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Estado de DireitoGuiné-Bissau

Bissau: "Nada justifica o cerco ao presidente do Supremo"

6 de novembro de 2023

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça da Guiné-Bissau renunciou hoje ao cargo, depois de homens armados e fardados cercarem a sua casa. Jurista alerta para possível "golpe institucional" e pede explicações.

José Pedro Sambu, presidente do Supremo Tribunal de Justiça da Guiné-Bissau
Foto: DW/Braima Darame

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, José Pedro Sambu, renunciou hoje ao cargo, depois de homens armados e com farda militar serem enviados para a sua casa.

"No passado dia 3, um grupo de homens armados da Força de Defesa e Segurança impediu-me de sair da minha casa para ir ao serviço, neste caso ao meu gabinete nas instalações do Supremo Tribunal de Justiça [...], sem, contudo, exibirem um mandado judicial para o efeito", lê-se numa carta de Sambu divulgada esta segunda-feira (06.11).

O presidente da Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau, Domingos Simões Pereira, já tinha denunciado no fim de semana a presença de homens armados na residência do presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Simões Pereira disse ainda estar preocupado com alegações de que o Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, poderia ter o seu "dedo" neste caso.

Presidente da Assembleia Nacional Popular, Domingos Simões PereiraFoto: Jao Carlos/DW

José Pedro Sambu recusara-se a abandonar o cargo após suspeitas de interferências num processo judicial. Sambu emitiu, na semana passada, uma ordem de suspensão do seu vice-presidente, Lima António André, que havia presidido à reunião em que fora suspenso, acusando este de ter usurpado as suas competências no Conselho Superior da Magistratura Judicial.

Questionado pela DW África sobre se, na qualidade de vice-presidente, Lima António André tem competências para suspender o presidente, o jurista guineense Luís Petit diz que não. "É uma posição que não se enquadra na lei", afirma.

Luís Petit refere ainda que, nem Governo, nem Presidência, reagiram oficialmente à notícia do cerco da residência de José Pedro Sambu por homens. No entanto, acrescenta que, a confirmar-se a alegação de que as forças posicionadas na residência de José Pedro Sambu foram enviadas pelo Presidente da República, estamos perante "um golpe institucional".

DW África: O que se sabe sobre a presença destes militares e quem é que pode mandar militares para este tipo de operação?

Luís Petit (LP): Até agora, não há qualquer pronunciamento oficial dos órgãos de soberania – nem do Governo, nem da Presidência – sobre quem terá ordenado o envio destas forças.

O Governo confirma apenas que existe uma força de segurança permanente no Palácio da Justiça, tal como acontece noutros órgãos de soberania. Mas esta não é a força que lá está permanentemente. Ou seja, com a presença desta força – também na casa do presidente do Supremo Tribunal de Justiça – fica por esclarecer [quem a teria enviado].

Jurista guineense Luis PetitFoto: Privat

O que tem sido dito é que alegadamente foram forças da Presidência da República a assumir o protagonismo de afastar o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, passando inclusive por sua casa, vigiando a sua saída. Sendo assim, isso seria um sequestro – em termos legais, não se pode impedir alguém de sair, a não ser por alguma medida judicial.

DW África: Como poderia a Presidência da República justificar o envio destas forças?

LP: Nada justifica. Se isto realmente se confirmar, estaríamos perante um golpe institucional, face a uma intervenção direta das forças de segurança num órgão de soberania. Numa situação em que há um desentendimento sobre a aplicação da lei, há mecanismos e instituições legais próprios, onde essas contendas podem ser dirimidas.

DW África: Sabe-se que, recentemente, o Presidente Sissoco Embaló criticou, numa reunião no Palácio da República, Pedro Sambu. A que se deve este diferendo entre os dois nesta altura?

LP: Não se sabe em concreto o que aconteceu. Mas a intervenção do Presidente da República, enquanto primeiro magistrado e garante da legalidade, devia ser simplesmente de apaziguar a situação, apelando a um entendimento e à aplicação da lei, aguardando eventualmente um procedimento interno para se tomar medidas em relação [ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça]. Eventualmente, fazendo um inquérito para averiguar o que se diz [que o presidente do Supremo teria interferido num processo judicial], e, se houver conclusões nesse sentido, abrir um processo-crime contra ele, que poderia levar à sua destituição.

Presidente guineense, Umaro Sissoco EmbalóFoto: Tony Karumba/AFP/Getty Images

DW África: O assumir de funções por parte de Lima António André tem sido criticado por vários analistas. O vice-presidente tem competências para suspender o presidente?

LP: Eu tenho defendido, enquanto técnico e analista, que a posição do vice-presidente não se enquadra na lei.

DW África: Que consequências pode ter para o país esta guerra interna no Supremo Tribunal de Justiça?

LP: Tudo isto traz um descrédito total para o Supremo Tribunal e Justiça, não só em relação à sua imagem como também no que diz respeito aos processos que eventualmente são remetidos ao Supremo para efeito de recurso. A quem é garantido que o Supremo está em condições de se posicionar, em termos de legalidade e credibilidade das suas decisões?

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