Burundi: O que é que Nkurunziza fez pelo seu povo?
Fred Muvunyi | Gustav Hofer
13 de março de 2018
Presidente quer mudar a Constituição e manter-se no poder até 2034. Enquanto isso, a crise no país intensifica-se. Ativista Pierre Mbonimpa pede justiça e respeito por direitos humanos.
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Fora do Burundi, nem toda a gente conhecerá Pierre Claver Mbonimpa. Já no seu país de origem, e para quem está ligado à luta pelos direitos humanos, o nome Mbonimpa não é indiferente. Prova disso são os prémios e certificados espalhados pela sala da sua casa. Foram atribuídos por organizações de direitos humanos e governos internacionais, em reconhecimento do seu incansável trabalho em prol dos direitos humanos no Burundi.
A luta de Mbonimpa quase lhe custou a vida. Em agosto de 2015, um atirador numa mota disparou quatro vezes à queima-roupa contra o ativista. Foi atingido na cara e no pescoço, mas sobreviveu e foi evacuado para receber tratamento em Bruxelas.
Os assassinos não desistiram. Mataram o seu filho de 24 anos, Welly, bem como o genro, Pascal. Mbonimpa ainda recuperava no hospital, em Bruxelas, quando recebeu a notícia da morte do filho. "Sinto a falta do meu filho e do meu genro, mas também sinto falta das outras milhares de pessoas que foram assassinadas", disse Mbonimpa à DW. Não ter podido despedir-se do filho foi um golpe: "Liguei a alguns amigos e pedi-lhes que dessem um funeral digno ao meu filho. Era tudo o que podia fazer", lamenta.
O homem que tentara matar Mbonimpa era um amigo de longa data da família e trabalhava para os serviços secretos do país. Acabaria por ser assassinado mais tarde. Já os assassinos do filho estão vivos e suspeita-se que sejam próximos do Presidente Pierre Nkurunziza.
Presidente sedento de poder
Nkurunziza, que está no poder desde 2005, foi reeleito para um terceiro mandato em 2015, apesar de a Constituição definir um limite de dois. A relutância de Nkurunziza em sair do poder gerou mais violência no país. De acordo com o Tribunal Penal Internacional (TPI), entre Abril de 2015 e Maio de 2017, mais de 1.200 pessoas morreram e 400.000 fugiram para os países vizinhos.
Tal como Mbonimpa, o jornalista Antoine Kaburahe encontra-se também exilado para escapar ao mandado de captura que o Governo de Nkurunziza emitiu contra ele. É acusado de ter colaborado com generais do exército que, alegadamente, tentaram um golpe para retirar o chefe de Estado do poder.
O seu verdadeiro crime foi dizer a verdade sobre aqueles que estão no poder, afirma. "Não sou um criminoso. Sou apenas um jornalista. Não cometi nenhum crime contra o meu país", disse Kaburahe à DW. A sua organização noticiosa, Iwacu, opôs-se abertamente contra o terceiro mandato do Presidente: "Amo o meu país e tenho o direito de falar sobre o meu país. Tenho o direito de expressar o meu desagrado sobre a forma como o meu país é governado".
Kaburahe escreveu o livro "Still Standing", uma biografia sobre o ativista Mbonimpa. Na obra, o jornalista descreve Mbonimpa como um monumento vivo, uma memória para ser guardada e preservada. O livro fala de "coragem", conta. "Ser forte apesar dos problemas, apesar das mortes, apesar dos desgostos. Ele ultrapassou tudo e não guarda rancor", diz Kaburahe sobre Mbonimpa.
Uma nova Constituição num país em crise?
Três anos depois, Mbonimpa recuperou. Mas a situação no seu país piora política e economicamente. A vulnerabilidade do povo do Burundi "é perpetuada pela situação socioeconómica mas também pelo aumento dos desastres naturais", explica Garry Conille, representante do Programa de Desenvolvimento da ONU (UNDP) no Burundi. "Uma análise das necessidades humanitárias do país demonstra que 3.6 milhões de pessoas, um terço da população do Burundi, necessitará de assistência humanitária este ano. É um aumento de cerca de 20 por cento em relação ao ano anterior", acrescentou Conille.
São precisos cerca de 141 milhões de dólares (115 milhões de euros) para fazer face a estas necessidades, estima o UNDP. O Burundi é um dos países mais pobres do mundo e carece de estabilidade cambial, combustível e alimentos.
Milhares de pessoas já foram assassinadas e muitas mais estão exiladas. A União Africana (UA) continua a não dar uma resposta forte em relação à situação no Burundi. "A questão está nas mãos da Comunidade da África Oriental (CAO). Portanto, as coisas serão geridas nesse nível", disse o presidente da UA à DW.
A CAO é a organização de países composta pelo Ruanda, Uganda, Tanzania, Quénia, Sudão do Sul e o Burundi. Muitos dos ativistas dos direitos humanos temem que nenhum dos Estados-membros tenha coragem de enfrentar o Presidente Nkurunziza.
Enquanto a comunidade internacional pouco se pronuncia, Nkurunziza aproveitou a oportunidade. Foi proposta uma revisão da Constituição que, se aceite pelo eleitorado, manterá o Presidente no cargo até 2034. A população vota o referendo à alteração da Constituição em maio de 2018.
"O que é que Nkurunziza fez pelo seu povo? Apenas os matou. As pessoas têm medo e a população está a morrer de fome", disse Mbonimpa à DW. Como todos os partidos da oposição, o ativista opõe-se ao referendo. Para Mbonimpa, a emenda à Constituição anula o Acordo de Paz de Arusha do ano 2000, que levou ao fim a longa guerra civil que vitimou mais de 300.000 cidadãos do Burundi.
Burundi: uma cronologia da crise
Em julho de 2015, o Presidente Pierre Nkurunziza candidatou-se a um terceiro mandato, dando espaço a uma profunda instabilidade no país. Possível solução da crise, que já deixou milhares de mortos, não está à vista.
Foto: Getty Images/AFP/C. Ndegeya
Julho de 2015: eleições tensas
O anúncio em abril de que o Presidente do Burundi, Pierre Nkurunziza, concorreria a um terceiro mandato à revelia da Constituição, gerou um confronto amargo entre apoiantes e opositores do governo. Em três meses, mais de 80 pessoas foram mortas. Muitos dissidentes e jornalistas deixaram o país. As eleições em 21 de julho de 2015 foram boicotadas pela oposição.
Foto: Reuters/E. Benjamin
Julho de 2015: Agathon Rwasa – um perdedor?
Em 24 de julho, foi anunciado que o líder da oposição, Agathon Rwasa, perdera as eleições. Nkurunziza foi escolhido como novo Presidente com 69% dos votos. Dias depois, Rwasa foi nomeado vice-presidente da Assembleia Nacional. Antigos aliados apelidaram-no de "traidor".
Foto: Reuters/M. Hutchings
Agosto de 2015: general é morto
Em 1 de agosto, o general Adolphe Nshimirimana, responsável pela segurança pessoal do Presidente, foi morto num atentado na capital Bujumbura. A União Europeia demonstra preocupação com a "perigosa escalada de violência" e pede "contenção" e retomada do diálogo. Em provável retaliação à morte do general, o ativista Pierre-Claver Mbonimpa foi alvo de uma tentativa de assassinato em 3 de agosto.
Novembro de 2015: tensões entre Burundi e o Ruanda
Desde o início da crise, milhares de cidadãos do Burundi refugiaram-se no Ruanda. Em 6 de novembro, o Presidente do Ruanda, Paul Kagame, criticou a situação de violência e instabilidade no país vizinho. "Vocês devem tirar lições do que aconteceu no Ruanda", declarou em referência ao genocídio de 1994. Nkurunziza acusa o governo ruandês de recrutar burundeses para causar mais problemas.
Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Kagire
Dezembro de 2015: escalada da violência
Em 12 de dezembro, mais de 100 pessoas foram mortas em confrontos. Os assassinatos de autoria desconhecida seriam uma resposta aos ataques coordenados contra três bases militares no dia anterior. "Quando um conflito irrompe em grande escala, não podemos fingir que nada aconteceu", afirmou Adama Dieng, relator especial das Nações Unidas sobre prevenção do genocídio.
Foto: Reuters/J.P. Aime Harerimana
Dezembro de 2015: novo movimento rebelde
Um dia antes do Natal, o ex-oficial do exército Edouard Nshimirimana proclamou a formação de um novo grupo rebelde. As "Forças Republicanas do Burundi" têm o objetivo de derrubar Nkurunziza. O militar acusou o Presidente de utilizar a força e de colocar a polícia e o exército um contra o outro.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Pfister
Dezembro de 2015: tentativas de mediação
O Presidente do Uganda, Yoweri Museveni, inaugurou em 28 de dezembro negociações de paz entre a oposição e o governo do Burundi. A União Africana decidiu enviar oito mil soldados ao país. Nkurunziza recusa-se a dialogar com a CNARED, a coligação da oposição. A ONU anunciou a abertura de investigações para apurar alegadas violações de direitos humanos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Wandera
Abril de 2016: ONU denuncia tortura
O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad Al Hussein, denunciou a prática de tortura rotineira nas prisões do Burundi. Desde o início do ano, foram 354 casos. O Governo do Burundi deve "acabar com as práticas inaceitáveis e ilegais imediatamente", afirmou Al Hussein.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Campardo
Maio de 2016: CNARED de fora
Em 21 de maio, começam as negociações de paz em Arusha, na Tanzânia. O ex-presidente tanzaniano, Benjamin Mkapa, atua como mediador. A coligação de grupos da oposição CNARED não é convidada, sob pena de o Governo do Burundi deixar as conversações.
Foto: Getty Images/AFP/T. Karumba
Junho de 2016: críticos pagam preço elevado
Em 3 de junho, onze estudantes da cidade de Muramvya foram presos por rabiscar uma foto de Nkurunziza num livro escolar. O caso gerou revolta entre ativistas de direitos humanos. Anteriormente, 300 alunos já tinham sido expulsos das aulas em Ruziba pelo mesmo motivo.
Foto: DW
Julho de 2016: ex-ministra é morta
A morte de Hafsa Mossi, ex-ministra e confidente do presidente Nkurunziza, em 13 de julho, cria ainda mais tensão no Burundi. A ex-jornalista era membro do partido no poder, CNDD-FDD, e trabalhou como assessora de comunicação para o chefe de Estado. Pela primeira vez, um político do alto escalão do governo é assassinado em Bujumbura.
Foto: Reuters/E. Ngendakumana
Julho de 2016: um assento vazio em Kigali
A crise no Burundi foi um dos temas de discussão da 27ª Cimeira da União Africana, realizada em Kigali, no Ruanda. A delegação do Burundi não participou nas discussões, porque pediu licença pouco antes da reunião. Os chefes de governo e de Estado da União Africana não chegaram a um acordo sobre a imposição de sanções. Falta vontade de Nkurunziza para negociar a saída do impasse.