Código Penal revisto está ser alvo de desconfiança. Mas especialista não vê motivos, alegando que alterações já constam da Constituição. Criou-se espaço para conflito entre direito à privacidade e direito às liberdades?
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De acordo com o portal da Presidência de Moçambique, o Presidente Filipe Nyusi promulgou e mandou publicar a Lei de Revisão do Código Penal e a Lei de Revisão do Código do Processo Penal, aprovadas pelo Parlamento em Julho de 2019.
O Código Penal revisto tipifica novos crimes, com destaque para a criminalização da atividade de gravar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar conversa, comunicação telefónica, imagem, fotografia, vídeo, áudio, facturação detalhada, mensagens de correio electrónico, de rede social ou de outra plataforma de transmissão de dados de terceiros, sem consentimento.
Isso deixou muitos jornalista desconfiados e alguns optam, por agora, pela ponderação antes de emitir qualquer avaliação, como é o caso de Fernando Lima: "Não me sinto a vontade para comentar e preciso de investigar mais para saber do que se trata, porque me parece muito preocupante aquilo que foi legislado."
Cerceamento das liberdades?
Os jornalistas receiam que com as criminalizações previstas possa haver um cerceamento das liberdades, nomeadamente de imprensa, e que neste caso se poderia materializar na limitação das fontes.
Entretanto, o docente de comunicação social Sérgio Langa lembra que "parte desses extratos deste novo Código Penal exibidos nalguma imprensa não são necessariamente novos. Por exemplo, sobre questão da nulidade daquilo que seriam as provas que são consideradas ilícitas ou adquiridas por via da coação, que são muitas vezes usados no jornalismo, se observarmos o número 3 do artigo 65 da Constituição da República, isto já está postulado."
E Langa desdramatiza: "Quer dizer, há um alarido talvez desnecessário, não é um assunto necessariamente novo."
Privacidade vs liberdades
Nota-se no documento uma tendência de maior proteção à privacidade, o que é visto como uma conquista. Mas por outro lado, não chocaria esta tendência de melhoria com as liberdades, principalmente a de imprensa?
Moçambique: Privacidade vs liberdade de imprensa
"Os direitos e liberdades fundamentais do cidadão, sem querer escalona-los, o direito a privacidade pode, de alguma maneira, pode ser sobreposto por conta do direito da liberdade de imprensa. Se reparar, a questão da privacidade é um direito que opera na esfera privada da própria pessoa, enquanto que o da liberdade de imprensa está mais no campo profissional. Claro, que depois da informação divulgada pode, de certa forma, também ser revindicado pela pessoa como um direito fundamental de ter acesso a informação", responde o jurista Job Fazenda.
Não pode haver contradições de leis
As desconfianças ou dúvidas podem ser "arrefecidas" tomando como príncipio que as leis não se devem contradizer entre elas, ou seja, que o Código Penal não choca com Lei de Imprensa.
E o jurista esclarece que "se o Código Penal nalgum momento contraria uma lei anterior, preseume que a lei anterior, na parte onde há contradição, tenha sido revogada. Mas se o mesmo código contrariar a Constituição da República, a parte referente a contradição, o Conselho Constitucional pode muito bem declarar inconstitucional aquela norma. Não não é prática que o atual Código Penal contrarie a Lei de Imprensa".
Uma oportunidade de refazer indústria mediática
Mas o novo Código Penal não veio só semear desconfianças na comunicação social, ele traz também oportunidades para o amadurecimento do setor, entende o especialista em comunicação social Sérgio Langa: "Por outro lado era importante que víssemos o Código Penal por um outro ângulo, vejo uma oportunidade para refazermos a indústria mediática em termos de robustez, em termos de produção de conteúdo local, sobretudo televisivos."
O docente afiança que "há dados de pesquisas que mostram o quadro vazio sobre a percentagem de conteúdos locais produzidos internamente. Quer dizer que a televisão nacional é maioritariamente alimentada por "enlatados". E os conteúdos locais estão centrados em imagens paupérrimas e algumas na condição ilícita, como postula este novo Código Penal."
E nesse sentido alerta: "Então, era importante que olhassemos para o novo Código Penal como o viabilizador daquilo que seria a revolução para uma base produtiva na nossa indústria mediática."
Países africanos que mais violam a liberdade de imprensa
Gana é o país africano mais bem classificado no "<i>Ranking</i> Mundial da Liberdade de Imprensa" dos Repórteres sem Fronteiras. A Eritreia é o pior em África e, a nível mundial, só é melhor que a Coreia do Norte.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
Eritreia - posição 179º lugar
A liberdade de imprensa é considerada "não existente". Em 2001, uma série de medidas repressivas contra <i>media</i> independentes levaram a uma onda de detenções. O Presidente Isaias Afeworki é visto como um “predador” da liberdade de imprensa e usa os meios de comunicação nacionais como seus porta-vozes. Escritores, locutores e artistas são censurados e a informação é escondida dos cidadãos.
Foto: picture-alliance
Sudão - 174º lugar
Na capital Cartum, pratica-se a chamada “censura pré-publicação". O Governo detém jornalistas arbitrariamente e interfere abertamente na produção de notícias. A "Lei da Liberdade de Informação de 2015" é vista como uma outra forma de exercer controlo governamental sobre a informação pública. Os jornalistas têm de passar por um teste e obter uma permissão para trabalhar.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Burundi - 159º lugar
Repressão estatal contra a liberdade de imprensa e intimidação de jornalistas é comum no país. <i>Media </i> controlados pelo Estado substituem cada vez mais estações de rádio independentes, depois de a maior parte delas ter sido forçada a fechar, após uma tentativa de golpe de estado há três anos. Centenas de jornalistas fugiram do país desde 2015. Na foto, protesto de jornalistas no país.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
República Democrática do Congo - 154º lugar
Defensores dos <i>media</i> falam em jornalistas mortos, agredidos, detidos e ameaçados desde que Joseph Kabila sucedeu ao pai na presidência do país em 2001. Orgãos de comunicação internacionais queixam-se que o Governo interfere nos sinais de rádio ou corta mesmo a transmissão. Protestos da oposição levaram as autoridades a interromper ou cortar o acesso à Internet.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Suazilândia - 152º lugar
Esta monarquia absoluta tem a reputação de obstruir o acesso à informação e impedir os jornalistas de fazerem o seu trabalho. Os <i>media</i> estão sujeitos a leis restritivas e repórteres são frequentemente chamados a tribunal pelo seu trabalho. Auto-censura é comum. Um editor saiu recentemente do país depois de fazer uma reportagem sobre negócios obscuros ligados ao Rei Mswati III (na foto).
Foto: picture-alliance/dpa
Etiópia - 150º lugar
O Governo tem uma mordaça sobre os órgãos de comunicação e os jornalistas trabalham sobre condições muito restritivas. Com a Eritreia, este país tem uma das mais altas taxas de jornalistas detidos na África subsariana. Na foto, o jornalista etíope Getachew Shiferaw, que foi condenado a 18 meses de prisão por ter falado com um dissidente.
Foto: Blue Party Ethiopia
Sudão do Sul - 144º lugar
Os jornalistas são obrigados pelo Governo a evitar fazer cobertura do conflito. Órgãos de comunicação internacionais denuciaram casos de assédio e foram banidos deste jovem país, onde pelo menos 10 jornalistas foram mortos desde 2011. Na foto, dois jornalistas do Uganda que tinham sido detidos por autoridades no Sudão do Sul.
Foto: Getty Images/AFP/W. Wudu
Camarões - 129º lugar
O Governo chamou às redes sociais uma “nova forma de terrorismo”, e bloqueia frequentemente o acesso às mesmas. Emissões de rádio e televisão foram bloqueadas duas semanas em março, durante o período eleitoral. Jornais que publicam conteúdos que desagradam políticos no poder são banidos e jornalistas e editores são detidos.
Foto: picture alliance/abaca/E. Blondet
Chade - 123º lugar
Os jornalistas arriscam-se a detenções arbitrárias, agressões e intimidações. Nos últimos meses, o Governo tem vindo a reprimir plataformas de <i>social media</i> e ciber-ativistas. A Internet tem estado bloqueada no país desde 28 de março, no seguimento de um “apagão” da Internet devido a manifestações da sociedade civil e protestos dos órgãos de comunicação num chamado “dia sem imprensa”.
Foto: UImago/Xinhua/C. Yichen
Tanzânia - 93º lugar
Críticos dizem que o Presidente John Magufuli tem vindo a atacar a liberdade de expressão deliberadamente, desde que tomou posse em 2015. Jornalistas foram presos ou dados como desaparecidos. Orgãos de comunicação social foram fechados ou impedidos de publicar durante longos períodos de tempo. Leis que podem ser usadas contra os <i>media</i> foram apertadas.