O Presidente Pierre Nkurunziza assinou o decreto que autoriza a saída do Tribunal Penal Internacional. No entanto, durante um ano, o TPI continua a ter jurisdição sobre qualquer caso que envolva o Burundi.
Publicidade
O Burundi é o primeiro país a deixar o Tribunal Penal Internacional. O Presidente oficializou a decisão na terça-feira (19.19), depois de ter sido aprovada, em larga maioria, pelo Parlamento. Contudo, a medida não foi unânime entre os burundeses.
“O Burundi tardou em aprovar a medida, porque está entre os países pobres africanos. Estes queixam-se do facto do TPI ser usado como um instrumento para oprimir países africanos”, afirmou um cidadão em Bujumbura.
Por outro lado, um professor burundês reprovou a decisão. “Acho que não é a escolha certa para o Burundi porque, como sabemos, o país está perante vários crimes. Na maior parte dos casos, aqueles que cometem os crimes não são punidos.” Na opinião deste cidadão “seria melhor para o Burundi permanecer no TPI para que as pessoas que cometeram crimes sejam responsabilizadas.”
O TPI abriu uma investigação preliminar às acusações de mortes, prisões, tortura, desaparecimentos forçados, violações e outros crimes. E anunciou, em abril, que a violência no país matou 450 pessoas e centenas de milhares fugiram de suas casas.
Um relatório da Organização das Nações Unidas acusou oficiais do Burundi de tortura e morte de opositores políticos. Bujumbura contestou e ordenou a retirada dos três investigadores da ONU que estavam no país.
A violência despoletou no Burundi em abril do ano passado, quando o Presidente Pierre Nkurunziza anunciou a intenção de se candidatar a um terceiro mantado, violando a Constituição. Foi reeleito nas controversas eleições de julho de 2015.
TPI poderá ainda fazer acusações contra o Burundi
20.10 Burundi deixa o TPI - MP3-Mono
Apesar de Nkurunziza ter anunciado a decisão de abandonar o TPI com efeito imediato, o tribunal poderá continuar a investigar a violência no país.
“Há o período de um ano de carência, durante o qual o TPI continua a ter jurisdição sobre qualquer caso que envolva o Burundi assim como o Burundi tem a responsabilidade de cooperar com o tribunal”, explica Mark Ellis, da International Bar Association, organização internacional que reúne advogados.
Assim, tendo em conta que está em curso uma investigação preliminar no país, “a procuradora vai continuar a investigar se há provas suficientes para avançar para uma acusação, independentemente da decisão do Burundi. Teoricamente, ela poderá ainda ordenar um mandato de detenção e formular uma acusação”, acrescenta Mark Ellis.
Como próxima etapa, o Burundi deverá oficializar por carta o secretário-geral das Nações Unidas e a ONU a decisão de abandonar o Estatuto de Roma, tratado que estabeleceu o TPI.
Parcialidade do TPI?
O Tribunal Penal Internacional tem sido muitas vezes criticado por julgar sobretudo líderes africanos. “A União Africana tem sido muito crítica em relação ao TPI, sugerindo que o tribunal tem sido parcial contra líderes africanos e apelou a um boicote geral ao TPI”, sublinha o representante da International Bar Association.
Por isso, Mark Ellis teme que “a decisão do Burundi de abandonar o EstatuTo de Roma possa levar outros países africanos a fazerem o mesmo.”
Nove em cada dez investigações em curso no TPI envolvem africanos. Todos os cinco veredictos estão relacionados com suspeitos da República Democrática do Congo, República Centro-Africana e Mali.
Burundi: uma cronologia da crise
Em julho de 2015, o Presidente Pierre Nkurunziza candidatou-se a um terceiro mandato, dando espaço a uma profunda instabilidade no país. Possível solução da crise, que já deixou milhares de mortos, não está à vista.
Foto: Getty Images/AFP/C. Ndegeya
Julho de 2015: eleições tensas
O anúncio em abril de que o Presidente do Burundi, Pierre Nkurunziza, concorreria a um terceiro mandato à revelia da Constituição, gerou um confronto amargo entre apoiantes e opositores do governo. Em três meses, mais de 80 pessoas foram mortas. Muitos dissidentes e jornalistas deixaram o país. As eleições em 21 de julho de 2015 foram boicotadas pela oposição.
Foto: Reuters/E. Benjamin
Julho de 2015: Agathon Rwasa – um perdedor?
Em 24 de julho, foi anunciado que o líder da oposição, Agathon Rwasa, perdera as eleições. Nkurunziza foi escolhido como novo Presidente com 69% dos votos. Dias depois, Rwasa foi nomeado vice-presidente da Assembleia Nacional. Antigos aliados apelidaram-no de "traidor".
Foto: Reuters/M. Hutchings
Agosto de 2015: general é morto
Em 1 de agosto, o general Adolphe Nshimirimana, responsável pela segurança pessoal do Presidente, foi morto num atentado na capital Bujumbura. A União Europeia demonstra preocupação com a "perigosa escalada de violência" e pede "contenção" e retomada do diálogo. Em provável retaliação à morte do general, o ativista Pierre-Claver Mbonimpa foi alvo de uma tentativa de assassinato em 3 de agosto.
Novembro de 2015: tensões entre Burundi e o Ruanda
Desde o início da crise, milhares de cidadãos do Burundi refugiaram-se no Ruanda. Em 6 de novembro, o Presidente do Ruanda, Paul Kagame, criticou a situação de violência e instabilidade no país vizinho. "Vocês devem tirar lições do que aconteceu no Ruanda", declarou em referência ao genocídio de 1994. Nkurunziza acusa o governo ruandês de recrutar burundeses para causar mais problemas.
Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Kagire
Dezembro de 2015: escalada da violência
Em 12 de dezembro, mais de 100 pessoas foram mortas em confrontos. Os assassinatos de autoria desconhecida seriam uma resposta aos ataques coordenados contra três bases militares no dia anterior. "Quando um conflito irrompe em grande escala, não podemos fingir que nada aconteceu", afirmou Adama Dieng, relator especial das Nações Unidas sobre prevenção do genocídio.
Foto: Reuters/J.P. Aime Harerimana
Dezembro de 2015: novo movimento rebelde
Um dia antes do Natal, o ex-oficial do exército Edouard Nshimirimana proclamou a formação de um novo grupo rebelde. As "Forças Republicanas do Burundi" têm o objetivo de derrubar Nkurunziza. O militar acusou o Presidente de utilizar a força e de colocar a polícia e o exército um contra o outro.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Pfister
Dezembro de 2015: tentativas de mediação
O Presidente do Uganda, Yoweri Museveni, inaugurou em 28 de dezembro negociações de paz entre a oposição e o governo do Burundi. A União Africana decidiu enviar oito mil soldados ao país. Nkurunziza recusa-se a dialogar com a CNARED, a coligação da oposição. A ONU anunciou a abertura de investigações para apurar alegadas violações de direitos humanos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Wandera
Abril de 2016: ONU denuncia tortura
O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad Al Hussein, denunciou a prática de tortura rotineira nas prisões do Burundi. Desde o início do ano, foram 354 casos. O Governo do Burundi deve "acabar com as práticas inaceitáveis e ilegais imediatamente", afirmou Al Hussein.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Campardo
Maio de 2016: CNARED de fora
Em 21 de maio, começam as negociações de paz em Arusha, na Tanzânia. O ex-presidente tanzaniano, Benjamin Mkapa, atua como mediador. A coligação de grupos da oposição CNARED não é convidada, sob pena de o Governo do Burundi deixar as conversações.
Foto: Getty Images/AFP/T. Karumba
Junho de 2016: críticos pagam preço elevado
Em 3 de junho, onze estudantes da cidade de Muramvya foram presos por rabiscar uma foto de Nkurunziza num livro escolar. O caso gerou revolta entre ativistas de direitos humanos. Anteriormente, 300 alunos já tinham sido expulsos das aulas em Ruziba pelo mesmo motivo.
Foto: DW
Julho de 2016: ex-ministra é morta
A morte de Hafsa Mossi, ex-ministra e confidente do presidente Nkurunziza, em 13 de julho, cria ainda mais tensão no Burundi. A ex-jornalista era membro do partido no poder, CNDD-FDD, e trabalhou como assessora de comunicação para o chefe de Estado. Pela primeira vez, um político do alto escalão do governo é assassinado em Bujumbura.
Foto: Reuters/E. Ngendakumana
Julho de 2016: um assento vazio em Kigali
A crise no Burundi foi um dos temas de discussão da 27ª Cimeira da União Africana, realizada em Kigali, no Ruanda. A delegação do Burundi não participou nas discussões, porque pediu licença pouco antes da reunião. Os chefes de governo e de Estado da União Africana não chegaram a um acordo sobre a imposição de sanções. Falta vontade de Nkurunziza para negociar a saída do impasse.