Boom do cobalto na RDC apanhou a Europa desprevenida?
Philipp Sandner
26 de novembro de 2024
O aumento da procura de matérias-primas para a electromobilidade deu à República Democrática do Congo (RDC) um novo poder de negociação, numa altura em que a Europa luta para garantir o abastecimento.
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A busca por matérias-primas para a electromobilidade coloca a RDC aos olhos do mundo devido a sua riqueza em recursos minerais, com destaque para o cobre e o cobalto.
Perto da cidade mineira de Kolwezi, a 7000 quilómetros a sul do país, encontramos Paul Zagabe Banze numa mina de cobre e cobalto.
Nas mãos segura dois pedaços de cobalto. O trabalho aqui é feito à mão. Zagabe e outros mineiros não sabem para que servem o cobre e o cobalto. "Os brancos compram-no. Nós vendemo-lo, mas não sabemos o que fazem com ele", conta.
O cobalto é um minério usado para a produção de baterias para telefones, computadores e veículos elétricos.
Dois terços da produção mundial de cobalto
Atualmente, a República Democrática do Congo é responsável por mais de dois terços da produção mundial de cobalto. A Europa está à procura deste recurso para alimentar a sua indústria.
A eurodeputada francesa Marie-Pierre Vedrenne, do grupo liberal Renovar a Europa defende um abastecimento conjunto. "A França, a Alemanha e toda a União Europeia (UE) devem atuar em conjunto para criar um abastecimento seguro e sustentável para a Europa."
Apesar da maior parte das reservas mundiais de cobalto estar no Congo, Cecilia Trasi, analista de energia e clima do grupo de reflexão europeu Bruegel, esclarece que "três quartos são processados na China. Por isso, se quisermos utilizar o cobalto, temos de nos virar para a China."
Celicia Trasi acrescenta que a China controla toda a cadeia de valor das matérias-primas, desde a extração, refinação e transformação, até à reciclagem.
Os métodos de extração que a China usa no Congo não criam valor acrescentado local, afirma a eurodeputada Marie-Pierre.
Cobalto no Congo: O preço da ganância
O Congo é o maior fornecedor mundial de cobalto, metal necessário para fabricar smartphones e carros elétricos. Mas o solo e a água já estão contaminados. A população está a adoecer e há casos de abortos e malformações.
Foto: Lena Mucha
O deserto contaminado de Kipushi
Perto da cidade de Kipushi, no sul do Congo, há um deserto artificial. Até à década de 1990 funcionava aqui uma mina. Vários quilómetros quadrados de solo estão contaminados: não cresce aqui nada há décadas. O rio também está poluído. Mas a mineradora canadiana Ivanhoe Kipushi quer explorar cobalto na região. Há casos frequentes de malformações congénitas em recém-nascidos, dizem médicos locais.
Foto: Lena Mucha
Malformações e nados-mortos
Nos hospitais locais, há cada vez mais casos de crianças que nascem com malformações, como lábio leporino e pé boto. Só no Hospital St. Charles Lwanga, em Kipushi, houve três casos de anencefalia em março. O feto não desenvolve o cérebro e geralmente o bebé morre logo após o nascimento. "Algo não está bem aqui, mas não temos dinheiro para pesquisas", conta Alain, que é ginecologista.
Foto: Lena Mucha
"É preciso educar as pessoas"
Um grupo de pesquisa interdisciplinar da Universidade congolesa de Lubumbashi está a trabalhar com a Universidade de Lovaina, na Bélgica, num projeto de investigação sobre a relação entre a exploração de cobalto e a saúde. "É preciso educar as pessoas para o que está a acontecer aqui. As toxinas tornam-nos doentes", diz Tony Kayembe, um dos membros do grupo de investigadores.
Foto: Lena Mucha
Partos prematuros
Dois bebés prematuros estão numa incubadora no Hospital St. Charles Lwanga, em Kipushi. "Suspeitamos que o elevado número de nascimentos prematuros nesta região está relacionado com a contaminação por metais como o cobalto," diz Tony Kayembe, investigador da Universidade de Lubumbashi e membro do grupo de pesquisa internacional. A maioria dos moradores de Kipushi trabalha nas minas de cobalto.
Foto: Lena Mucha
Crianças doentes
Adele Masengo tem cinco filhos. O marido trabalha numa mina de cobalto. A filha mais velha ficou cega aos 12 anos. Além de um aborto espontâneo, Adele teve um bebé com malformações, que morreu logo após o nascimento. Ainda não sabe se foi por causa do cobalto. "Quando os meus bebés nasceram, tiraram-lhes sangue, mas nunca conseguimos saber os resultados", diz.
Foto: Lena Mucha
Procura cada vez maior
O Congo é responsável por 60% da produção mundial de cobalto. Este metal raro é necessário para as baterias de lítio usadas em smartphones, computadores portáteis e carros elétricos. Por causa do rápido aumento da procura, os preços triplicaram nos últimos dois anos. Crianças, mulheres e homens que trabalham nas minas estão expostos a várias toxinas.
Foto: Lena Mucha
Em pleno "cinturão de cobre" africano
A GECAMINES é a maior empresa de mineração do Congo. Está localizada em Lubumbashi, a segunda maior cidade do país, no centro do chamado "cinturão de cobre" africano. Muitas grandes empresas internacionais instalaram-se aqui, na fronteira com a Zâmbia. Anualmente são produzidas 5000 toneladas de cobalto.
Foto: Lena Mucha
Água tóxica
Estes trabalhadores procuram cobalto e outras substâncias num rio contaminado. Para muitos, esta é a única fonte de rendimento. "Nós aqui quase não usamos a nossa água", diz um residente local. "A água deixa uma película estranha na pele. Quando lavo a minha roupa com esta água, ela depois desfaz-se. E até as batatas, que regamos com água, têm um sabor estranho."
Foto: Lena Mucha
Viver ao lado de uma refinaria
Mesmo ao lado da Congo Dongfang Mining (MDL) foi construída uma área residencial. A empresa chinesa está entre os maiores compradores de cobalto no Congo. Quando chove, os resíduos da refinaria da MDL em Lubumbashi chegam ao bairro vizinho de Kasapa. Os residentes queixam-se de graves problemas respiratórios e de pele, mas até agora a MDL ainda não respondeu às suas queixas.
Foto: Lena Mucha
Sem proteção
Um dermatologista examina um paciente no Hospital Universitário de Lubumbashi. A maioria dos mineiros no Congo trabalha sem roupas de proteção. Além de metais como cobalto, cobre e níquel, muitas vezes também há urânio nas rochas. E os moradores estão igualmente expostos ao pó.
Foto: Lena Mucha
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Isso cria uma desconfiança contra todos que se interessam e explorar os recursos naquele país, diz Simon Tuma Waku.
"É o que está a acontecer agora. Todos estes países africanos estão a dizer: agora é preciso ter em conta os nossos desejos. Mesmo que nos ajudem, nos dêem dinheiro ou o que quer que seja: não nos imponham o que acham que é melhor para nós", diz.
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Esforços para regulamentar indústria
E a RDC está a dar grandes passos. Durante o reinado de Joseph Kabila, o antecessor do atual Presidente Félix Tshisekedi, aumentaram os esforços para regulamentar a indústria mineira, explica Tuma Waku.
"Tomámos uma decisão privatizar o setor mineiro para o salvar do declínio, porque o Estado não estava a ter grandes lucros", recorda.
A Europa quer continuar a ser um ator importante no Congo, através da construção de novas estradas e linhas eléctricas, ligar a cidade mineira de Kolwezi ao Lobito, em Angola.
Jutta Urpilainen, ex-Comissária da UE para as Parcerias Internacionais, tem uma justificação para este investimento. "É importante compreender que o mundo em que vivemos está cada vez mais interligado. O que acontece em África também tem impacto nas nossas vidas na Europa", afirma.
Jutta realça ainda que é importante para a Europa "investir na cooperação para o desenvolvimento, continuar a liderar o financiamento climático e do desenvolvimento humano e do investimento global."