Cabinda: Água turva jorra nas torneiras da rede pública
Simão Lelo
8 de janeiro de 2025
A água que jorra nas torneiras da rede pública em Cabinda é considerada imprópria para o consumo humano. Há suspeitas de falta de produtos químicos para o tratamento, mas o governo local nega e promete melhorias.
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A situação já dura desde novembro de 2024 e alastra-se até a presente data. Cidadãos de Cabinda, muitos dos quais sem condições financeiras e económicas para adquirir água tratada, vêm-se obrigados a consumir água supostamente inadequada, correndo todos os riscos.
Em declarações à DW, Josefina Piula, cidadã angolana de 27 anos de idade, residente no bairro Amílcar Cabral, confirma a situação e deplora o sucedido.
"É bastante triste, lamentável e preocupante, porque estamos a ver que a água agora tem cor amarela o que não víamos antes", relata, reforçando "que pode acarretar muitas doenças como diarreias e dor de barriga, o que pode provocar mortes."
Fonseca Lembe é outro cidadão que afirma ter-se deparado com coisas estranhas na água que jorra, sem especificar.
"Eu vi algumas coisas lá, fica desagradável. E o mais agravante: já dura cerca de três semanas. Alguns dizem que não estão a colocar produtos adequados para tratar a mesma água," desabafa.
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Falta de tratamento
Uma fonte que pediu anonimato revela que faltam produtos químicos.
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"Pela experiência que tenho, tudo indica que essa água não reúne as condições para a saúde humana, de acordo com os padrões da OMS (Organização Mundial da Saúde). E isto é fruto sim de falta de produtos químicos," crava.
As reclamações são diversas. O Secretário Provincial da Energia e Águas, Rafael Paca, assume que a insuficiência dos produtos químicos não está na base da turvação da água.
"Nos últimos dias, temos tido muitas chuvas e a qualidade da água e o seu nível de turvação aumenta. Face a isso há a necessidade de se usar mais produtos químicos para tratar da água," explica.
"Nós, como setor, trabalhamos com a empresa da água para corrigir as quantidades de produtos a usar. Isto quer dizer que, nos próximos momentos, vamos voltar ter água limpa como regem as normas da Organização Mundial da Saúde," garante Rafael Paca.
Entretanto, apesar do Governo de Cabinda investir recentemente em mais de 800 milhões de kwanzas (cerca de 850 mil euros) para melhorar a produção e distribuição da água potável, ainda há quem considere que muito se deve fazer.
Para esse caso concreto, a deputada pelo círculo provincial, Berta Marciano, do MPLA, pede ao governo local soluções urgentes.
"Estamos a propor que a província reveja o seu orçamento, mobilize dinheiro para se acautelar estas situações, e não apenas olhar para a empresa de água. Nós todos sabemos que a água não está boa. Faltam produtos," conclui.
Água potável em Angola, privilégio para poucos
Para quem tem água encanada em casa, a vida sem ela é inimaginável. Esta é, no entanto, a realidade para mais da metade da população angolana. Todos os dias, muitos angolanos fazem uma maratona para obter água.
Foto: DW/C. Vieira
Abastecimento, uma maratona diária
Para quem tem água encanada em casa, a vida sem ela é inimaginável. Esta é, no entanto, a realidade para mais da metade da população angolana, segundo a Universidade Católica de Angola (UCAN). Todos os dias, os angolanos fazem uma maratona que consume uma quantia considerável de tempo e dinheiro para obter água.
Foto: DW/C. Vieira
O dia começa no chafariz púlico
Nas regiões periféricas da capital de Angola, Luanda, o dia começa cedo a caminho do chafariz público. No município de Cazenga, esta é uma cena comum. Mulheres e crianças são as principais responsáveis pelo abstecimento de água das famílias angolanas. O consumo diário é geralmente limitado pela capacidade de aquisição e transporte da água.
Foto: DW/C. Vieira
Preço alto e falta d'água
Segundo um estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), as fontes mais comuns para o abastecimento de água segura em Angola são: chafarizes (16%), furos protegidos (12%) e cacimbas (6%). Em Luanda, um galão de 20 litros de água custa 10 kwanzas no chafariz – o equivalente a 0,10 dólares. As famílias chegam cedo. Mas, muitas vezes, o chafariz está fechado por falha no abastecimento.
Foto: DW/C. Vieira
O sonho de ter água em casa
Aqueles que têm condições constroem tanques para armazenar a água em casa. O custo da obra supera os 1.500 dólares – uma despesa pesada com a qual poucos podem arcar. A água é entregue por um caminhão pipa privado e cada fornecimento de 20 mil litros custa 20 mil kwanzas – o equivalente a 0,20 dólares por 20 litros de água.
Foto: DW/C. Vieira
Água, um bom negócio?
Apesar de custar o dobro do preço pago no chafariz público, o tanque pode se tornar um bom negócio. Muitas pessoas vendem parte de sua água a 50 kwanzas por galão – o equivalente a 0,50 dólares por 20 litros. Uma margem de revenda de 150%. Esta mulher de Luanda compra água de sua vizinha e armazena em tonéis em casa.
Foto: DW/C. Vieira
Situação difícil também nas províncias
A falta de abastecimento de água leva a população a enfrentar muitas dificuldades para o transporte. Mulheres transportam a água até suas casas. Na foto: a cidade do Lobito, na província de Benguela. Além de ter que suportar o peso da bacia cheia, é preciso muito equilíbrio para não deixar a água pelo caminho.
Foto: DW/C. Vieira
Armazenar para garantir o abastecimento
As residências onde há encanamento são um privilégio para poucos angolanos. Ainda assim, não há garantia de que haverá sempre água. O abastecimento falha com frequência. No Lobito, muitos moradores investem em tanques para a armazenagem. Este comporta 3.000 litros de água e é a garantia para uma família de oito pessoas. O investimento foi de 560 dólares.
Foto: DW/C. Vieira
Criatividade para vencer a dificuldade
O transporte da água depende da criatividade e das possibilidades de cada um. Depois de adquirir a água, será preciso prepará-la para o consumo. Apesar da transparência, a água precisa ser tratada ou fervida para ser considerada potável - ou seja, livre de impurezas e que não oferece o risco de se contrair uma doença.
Foto: DW/C. Vieira
Água potável é saúde
A população de Luanda enfrenta muitas dificuldades para o transporte da água. Além disso, muitas crianças morrem de diarreia ou de outras doenças relacionadas com a água e o saneamento em Angola. Em 2006, um surto de cólera afectou mais de 85.000 pessoas e ceifou cerca de 3.000 vidas em 16 das 18 províncias angolanas.
Foto: DW/C. Vieira
Cobertura sanitária pouco abrangente
Segundo a Organização Mundial de Saúde, cerca de 2,6 mil milhões de pessoas no mundo não têm acesso a condições sanitárias adequadas. Na África sub-saariana, a cobertura sanitária abrange apenas 31% da população. Em Angola, apenas cerca de 25% da população têm acesso ao saneamento básico, segundo a Universidade Católica de Angola. Em Luanda, é preciso conviver com esgotos a céu aberto.
Foto: DW/C. Vieira
Saneamento básico para combater doenças
A falta de saneamento básico é um pesadelo também para os moradores do município de Cazenga, em Luanda. Não há como escoar a água das ruas e enormes poças se formam. A água parada é o paraíso para a reprodução dos mosquitos transmissores da dengue e da malária – esta última ainda é a principal causa de mortes em Angola.
Foto: DW/C. Vieira
Higiene, uma questão de saúde
A falta de saneamento básico aumenta o risco da transmissão de doenças como a diarreia, a cólera e o tifo. Em toda a África, 115 pessoas morrem a cada hora de doenças ligadas à falta de saneamento, empobrecida higiene e água contaminada. Lavar as mãos após defecar, antes de cozinhar e antes das refeições ajuda a evitar doenças e pode reduzir em até 45% a incidência da diarreia.