Burundeses foram chamados a votar num referendo sobre emenda constitucional para manter Presidente no cargo até, pelo menos, 2034. Analistas reconhecem que "sim" vencerá e alertam para tempos difíceis.
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Os cidadãos do Burundi foram chamados às urnas, esta quinta-feira (17.05), para um referendo constitucional. Em caso de vitória do "sim", o Presidente Pierre Nkurunziza pode manter-se no poder até 2034.
O referendo visa terminar com a limitação dos atuais dois mandatos presidenciais e estender a legislatura de cinco para sete anos. Pierre Nkurunziza, de 54 anos, ocupa o cargo de chefe de Estado desde 2005.
A votação não contou com a presença de qualquer observador internacional e é contestada pela oposição.
O antigo presidente da Assembleia Nacional do Burundi, o opositor Leonce Ngendakumana, é um dos defensores do "não". Diz que é uma questão de respeito pelo Acordo de Paz de Arusha e pela Constituição a que deu origem.
Burundi: "Sim" deve vencer em referendo polémico
"Quando assinámos esse acordo, foi para respeitar o limite de dois mandatos, porque percebemos que, em toda a África, quando um Presidente ultrapassa os dois mandatos fica inebriado pelo poder e cerca-se de pessoas que obstruem a boa gestão do país, a boa distribuição da riqueza nacional", explica.
Cerca de cinco milhões de eleitores estavam inscritos para a votação.
Nkurunziza feliz
Depois de depositar o voto, Pierre Nkurunziza mostrou-se satisfeito com a afluência.
"A população tem contribuído para a elaboração das emendas à Constituição. No dia de hoje, ficámos muito felizes com o facto de as pessoas terem acordado cedo para votar no 'sim' ou no 'não' a esta emenda", afirmou.
A votação decorreu com aparente normalidade, apesar das longas filas.
Nos dias que antecederam o referendo, o Governo anunciou que condenaria a penas de prisão quem apelasse à abstenção. As emissões das rádios internacionais BBC e Voz da América foram suspensas por seis meses. A campanha foi marcada por atos de violência que fizeram 27 mortos.
Futuro difícil
Analistas locais e internacionais consideram que o "sim" obterá uma vitória "fácil" neste referendo. O boletim de voto não inclui qualquer pergunta, menciona apenas: "Referendo constitucional da República do Burundi de maio de 2018: Sim ou Não"
O analista político Gilbert Khadiagala disse à agência de notícias Reuters, a partir da África do Sul, que o Burundi está numa situação de semi-guerra civil - este referendo vem reforçar um futuro que já era difícil.
"Há muitas pessoas que contestam esta maneira draconiana de mudar a Constituição. Neste referendo vai vencer o 'sim' com uma grande maioria, porque as forças da oposição não vão participar", referiu.
Desde que Nkurunziza anunciou a intenção de se recandidatar a um terceiro mandato, em abril de 2015, a repressão provocou 1.719 mortos.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados indica que mais de 430.000 cidadãos do Burundi procuraram refúgio em países vizinhos. Os analistas acreditam que esses números podem aumentar nos próximos meses.
Burundi: Cronologia de uma longa crise
Os burundeses vão esta quinta-feira às urnas para um referendo contestado, que poderá permitir que o Presidente Nkurunziza fique no poder até 2034. Uma pretensão que resultou numa crise política que já dura há três anos.
Foto: picture-alliance/D. Kurokawa
Clima tenso na véspera do referendo
A 17 de maio de 2018, os burundeses vão às urnas para decidir se o Presidente Pierre Nkurunziza poderá permanecer no cargo até 2034. O clima no país é tenso. Em 2015, houve protestos quando Nkurunziza anunciou que iria concorrer a mais um mandato. Segundo a ONU, pelo menos 1.200 pessoas morreram durante os distúrbios.
Foto: picture-alliance/D. Kurokawa
Mais um mandato para Nkurunziza?
Em abril de 2015, o Presidente Pierre Nkurunziza ocupava o cargo há apenas alguns meses. A lei do Burundi estipula que um Presidente pode exercer funções durante dois mandatos, o que significa que Nkurunziza teria de deixar o poder. O chefe de Estado, no entanto, anunciou que iria voltar a concorrer.
Foto: Getty Images/AFP/F.Guillot
Violência antes das eleições de 2015
Em resposta, as ruas de Bujumbura encheram-se de protestos. Em maio de 2015, as manifestações transformaram-se em crise política. Uma tentativa de golpe militar foi rapidamente anulada. A polícia e as forças de segurança reprimiram os manifestantes e, em resposta, opositores ao governo atacaram as autoridades. Surgiram relatos de brutalidade e tortura por parte de vários detidos.
Foto: Reuters/T. Mukoya
Presidenciais controversas
Os burundeses foram às urnas a 21 de julho de 2015. Poucos dias depois, Pierre Nkurunziza foi declarado vencedor. Os resultados foram os esperados, já que a oposição boicotou a votação. Agathon Rwasa, líder da oposição, inicialmente recusou-se a aceitar os resultados. Porém, pouco tempo depois, pediu um governo de unidade nacional, para desilusão de outros críticos do governo.
Foto: DW/K. Tiassou
Críticos do governo sob ameaça
Nos meses seguintes, foram recorrentes as ameaças de morte e tentativas de assassinato de membros da oposição, críticos, mas também funcionários do governo. O chefe de segurança de Nkurunziza, Adolphe Nshimirimana, e o ativista de direitos humanos Pierre-Claver Mbonimpa (na foto) foram dois dos casos. Mbonimpa sobreviveu após ser baleado pelo menos quatro vezes, mas perdeu o filho e o genro.
Foto: DW/D. Kiramvu
Situação agudiza-se
A 11 de dezembro de 2015, opositores atacaram quatro bases militares em Bujumbura. Um dia depois, as tropas do exército invadiram redutos de opositores na capital. Mais de 100 pessoas terão morrido durante os confrontos. Moradores falam em dezenas de mortes. A União Africana ofereceu-se para enviar tropas de paz para o país, mas Nkurunziza recusou qualquer intervenção.
Foto: Reuters/J.P. Aime Harerimana
Fugir à crise
"Não podemos ignorar uma crise desta dimensão", declarou em finais de 2015 Adama Dieng, o conselheiro especial das Nações Unidas para a prevenção do genocídio. Nessa altura, a crise humanitária atingia níveis alarmantes. Atualmente, quase 400 mil refugiados do Burundi vivem ainda fora do país.
Foto: DW/M. El Dorado
Conversações falham
Em janeiro de 2016, a União Africana tentou mediar as conversações entre o governo e a oposição. No entanto, a conferência em Arusha, na vizinha Tanzânia, foi adiada repetidas vezes. Quando as negociações começaram em maio, uma grande coaligação de oposição, a CNARED, foi excluída e as negociações foram consideradas uma farsa desde o início.
Foto: DW/C. Ngereza
Uma paz frágil
Com o passar do tempo, a vida voltou à normalidade nas ruas de Bujumbura, mas as queixas políticas continuaram a ser as mesmas. Em setembro de 2016, investigadores da ONU anunciaram provas de graves violações dos direitos humanos, incluindo tortura e assassinatos por parte de membros do Estado. Os investigadores também alertaram para a crescente tensão étnica.
Foto: Getty Images/AFP
Reformas constitucionais
Entretanto, o governo de Nkurunziza planeava mudancas constitucionais. Em agosto de 2016, uma comissão governamental propôs mudanças na Constituição para eliminar os limites do mandato presidencial. O próprio Pierre Nkurunziza deu a entender que estava a considerar concorrer a um quarto mandato em 2020.
Foto: DW/A. Niragira
Milícia aterroriza população
No início de 2017, a situação política continuava tensa. A ala juvenil da milícia pró-governamental Imbonerakure continuou a espalhar o medo entre o povo. Apesar da pressão internacional e das sanções da União Europeia, a postura de Nkurunziza continuou inalterada.
Foto: Getty Images/AFP/C. de Souza
Um caso para o TPI?
Em novembro de 2017, o Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, Holanda, iniciou uma investigação sobre supostos crimes contra a humanidade no Burundi. O governo foi acusado de perpetrar um ataque generalizado e sistemático contra civis. Um mês antes, o Burundi foi o primeiro país africano a retirar-se do TPI e do Estatuto de Roma.
Foto: picture-alliance/AP Photo/J. Delay
Massacre antes do referendo
A 11 de maio de 2018, homens armados desconhecidos atacaram residentes na província de Cibitoke. Pelo menos 26 pessoas morreram. O governo acusou "terroristas" da vizinha República Democrática do Congo pelo ataque. O incidente ocorreu poucos dias antes do referendo constitucional de 17 de maio, que poderá permitir que Nkurunziza continue no cargo até 2034.