Nkurunziza diz que só fica até 2020, oposição duvida
Eric Topona | rl | AP | AFP
8 de junho de 2018
O Presidente do Burundi, Pierre Nkurunziza, promete que não concorrerá a outro mandato em 2020, apesar de nova Constituição permitir que ele fique mais tempo. Mas oposição não acredita nas palavras do chefe de Estado.
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"O nosso mandato chega ao fim em 2020", afirmou o Presidente Pierre Nkurunziza esta quinta-feira (07.06) durante a cerimónia de promulgação da nova Constituição, que passa a permitir que permaneça no poder até 2034.
Nkurunziza disse ainda que está preparado para deixar o poder e apoiar o novo Presidente que o sucederá em 2020. O anúncio surpreendeu.
Gaston Sindimwo, primeiro vice-Presidente do Burundi, diz que o chefe de Estado está a ser sincero, e que é um "homem de palavra".
"A revisão da Constituição não tem nada a ver com o Presidente. São leis que são aplicáveis tanto pelo atual como pelo futuro Presidente", disse Sindimwo.
Oposição não acredita
O anúncio de Nkurunziza chega cerca de duas semanas depois da realização de um referendo no país em que mais de 73% dos 4,7 milhões de eleitores do Burundi aprovaram alterações na Constituição, dando aval ao alargamento dos mandatos presidenciais de cinco para sete anos.
Mas Pancras Cimpaye, porta-voz da principal plataforma que reúne toda a oposição no exílio, CNARED, diz que a palavra de Nkurunziza "não vale nada".
"Ele não se pode redimir quando acaba de enterrar o Acordo de Paz e Reconciliação de Arusha. Se ele estivesse com boas intenções não teria assinado essa Constituição que tem tantos perigos associados", afirma. "Esta Constituição é uma declaração de guerra ao povo do Burundi. Este anúncio é só para acalmar a imprensa e ganhar tempo. Para nós, isto é um não-evento."
Nkurunziza diz que só fica até 2020, oposição duvida
Nkurunziza: Um homem "nunca muda a sua palavra"
A promulgação da nova Constituição é também denunciada por Louis Michel, deputado do grupo da Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa no Parlamento Europeu: "É grotesca. Não responde a nenhum Estado de Direito. No Burundi, os direitos humanos não são respeitados. Há pessoas a ser massacradas e mortas. Não há democracia. Para além disso, a nova Constituição não respeita o Acordo de Arusha", diz.
Recentemente, o partido no poder, o CNDD-FDD, disse que Pierre Nkurunziza é "o eterno líder supremo" do Burundi.
No entanto, no discurso desta quinta-feira, o atual Presidente rejeitou ser essa a sua intenção: "Um homem pode mudar de posição na cama, mas nunca a sua palavra", afirmou.
Ainda assim, muitos observadores continuam a questionar o que estará por trás deste anúncio inesperado do chefe de Estado do Burundi.
Burundi: Cronologia de uma longa crise
Os burundeses vão esta quinta-feira às urnas para um referendo contestado, que poderá permitir que o Presidente Nkurunziza fique no poder até 2034. Uma pretensão que resultou numa crise política que já dura há três anos.
Foto: picture-alliance/D. Kurokawa
Clima tenso na véspera do referendo
A 17 de maio de 2018, os burundeses vão às urnas para decidir se o Presidente Pierre Nkurunziza poderá permanecer no cargo até 2034. O clima no país é tenso. Em 2015, houve protestos quando Nkurunziza anunciou que iria concorrer a mais um mandato. Segundo a ONU, pelo menos 1.200 pessoas morreram durante os distúrbios.
Foto: picture-alliance/D. Kurokawa
Mais um mandato para Nkurunziza?
Em abril de 2015, o Presidente Pierre Nkurunziza ocupava o cargo há apenas alguns meses. A lei do Burundi estipula que um Presidente pode exercer funções durante dois mandatos, o que significa que Nkurunziza teria de deixar o poder. O chefe de Estado, no entanto, anunciou que iria voltar a concorrer.
Foto: Getty Images/AFP/F.Guillot
Violência antes das eleições de 2015
Em resposta, as ruas de Bujumbura encheram-se de protestos. Em maio de 2015, as manifestações transformaram-se em crise política. Uma tentativa de golpe militar foi rapidamente anulada. A polícia e as forças de segurança reprimiram os manifestantes e, em resposta, opositores ao governo atacaram as autoridades. Surgiram relatos de brutalidade e tortura por parte de vários detidos.
Foto: Reuters/T. Mukoya
Presidenciais controversas
Os burundeses foram às urnas a 21 de julho de 2015. Poucos dias depois, Pierre Nkurunziza foi declarado vencedor. Os resultados foram os esperados, já que a oposição boicotou a votação. Agathon Rwasa, líder da oposição, inicialmente recusou-se a aceitar os resultados. Porém, pouco tempo depois, pediu um governo de unidade nacional, para desilusão de outros críticos do governo.
Foto: DW/K. Tiassou
Críticos do governo sob ameaça
Nos meses seguintes, foram recorrentes as ameaças de morte e tentativas de assassinato de membros da oposição, críticos, mas também funcionários do governo. O chefe de segurança de Nkurunziza, Adolphe Nshimirimana, e o ativista de direitos humanos Pierre-Claver Mbonimpa (na foto) foram dois dos casos. Mbonimpa sobreviveu após ser baleado pelo menos quatro vezes, mas perdeu o filho e o genro.
Foto: DW/D. Kiramvu
Situação agudiza-se
A 11 de dezembro de 2015, opositores atacaram quatro bases militares em Bujumbura. Um dia depois, as tropas do exército invadiram redutos de opositores na capital. Mais de 100 pessoas terão morrido durante os confrontos. Moradores falam em dezenas de mortes. A União Africana ofereceu-se para enviar tropas de paz para o país, mas Nkurunziza recusou qualquer intervenção.
Foto: Reuters/J.P. Aime Harerimana
Fugir à crise
"Não podemos ignorar uma crise desta dimensão", declarou em finais de 2015 Adama Dieng, o conselheiro especial das Nações Unidas para a prevenção do genocídio. Nessa altura, a crise humanitária atingia níveis alarmantes. Atualmente, quase 400 mil refugiados do Burundi vivem ainda fora do país.
Foto: DW/M. El Dorado
Conversações falham
Em janeiro de 2016, a União Africana tentou mediar as conversações entre o governo e a oposição. No entanto, a conferência em Arusha, na vizinha Tanzânia, foi adiada repetidas vezes. Quando as negociações começaram em maio, uma grande coaligação de oposição, a CNARED, foi excluída e as negociações foram consideradas uma farsa desde o início.
Foto: DW/C. Ngereza
Uma paz frágil
Com o passar do tempo, a vida voltou à normalidade nas ruas de Bujumbura, mas as queixas políticas continuaram a ser as mesmas. Em setembro de 2016, investigadores da ONU anunciaram provas de graves violações dos direitos humanos, incluindo tortura e assassinatos por parte de membros do Estado. Os investigadores também alertaram para a crescente tensão étnica.
Foto: Getty Images/AFP
Reformas constitucionais
Entretanto, o governo de Nkurunziza planeava mudancas constitucionais. Em agosto de 2016, uma comissão governamental propôs mudanças na Constituição para eliminar os limites do mandato presidencial. O próprio Pierre Nkurunziza deu a entender que estava a considerar concorrer a um quarto mandato em 2020.
Foto: DW/A. Niragira
Milícia aterroriza população
No início de 2017, a situação política continuava tensa. A ala juvenil da milícia pró-governamental Imbonerakure continuou a espalhar o medo entre o povo. Apesar da pressão internacional e das sanções da União Europeia, a postura de Nkurunziza continuou inalterada.
Foto: Getty Images/AFP/C. de Souza
Um caso para o TPI?
Em novembro de 2017, o Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, Holanda, iniciou uma investigação sobre supostos crimes contra a humanidade no Burundi. O governo foi acusado de perpetrar um ataque generalizado e sistemático contra civis. Um mês antes, o Burundi foi o primeiro país africano a retirar-se do TPI e do Estatuto de Roma.
Foto: picture-alliance/AP Photo/J. Delay
Massacre antes do referendo
A 11 de maio de 2018, homens armados desconhecidos atacaram residentes na província de Cibitoke. Pelo menos 26 pessoas morreram. O governo acusou "terroristas" da vizinha República Democrática do Congo pelo ataque. O incidente ocorreu poucos dias antes do referendo constitucional de 17 de maio, que poderá permitir que Nkurunziza continue no cargo até 2034.