várias ordens, ter subsídio de representação do Presidente da República de quase um milhão de euros, dos restantes dirigentes com milhões e milhões de Franco CFA. Num país tão pobre, tão carente - onde não há infraestruturas sanitárias nem escolares, não há sistema nacional de saúde e não há nada - criaram mais mordomias para os deputados e para eles, políticos, [enquanto] o povo está a morrer. Chegamos a conclusão de que afinal o país tem condições financeiras. Porque, se não tivesse condições, não teria coragem de aumentar ou criar novos impostos nem instituir novos subsídios para eles. Razão pela qual, por questões de justiça na repartição daquilo que é nosso, estamos a defender uma nova grelha. O que é do Estado é também do povo e não de uma meia dúzia de pessoas, ditos governantes, que vão usufruir de toda a riqueza nacional.
Para nós, o mais justo neste momento é a instituição da nova grelha salarial para equilibrar as coisas, para permitir que o trabalhador que serve ao Estado e paga os impostos possa também usufruir um pouco do fruto do seu trabalho.
DW África: Estão a dizer que na mesma função pública o salário não é igual para todos os diretores de serviço, por exemplo?
JM: O problema é que há uma grande discrepância a nível da administração direta central e indireta. Quando falo em indireta estou a referir o instituto público e as empresas públicas. Um diretor-geral de uma empresa pública ou instituto público ganha um salário quase igual ao Presidente da República, de mais de 2 milhões de Franco CFA [cerca de 3 mil euros], e um diretor de serviço de uma empresa pública ganha um milhão e tal de Franco CFA - contrariamente aquilo que acontece na administração central onde um diretor de serviço ganha 140 mil francos [cerca de 214 euros] - há uma diferença abismal que é incompreensível e não podemos admitir isso. Não é possível que o país continue a ser gerido desta forma.
DW África: E sobre os impostos, o Governo começou a fazer os descontos para os novos impostos e taxas?
JM: Já estão a descontar. O mais caricato é a forma de descontar os pensionistas e os antigos combatentes da liberdade da pátria. E como é sabido que os antigos combatentes são veteranos de guerra e podem resolver os seus problemas, felizmente, decidiram recuar nos descontos dos antigos combatentes. Ainda ficou pendente a questão dos pensionistas civis. Pagaram ontem, e constataram que também foram alvo de descontos, razão pela qual recusaram a receber o seu dinheiro. Ainda não sabemos aonde que vão parar com esta situação. Nós já tínhamos alertado ao povo guineense sobre as consequências desse Orçamento Geral do Estado na vida das pessoas, mas o povo é tão pacífico, anda a dormir e correr atrás dos políticos, e hoje todo mundo está a pagar por isso.
DW África: E como estão as negociações com o Governo para pôr fim às paralisações?
JM: Neste momento não existem negociações. O Governo simplesmente abdicou-se de negociar connosco e limitou-se a fazer contactos sectoriais. Felizmente não surtiram efeitos porque os líderes sindicais também têm a noção das coisas e são filiados da UNTG. Não podem abandonar o barco, porque são eles que aprovam as reivindicações através das reuniões do secretariado nacional. Não é o secretário-geral que decide as greves, mas a plenária do secretariado nacional da UNTG. É neste sentido que todos os líderes sindicais estão consciencializados e têm a consciência tranquila que estão a fazer um serviço patriótico para organizar o Estado e dignificar os que trabalham na Guiné-Bissau e pagam impostos.
DW África: E neste momento a greve de um mês, que está a decorrer todo este mês de março, está a ter impacto em que setores?
JM: Na verdade, teve mais impacto nos setores de Educação e de Saúde, Contribuição e Impostos, bem como em vários ministérios. Quase a maioria dos ministérios está paralisada. A única coisa que se vê são os estagiários que foram recrutados sem que se obedecesse os critérios de ingresso na função pública. Estão lá a passear nos ministérios, dizendo que estão a trabalhar. Mas, na verdade, não estão a trabalhar porque não percebem nada. Neste caso, a nossa luta continua até atingir o objetivo que se resume na organização do Estado e dignificação dos que prestam serviços ao Estado.
DW África: A greve de um mês deve terminar esta quarta-feira, dia 31 de março, o que vai acontecer em seguida?
JM: A greve vai continuar. Já entregamos um novo pré-aviso de greve de 30 dias. Como não há negociações, não há nada, então a greve vai continuar sem dúvidas.