Bissau: Mutilação genital persiste apesar da proibição
Iancuba Dansó (Bissau)
30 de outubro de 2023
A sociedade guineense reagiu com a revolta a mais um caso de mutilação genital feminina, uma prática proibida por lei desde 2011. Ativistas dos direitos humanos defendem novas formas de fazer face ao problema.
Publicidade
A maior parte da população, as autoridades e organizações da sociedade civil guineenses dizem que a mutilação genital feminina é um mal, o que fez com que, em 2011, uma lei contra a prática fosse aprovada pela Assembleia Nacional Popular (ANP), conhecida como lei 14 de 6 de julho.
Mas mais de 12 anos após a entrada em vigor do documento que pune o corte do órgão genital da mulher, há ainda resistências por parte de quem a pratica. O Comité Nacional para o Abandono das Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança (CNAPN) denunciou que, este mês, em Bafatá, no leste da Guiné-Bissau, uma criança de quatro anos terá sido submetida à mutilação, colocando em risco a sua vida.
A presidente da organização, Marliatu Djaló Condé, disse que o caso já se encontra sob a alçada das autoridades do país. "A situação ainda continua preocupante, porque as pessoas continuam a cometer este crime bárbaro no corpo das meninas. A mãe da criança foi detida pela Polícia Judiciária (PJ) e foi transferida para o Ministério Público e nós estamos a fazer o seguimento [do caso] aí, para que a lei seja cumprida", esclareceu.
Entretanto, a DW África soube que a mulher detida, identificada como a mãe da criança excisada, já está em liberdade condicional, devendo-se apresentar periodicamente no Ministério Público.
"Continua a teimosia"
Desde 1996, ano da fundação do Comité Nacional para o Abandono das Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança, que se realizam ações de sensibilização e atividades educativas para o combate à mutilação genital feminina, o que resultou na aprovação da lei contra esse mal pelos deputados guineenses.
Publicidade
Mas para Marliatu Djaló Condé, o último caso registado em Bafatá "demonstra que, infelizmente, ainda continua a teimosia, não por falta de informação [porque] a informação está disponível por todo o lado e as ações de conscientização e sensibilização continuam porta à porta, de comunidade à comunidade e pelas rádios".
Depois da primeira condenação, em 2011, dos autores da prática da mutilação genital feminina, houve outras condenações, a maioria com pena suspensa. Por isso, o jurista Fransual Dias considera que "para a eliminação desta prática, a justiça tem de ser cega e surda".
"Porque são situações que na maioria dos casos são feitas em regime de comparticipação ou em regime de pura omissão das pessoas próximas da vítima. Neste caso abrange uma multiplicidade de pessoas e penso que todas essas pessoas devem ser objeto de sanções e de disciplina criminal", argumenta.
O sociólogo Celestino João Ampa defende outra forma de combate à prática."É necessário o envolvimento das organizações [da sociedade civil], mas sobretudo realizar um estudo antropológico muito aprofundado, para compreender o porquê dessa prática."
"Há ainda tabu na nossa sociedade e há pessoas que acreditam mais na tradição, que não justifica a realidade social que o mundo enfrenta. É preciso também envolver as mulheres 'fanatecas' para compreender esse fenómeno", conclui.
Mutilação genital feminina: uma tradição que teima em persistir
A mutilação genital feminina (MGF) persiste em muitos países africanos, apesar de ser proibida oficialmente. Os Pokot, no Quénia, são uma das etnias que continuam a levar a cabo esta prática.
Foto: Reuters/S. Modola
Uma lâmina para todas
Esta lâmina foi usada para mutilar quatro raparigas do Vale do Rift, no Quénia. Para o povo Pokot, o ritual marca a passagem de menina para adulta. Apesar de esta tradição brutal ser proibida por lei, muitas raparigas continuam a ser sujeitas à mutilação genital feminina (MGF), sobretudo em zonas rurais.
Foto: Reuters/S. Modola
Preparativos para a cerimónia
As meninas e mulheres Pokot aquecem-se junto à fogueira às primeiras horas da manhã. Quem não se submete à MGF tem menos hipóteses de casar. A integração das mulheres e a sua sobrevivência económica depende do casamento, principalmente nas áreas rurais. Aquelas que se recusam a participar são renegadas pela sociedade ou até mesmo expulsas.
Foto: Reuters/S. Modola
É impossível dizer "não"
Antes de se proceder ao ritual, as raparigas são despidas e lavadas. Elas sabem de antemão que, tal como as suas mães, vão ter problemas de saúde: quistos, infeções, infertilidade, complicações no parto. A mutilação genital feminina continua a ser praticada em 28 países africanos, na península Arábica e na Ásia. Também há filhas de emigrantes na Europa que são mutiladas.
Foto: Reuters/S. Modola
Espera angustiante
Estas raparigas Pokot esperam pela cerimónia de circuncisão na província de Baringo, no Vale do Rift. O Quénia proibiu a mutilação genital feminina em 2011, 27 por cento das quenianas entre os 15 e os 49 anos foram submetidas a esta prática, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Na maioria das vezes não se usa anestesia e o material não é desinfetado.
Foto: Reuters/S. Modola
Ritual mortífero
Cerimónia de circuncisão: Os Pokot esperam que as raparigas sejam corajosas e não gritem. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), 10% das raparigas morre durante esta cerimónia e 25% morre devido a complicações associadas. Na Guiné-Bissau, metade das mulheres entre os 15 e os 49 anos foi submetida a esta prática, segundo a UNICEF. Na Somália, o número ronda os 98%.
Foto: Reuters/S. Modola
Pedra ensanguentada após o ritual
A forma como se faz a excisão varia de etnia para etnia. Os Pokot fecham a abertura vaginal. A OMS distingue três tipos de MGF: no tipo 1, o clítoris é retirado. No tipo 2, retira-se o clítoris e os pequenos lábios. No tipo 3, a infibulação, os grandes lábios também são retirados e a abertura vaginal é fechada.
Foto: Reuters/S. Modola
Tingir o corpo de branco
Tingir o corpo de branco faz parte do ritual dos Pokot. Em muitos países há campanhas de esclarecimento, para alertar para os perigos da mutilação genital feminina. Mas só lentamente as campanhas dão frutos. No Quénia, há desde 2014 uma unidade da polícia que trata de questões relacionadas com a MGF. Há também uma linha SOS que recebe denúncias.
Foto: Reuters/S. Modola
Trauma para a vida
Após a cerimónia, as raparigas são cobertas com peles de animais e recolhidas para um local onde podem descansar. Na ótica dos Pokot, elas estão prontas para casar e podem receber um dote maior. Alguns povos acreditam que as mulheres submetidas à MGF são mais férteis e fiéis ao seu marido. Quando se faz uma excisão não há volta atrás. Não é possível reverter a mutilação com operações plásticas.
Foto: Reuters/S. Modola
De mãe para filha?
Esta rapariga nunca mais vai esquecer a mutilação. Em alguns países, a excisão é realizada em bebés. Sendo uma prática ilegal, um bebé a chorar dá menos nas vistas do que uma rapariga a sofrer de dores o tempo inteiro.