Avaliação do risco de Angola manipulada em nome da corrupção
4 de julho de 2019
Ex-ministro das Finanças do Brasil revelou que nota de Angola foi rebaixada para permitir que BNDES aumentasse empréstimos à Odebrecht no país africano. Analista vê com pessimismo combate à corrupção em Angola.
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A manipulação terá sido feita em troca de recursos para campanhas eleitorais. O ex-ministro das Finanças deu a conhecer a situação durante uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada pelo Congresso Nacional brasileiro para investigar o uso do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES) para alimentar o esquema de corrupção durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil.
António Palocci ocupou a pasta das Finanças no Governo do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e da Casa Civil, no Governo da Presidente cassada Dilma Rousseff.
Sobre o suposto caso de corrupção,a DW África conversou com o coordenador do Centro de Debates e Estudos Académicos de Angola, Agostinho Sikatu.
DW África: Como avalia essa denúncia?
Agostinho Sikatu (AS): Para Angola, isso já não é novidade. Sabe-se que a Odebrecht estava envolvida em projetos naquela altura, entre 2008 e 2012, e sabia-se perfeitamente que grande parte das obras foi cedida em função dos esquemas que o Governo angolano havia concebido a esta empresa em troca de dinheiro. E esse dinheiro serviu para financiar a campanha eleitoral [do MPLA, partido no poder].
DW África: E os documentos apontam para uma ausência de critérios com vista ao rebaixamento de risco antes de conceder o crédito e a falta de auditoria para fiscalizar a aplicação do dinheiro. O que Angola deveria fazer para evitar situações desse tipo?
Avaliação do risco de Angola manipulada em nome da corrupção
AS: Em condições normais, as instituições de Angola deviam ter de funcionar. Era criteriosamente às empresas ao concederem os empréstimos ou não ter de seguir à risca os critérios internacionais no mesmo domínio. O que aconteceu foi que grande parte das decisões foi tomada externamente, porque em Angola houve uma altura em que a lei era para o pobre, praticamente não funcionava. E quem não trabalhasse com a corrupção era tido como alguém fora do normal. Eram as altas patentes, os políticos de alta hierarquia, daí que qualquer instituição que pudesse acionar qualquer mecanismo dia seguinte via-se logo a braços com situações graves. Nós estamos lembrados que a dada altura o próprio Parlamento foi obrigado, na base de um acórdão, a ter de suspender a fiscalização aos atos do Governo, exatamente por causa disto.
DW África: O combate à corrupção entre Governo e empresas é aspecto muito forte no Brasil neste momento. O senhor acha que o mesmo está a ocorrer em Angola?
AS: Em relação à Angola, houve a mudança no método. Ao contrário do Brasil, em Angola, grande parte dos empresários é de políticos e grande parte dos corruptores de ontem é formada pelos mesmos governantes de hoje, os que detêm o poder financeiro. Então, fica difícil nessa condição aplicar o método que se está a aplicar agora. Não há absolutamente ninguém, na verdade, são muito poucos os que se salvam do Governo anterior. Daí que tudo não passa de retórica. O novo Governo já tem dois anos e, praticamente, na realidade não se fez absolutamente nada. Logo, há uma promiscuidade entre o Judiciário, o Político e o Económico.
DW África: Os negócios da Odebrecht em Angola estão a ser alvo de questionamento. Qual deveria ser o posicionamento da justiça angolana em relação à construtora brasileira?
AS: A justiça angolana tem de ser mais dura com os negócios dessa construtora. Deve investigar ao pormenor cada negócio, cada projeto, se os moldes foram transparentes devem continuar, porque não? E se os negócios não foram transparentes deve acionar mecanismos legais necessários para que todos sejam sacrificados, ainda que tivesse de fechar empresas e prender pessoas, para o bem da justiça. Mas, pelo o que parece, não é possível por uma razão: a Odebrecht e a Sonangol foram apenas veículos de transação, de transferência de dinheiro de forma ilícita para financiar interesses. Assim, as instituições angolanas são chamadas para poder acionar. Na verdade, não acionaram anteriormente, por causa do casamento de promiscuidade que tiveram com instituições do Estado.
Lula da Silva: de Presidente a presidiário
Luiz Inácio Lula da Silva foi o primeiro operário a tornar-se Presidente do Brasil. Relembramos a ascenção e a queda deste político brasileiro, condenado a 12 anos de prisão por corrupção no âmbito da Operação Lava Jato.
Foto: Reuters/N. Doce
1975: Lula, o sindicalista
Em 1975, Lula foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, duas cidades da zona do "ABC paulista" nos arredores de São Paulo, maior cidade da América do Sul. Lula ganhou projeção nacional como líder de uma série de greves no final da década. Em 1980, foi preso e processado com base na Lei de Segurança Nacional após uma paralisação que durou 41 dias.
Foto: Instituto Lula
1980: Fundador do Partido dos Trabalhadores
A 10 de fevereiro de 1980, Lula fundou o Partido dos Trabalhadores (PT) com apoio de inteletuais e sindicalistas. Em maio do mesmo ano, ao sair da prisão, foi eleito o primeiro presidente do partido. Mais tarde, o PT tornou-se o partido mais influente do Brasil. Em 1982, Lula concorreu sem sucesso ao cargo de governador do estado de São Paulo. Porém, em 1986, foi eleito deputado federal.
Foto: Getty Images/AFP/C. Petroli
1989: Primeira campanha presidencial
O PT lançou a candidatura de Lula nas primeiras eleições presidenciais diretas do Brasil após o fim do regime militar. Com uma imagem de operário e um discurso de esquerda, Lula provocou temor em muitos setores da economia, que se alinharam com o candidato da direita, Fernando Collor de Mello. Lula foi derrotado no segundo turno, depois de acusações de manipulação da imprensa em favor de Collor.
Foto: picture-alliance/dpa/R. Gostoli
1994: Segunda campanha presidencial
Após denúncias de irregularidades, Lula lançou, em 1991, o movimento "Fora Collor". Um ano mais tarde, Collor foi deposto pelo Congresso como Presidente e Itamar Franco assumiu o cargo. Em 1994, Lula concorreu novamente à Presidência, mas foi derrotado na primeira volta por Fernando Henrique Cardoso, que como ministro das Finanças tinha conseguido diminuir a inflação através do "Plano Real".
Foto: Getty Images/AFP/A. Scorza
1998: Terceira campanha presidencial
Em 1998, Lula sofreu uma das suas piores derrotas eleitorais. O petista teve como candidato a vice-Presidente Leonel Brizola, do partido PDT, um dos seus rivais na eleição de 1989, com quem disputava a hegemonia na esquerda brasileira. A fórmula não deu certo. Lula obteve só 31% dos votos; nem sequer chegou à segunda volta. O então Presidente Fernando Henrique Cardoso do PSDB foi reeleito com 53%.
Foto: picture alliance/AP Photo/R. Gostoli
2002: Quarta campanha presidencial
O eterno candidato assumiu finalmente a Presidência após uma vitória nas eleições de 2002. Lula foi eleito com 61% dos votos na segunda volta e assumiu o poder em janeiro de 2003. Na campanha, o PT conseguiu vender uma imagem mais moderada do petista – simbolizada no slogan "Lulinha, paz e amor" – com o objetivo de acalmar os mercados financeiros e ampliar o eleitorado do partido.
Foto: O. Kissner/AFP/Getty Images
2005: O escândalo do mensalão
Em 2005, o Governo Lula foi atingido em cheio pelo escândalo de compra de votos de deputados, o "mensalão". Mesmo assim, Lula sobreviveu à crise. Outros, como o ministro José Dirceu, uma das figuras fortes do seu Governo, caíram em desgraça. No início, Lula afirmou que assessores o haviam "apunhalado", mas depois mudou o discurso e disse que o caso era uma invenção da oposição e da imprensa.
Foto: picture alliance / dpa / picture-alliance
2006: Quinta campanha presidencial
Em 2006, Luiz Inácio Lula da Silva é reeleito na segunda volta com mais de 60% dos votos válidos e venceu contra Geraldo Alckmin do PSDB. Apesar do "mensalão", chave para a vitória foram os programas sociais como a "Bolsa Família", que garantiu um rendimento mínimo a brasileiros pobres. Quase 28 milhões de brasileiros saíram da pobreza nos oito anos do Governo Lula, segundo um balanço de 2010.
Foto: Vanderlei Almeida/AFP/Getty Images
2006: Grande popularidade no nordeste
Nas eleições de 2006, Lula ganhou principalmente graças aos votos no nordeste do Brasil, uma das zonas mais pobres do país. Como filho de uma família do Estado de Pernambuco, ele representou o sonho de muitos nordestinos de ascensão social. Por exemplo, Lula conseguiu 78% dos votos em Pernambuco, mas não teve maioria no estado de São Paulo com apenas 48% dos votos na segunda volta.
Foto: DW/N. Pontes
2010: Economia em alta
Após as turbulências no final do Governo Fernando Henrique Cardoso, a economia brasileira voltou a crescer com Lula, sobretudo graças ao boom de recursos naturais como o ferro e a soja. Foi o período da descoberta de mais petróleo offshore no chamado "Pré-Sal" e investimentos em grandes obras de infraestrutura. O crescimento médio do PIB no segundo mandato chegou a 4,6%.
Foto: AP
2010: Dilma Rousseff é a sucessora
Logo após ser reeleito, Lula começou a preparar a sua sucessão, pois, segundo a Constituição, não há mais de dois mandatos consecutivos. Como sucessora escolheu a sua então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, uma tecnocrata sem experiência nas urnas. Nos três anos seguintes, Lula promoveu a imagem de Dilma junto dos brasileiros. A estratégia funcionou e ela foi eleita em 2010.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/EBC
2011: Luta contra o cancro
Em outubro de 2011, Lula foi diagnosticado com cancro na laringe, sendo submetido a um tratamento. Pela primeira vez desde 1979, apareceu sem barba. Exames apontaram a remoção completa do tumor cerca de cinco meses depois, e Lula voltou a participar nas campanhas do PT. Uma das grandes vitórias eleitorais de 2012 foi a de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo.
Foto: AFP/Getty Images
2016: Lula e a Operação Lava Jato
Em março de 2016, Lula foi alvo de um "mandado de condução coercitiva" pela Operação Lava Jato, que investiga o escândalo de corrupção na Petrobras, companhia estatal de petróleo. O ex-Presidente foi levado para depor sobre um imóvel em Atibaia, um triplex no Guarujá e a sua relação com empreiteiras investigadas na Lava Jato. A Polícia Federal procurou provas na sua residência e no seu instituto.
Foto: Reuters/P. Whitaker
2016: Réu em diferentes processos
Nos meses seguintes, Lula foi denunciado por uma série de crimes, como corrupção passiva, lavagem de dinheiro, obstrução da Justiça e tráfico de influência, tornando-se réu em cinco processos diferentes. O petista desmentiu sempre as acusações, negou a prática de crimes e disse ser vítima de perseguição política. Lula também nega ser proprietário dos imóveis que foram investigados.
Foto: picture-alliance/abaca
2016: Impeachment de Dilma Rousseff
Em outubro de 2014, Dilma Rousseff conseguiu ser reeleita. Mas em maio de 2016, foi afastada do cargo devido a um processo de impeachment movido contra ela a seguir à Operação Lava Jato. Dilma teve o seu mandato definitivamente cassado em agosto de 2016. O vice Michel Temer, do partido PMDB, assumiu a Presidência e governou com ministros de direita.
Foto: Reuters/J. Marcelino
2017: Depoimento como réu
Em maio de 2017, o ex-Presidente apresentou-se pela primeira vez como réu perante o juiz Sérgio Moro. Num depoimento prestado em Curitiba, Lula voltou a negar as acusações e alegou estar a ser perseguido politicamente. Exigiu ainda a apresentação de provas de que seja dono dos imóveis em Guarujá e Atibaia. O interrogatório foi o último passo antes da sentença dentro da Operação Lava Jato.
Foto: Abr
2017: Lula é condenado
Lula foi condenado pela primeira vez em 12 de julho de 2017. A sentença do juiz Sérgio Moro determinou 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Foi a primeira vez que um ex-Presidente foi condenado por corrupção no Brasil. Lula apresentou recurso e viu a sua sentença confirmada e agravada para 12 anos de prisão na segunda instância, em janeiro de 2018.
Foto: picture alliance/AP/E. Peres
2018: Prisão para Lula
Lula recorreu para a terceira instância e, mesmo condenado na segunda, Lula não perdeu imediatamente o direito de se candidatar às eleições presidenciais de 2018, como planeado pelo PT. Mas, em abril de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil negou um recurso de Lula, que pretendia ficar em liberdade até à decisão final. Assim torna-se quase impossível uma candidatura dele.