Burundi rejeita inquérito sobre crimes contra humanidade
Lusa | Reuters | AFP | tms
11 de novembro de 2017
Ministério da Justiça burundês recusa qualquer colaboração com o Tribunal Penal Internacional e diz que investigação viola tratado. Governo é acusado de perseguir opositores.
A ministra da Justiça, Aimée Laurentine Kanyana, referiu que "jamais" será prestada colaboração ao TPI, sublinhando que o Burundi "não está vinculado à decisão", publicada na quinta-feira (09.11) pelo órgão judicial, por não ser mais membro do Estatuto de Roma, subscrito por 122 nações, para a criação do tribunal.
"O Burundi rejeita esta decisão, lembrando que se retirou do Estatuto de Roma, depois de 27 de outubro de 2017", acrescentou a ministra da Justiça, em comunicado lido à imprensa nesta sexta-feira (10.11), acrescentando que a abertura do inquérito viola aquele tratado internacional e o direito internacional.
Crimes contra a humanidade
A 25 de outubro, o TPI "autorizou o procurador a abrir um inquérito sobre os crimes supostamente cometidos pelas forças de segurança do Burundi ou por cidadãos do país no exterior, depois de 26 de abril de 2015 até 26 de outubro de 2017".
A investigação será conduzida pela procuradora Fatou Bensouda. O TPI diz que, de acordo com o direito internacional, ainda tem jurisdição sobre crimes cometidos até 27 de outubro deste ano, quando o Burundi ainda era membro do tribunal. A procuradora ressalta que existem evidências para acreditar que "os membros das forças de segurança do país, bem como membros da Imbonerakure, a ala da jovem do partido no poder, realizaram um ataque deliberado contra civis".
O país mergulhou num clima de instabilidade, depois de o Presidente Pierre Nkurunziza ter anunciado, em 2015, a recandidatura a um terceiro mandato e de ter sido eleito, num ato eleitoral boicotado pela oposição.
A violência ganhou uma dimensão preocupante, provocando entre 500 mortos, de acordo com a ONU, e duas mil vítimas, segundo organizações não-governamentais.
A crise provocou também o desaparecimento de muitas pessoas e as ações de tortura, além de mais de 400 mil cidadãos do Burundi se terem exilado.
"Repressão sanguinária"
O Burundi revelou que o facto de ter conhecimento da abertura do inquérito pela comunicação social confirma "a politização dos direitos humanos e da Justiça internacional, bem como a tentativa de desestabilizar os países africanos pelas forças neocolonialistas".
A decisão do TPI foi bem recebida por um grupo internacional de advogados de vítimas dos alegados crimes cometidos no Burundi.
"O Governo do Burundi acredita que escapou à Justiça internacional ao retirar-se do TPI. Esta decisão de abrir um inquérito é uma grande vitória para a população do Burundi", disse à France-Presse o advogado Armel Niyongere, que salienta haver "uma esperança de ter um julgamento sobre violações graves e em massa dos direitos humanos".
O dirigente da Ndondeza ("Ajude-me a encontrar o meu ente querido"), Pacific Nininahazwe, que se encontra exilado, notou que a abertura da investigação "não é mais do que uma etapa" e frisou que "o sofrimento do povo continua com uma repressão sanguinária".
Charles Nditije, o chefe exilado da plataforma da oposição CNARED, chamou a investigção de "uma vitória para a justiça, para aqueles que querem o retorno da paz e do Estado de direito ao Burundi".
O Burundi tornou-se o primeiro país a deixar o TPI, criado há 15 anos em Haia, na Holanda, para julgar os autores de atrocidades no mundo.
Burundi: uma cronologia da crise
Em julho de 2015, o Presidente Pierre Nkurunziza candidatou-se a um terceiro mandato, dando espaço a uma profunda instabilidade no país. Possível solução da crise, que já deixou milhares de mortos, não está à vista.
Foto: Getty Images/AFP/C. Ndegeya
Julho de 2015: eleições tensas
O anúncio em abril de que o Presidente do Burundi, Pierre Nkurunziza, concorreria a um terceiro mandato à revelia da Constituição, gerou um confronto amargo entre apoiantes e opositores do governo. Em três meses, mais de 80 pessoas foram mortas. Muitos dissidentes e jornalistas deixaram o país. As eleições em 21 de julho de 2015 foram boicotadas pela oposição.
Foto: Reuters/E. Benjamin
Julho de 2015: Agathon Rwasa – um perdedor?
Em 24 de julho, foi anunciado que o líder da oposição, Agathon Rwasa, perdera as eleições. Nkurunziza foi escolhido como novo Presidente com 69% dos votos. Dias depois, Rwasa foi nomeado vice-presidente da Assembleia Nacional. Antigos aliados apelidaram-no de "traidor".
Foto: Reuters/M. Hutchings
Agosto de 2015: general é morto
Em 1 de agosto, o general Adolphe Nshimirimana, responsável pela segurança pessoal do Presidente, foi morto num atentado na capital Bujumbura. A União Europeia demonstra preocupação com a "perigosa escalada de violência" e pede "contenção" e retomada do diálogo. Em provável retaliação à morte do general, o ativista Pierre-Claver Mbonimpa foi alvo de uma tentativa de assassinato em 3 de agosto.
Novembro de 2015: tensões entre Burundi e o Ruanda
Desde o início da crise, milhares de cidadãos do Burundi refugiaram-se no Ruanda. Em 6 de novembro, o Presidente do Ruanda, Paul Kagame, criticou a situação de violência e instabilidade no país vizinho. "Vocês devem tirar lições do que aconteceu no Ruanda", declarou em referência ao genocídio de 1994. Nkurunziza acusa o governo ruandês de recrutar burundeses para causar mais problemas.
Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Kagire
Dezembro de 2015: escalada da violência
Em 12 de dezembro, mais de 100 pessoas foram mortas em confrontos. Os assassinatos de autoria desconhecida seriam uma resposta aos ataques coordenados contra três bases militares no dia anterior. "Quando um conflito irrompe em grande escala, não podemos fingir que nada aconteceu", afirmou Adama Dieng, relator especial das Nações Unidas sobre prevenção do genocídio.
Foto: Reuters/J.P. Aime Harerimana
Dezembro de 2015: novo movimento rebelde
Um dia antes do Natal, o ex-oficial do exército Edouard Nshimirimana proclamou a formação de um novo grupo rebelde. As "Forças Republicanas do Burundi" têm o objetivo de derrubar Nkurunziza. O militar acusou o Presidente de utilizar a força e de colocar a polícia e o exército um contra o outro.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Pfister
Dezembro de 2015: tentativas de mediação
O Presidente do Uganda, Yoweri Museveni, inaugurou em 28 de dezembro negociações de paz entre a oposição e o governo do Burundi. A União Africana decidiu enviar oito mil soldados ao país. Nkurunziza recusa-se a dialogar com a CNARED, a coligação da oposição. A ONU anunciou a abertura de investigações para apurar alegadas violações de direitos humanos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Wandera
Abril de 2016: ONU denuncia tortura
O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad Al Hussein, denunciou a prática de tortura rotineira nas prisões do Burundi. Desde o início do ano, foram 354 casos. O Governo do Burundi deve "acabar com as práticas inaceitáveis e ilegais imediatamente", afirmou Al Hussein.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Campardo
Maio de 2016: CNARED de fora
Em 21 de maio, começam as negociações de paz em Arusha, na Tanzânia. O ex-presidente tanzaniano, Benjamin Mkapa, atua como mediador. A coligação de grupos da oposição CNARED não é convidada, sob pena de o Governo do Burundi deixar as conversações.
Foto: Getty Images/AFP/T. Karumba
Junho de 2016: críticos pagam preço elevado
Em 3 de junho, onze estudantes da cidade de Muramvya foram presos por rabiscar uma foto de Nkurunziza num livro escolar. O caso gerou revolta entre ativistas de direitos humanos. Anteriormente, 300 alunos já tinham sido expulsos das aulas em Ruziba pelo mesmo motivo.
Foto: DW
Julho de 2016: ex-ministra é morta
A morte de Hafsa Mossi, ex-ministra e confidente do presidente Nkurunziza, em 13 de julho, cria ainda mais tensão no Burundi. A ex-jornalista era membro do partido no poder, CNDD-FDD, e trabalhou como assessora de comunicação para o chefe de Estado. Pela primeira vez, um político do alto escalão do governo é assassinado em Bujumbura.
Foto: Reuters/E. Ngendakumana
Julho de 2016: um assento vazio em Kigali
A crise no Burundi foi um dos temas de discussão da 27ª Cimeira da União Africana, realizada em Kigali, no Ruanda. A delegação do Burundi não participou nas discussões, porque pediu licença pouco antes da reunião. Os chefes de governo e de Estado da União Africana não chegaram a um acordo sobre a imposição de sanções. Falta vontade de Nkurunziza para negociar a saída do impasse.