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Blackouts na internet forçam jovens etíopes a estilo “retro”

James Jeffrey | tm
3 de dezembro de 2016

Desde que a Etiópia declarou estado de emergência por seis meses bloqueando o acesso às informações nas redes sociais a partir de telefones móveis, jovens voltam aos antigos hábitos para manterem vida social.

Äthiopien Addis Abeba Universität Kommunikation Internetsperre
Foto: DW/J. Jeffrey

Em Addis Abeba, a capital da Etiópia, as festas em casa já não são como outrora. E isso se deve ao estado de emergência declarado pelo Governo etíope, com duração prevista de seis meses. Mas isso não se ouve por todos os lados e a declaração feita de 9 de outubro (2016) parece estar surtindo o efeito desejado, já que os protestos nas regiões etíopes de Oromia e Amhara diminuíram. 

Mas as enormes restrições à internet ainda são presentes - incluindo o bloqueio de dados em telefones móveis e aos sítios das redes sociais. Ninguém sabe dizer por quanto tempo o bloqueio deverá durar: se haverá flexibilidade antes do cumprimento do período de estado de emergência, ou se as restrições serão prorrogadas.  

"A sua vida social é abalada"; disse Root, uma jovem profissional de aproximadamente 20 anos. Ela usa a internet com frequência para manter contato com amigos. E ela tem renda suficiente para suprir seus gastos, assim como muitos jovens da capital da Etiópia.

"Eu era informada e até mesmo convidada para as festas quando eu podia acessar as informações pelo meu telemóvel. Agora, tenho de ligar para as pessoas, escrever... E nem sempre é possível falar com quem se quer"; disse a jovem.

Os habitantes de Addis Abeba até brincam que, se há uma área onde a interferência do Governo é mantida baixa, a cena social da cidade será vibrante. Outros, no entanto, diriam que os bares e boates cheios de foliões distraídos são de interesse do Governo. Mas, agora, até mesmo o direito às festas parece ter sido afetado.

Governo etíope declarou estado de emergência em outubro de 2016. País vivenciou onda de protestos.Foto: picture-alliance/AP Photo/K. Prinsloo

Efeitos

"Gimash, gimash", disse um jovem vendendo cartões pré-pagos para telemóveis ao ser perguntado sobre as suas vendas. A expressão é um coloquialismo amárico que significa "assim, assim", e foi usado pelo rapaz para explicar que, por causa das restrições, as pessoas deixaram de usar seus telemóveis.

O movimento tem sido afetado por toda a cidade. Os DJs que usavam o Facebook para convidar multidões para os seus shows desejariam ter mantido um "backup” com uma lista de telefones. Os restaurantes já não podem postar informações sobre os seus menus e descontos; e as empresas recorrem aos panfletos para alcançarem os clientes.

"Pelo menos meu crédito dura mais agora", disse Tigist, um colega que encontrava a jovem Root durante pausa para o almoço. "100 birres etíopes (cerca de 4,2 euros) costumavam durar apenas alguns dias ao acessar informações pelo telemóvel. Agora, os créditos duram entre quatro ou cinco dias”, diz.

Outros estão a ganhar dinheiro. Face à crescente demanda, os centros de negócios que oferecem serviços de internet banda larga têm subido os preços e desfrutam de algo que nunca esperaram. Porém, todos os dias, ao final da jornada de trabalho, vê-se pela cidade longas filas de jovens próximos às paredes externas dos hotéis de luxo a tentar usar a rede Wi-Fi destes locais.

Frustração na Universidade

"Não ter acesso à internet em pleno século 21 é uma catástrofe!"; disse o estudante de Ph.D. Henok, num café do campus da Universidade de Addis Abeba. "Não se pode acessar às palestras pelo Youtube, tampouco usar o LinkedIn ou o Twitter - todas as mídias estão restritas."

Ele está particularmente aborrecido por não ter acesso aos livros que costuma baixar pela internet. Os problemas com a internet, porém, vão além da logística – eles derivam do anseio que as pessoas têm de se expressarem. 

"Muitos jovens tornaram-se depressivos e frustrados porque teriam algo a dizer, a se expressar, mas o acesso está bloqueado”; diz Dawit, um jovem professor da universidade. "Você quer envolver outras pessoas no Facebook para debater e discutir questões, especialmente na Etiópia, onde não temos mídia independente", acrescenta.

Este cenário tem forçado as pessoas a organizarem suas vidas tal como faziam antes do advento das redes sociais."Agora, é preciso telefonar e marcar encontros"; disse Tigist, de 30 anos. Ele se lembra do tempo em que não dependendia da internet e ressalta um aspecto positivo: "as pessoas passaram a realmente conversar com os amigos mais próximos em Addis, e não mais com pessoas distantes. As restrições de internet acabaram unindo as pessoas".

O Primeiro Ministro etíope Hailemariam Desalegn declarou estado de emergência em outubro de 2016. Foto: DW/G. Tedla

Direitos e injustiças 

As plataformas das redes sociais, como o Twitter ou o Facebook, têm sido apontadas pelo Governo etíope como meios para se organizar agitações. Por isso, têm sido coibidos. Contudo, as opiniões sobre a justificativa do governo variam. Muitos, como Henok, estão incoformados com a pesada abordagem tomada pelo partido no poder.

"O governo poderia lidar com metade da desinformação sobre as mídias sociais se fosse on-line para checar”; disse Daniel Berhane, um blogueiro de Addis Abeba. "Mas eles não farão isso", desabafa. Outros, porém, simpatizam com as ações do governo, embora argumentem que as restrições à internet deveriam ter sido mais criteriosas.

"As ações tomadas pelo Governo estão corretas, mas deveriam ser mais específicas"; disse Yonas, um outro aluno cursando Ph.D. "O acesso [à internet ] deve ser aberto nas universidades, nas faculdades e nas áreas específicas onde o acesso aos dados e mídias sociais são mais importantes", acrescenta.

Yonas, porém, diz que mesmo entre a população há pessoas incapazes de filtrar informações. Ele se lembra de ter visto uma imagem do Genocídio de Ruanda, em 1994, publicada on-line como evidência de um crime cometido pelo governo etíope em protestos recentes.

Enquanto isso, nos arredores de Addis Abeba, etíopes e estrangeiros observam a tela dos seus aparelhos a girar enquanto esperam o carregamento das páginas da internet. "Antes, quando eu chegava em casa do trabalho, podia rapidamente verificar meus e-mails"; disse Tsiom, outro professor."Agora preciso de alguns dias para passar por todos eles”, desabafa.

A DW mudou os nomes de algumas pessoas com quem falou a pedido delas.

 

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