"Não fui comprado". É assim que Jorge Casimiro Congo reage às críticas à sua entrada no Governo de Cabinda. A decisão deixou de boca aberta muitos dos seus companheiros da luta pela independência do enclave angolano.
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Jorge Casimiro Congo era provavelmente o rosto mais visível da contestação ao partido no poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), no enclave de Cabinda. Esteve sempre na "linha da frente" dos independentistas que se consideram colonizados por Luanda e, por isso, reivindicam há mais de duas décadas a autonomia daquele território, rico em petróleo e madeira.
A entrada do padre no Governo de Cabinda, como secretário provincial da Educação, Ciência e Tecnologia, tem gerado muitas críticas: Será uma nova forma de luta ou a submissão dos seus ideais a uma "oferta milionária"?
Em entrevista à DW África, Casimiro Congo assegura que aceitou o convite, porque a governação do Presidente João Lourenço lhe inspira confiança.
"Eu fui sempre de opinião que Cabinda não podia fazer a sua luta de forma isolada e que era preciso encontrar uma saída em cada momento", afirma. "Quando, em 2008, pedi ao povo de Cabinda para participar em eleições angolanas, fui torturado e acusado de tudo. Fizeram até panfletos contra mim. Mas, depois disso, as pessoas começaram a entender o que eu defendia. Foi isto que levou Raúl Danda a concorrer pela lista da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e, mais tarde, o padre Raul Taty e tantos outros, que têm hoje assento no Parlamento."
Acusações de traição
Mas com a entrada no aparelho governativo, o padre Congo "trai" os ideais de Cabinda, afirmam antigos "companheiros de trincheira" como o advogado e ativista cabindês Arão Bula Tempo.
"Qual é a honra e a dignidade de quem lutou todos os dias, de quem foi um dos mentores desta luta, e hoje aceita uma função de secretário provincial da Educação?", questiona o ex-presidente do conselho provincial da Ordem dos Advogados de Angola (OAA), que chegou a ser detido e acusado de crimes contra a segurança de Estado, em 2015.
"Lamentavelmente, hoje os quadros de Cabinda interessam-se mais pelas funções do que pela própria causa que assola o território de Cabinda, que empobrece o povo de Cabinda, que continua a assistir a perseguições e à própria degradação social", acrescenta Arão Bula Tempo.
"Só a História me poderá julgar"
Jorge Casimiro Congo diz, no entanto, que está preparado para ouvir todas as críticas dos inteletuais de Cabinda. O antigo pároco da Igreja Católica em Cabinda, expulso por Dom Filomeno Vieira Dias, então bispo da diocese, refere que já liderou conversações entre a sociedade civil cabindesa e os dois principais partidos na oposição, UNITA e Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE), e desta vez, decidiu sentar-se à mesma mesa com o MPLA para tentar melhorar a situação política, económica e social no enclave.
Padre Casimiro Congo: "Não fui comprado"
"Para mim, é preciso sempre encontrar novas maneiras de abordar a questão de Cabinda e creio que posso discutir com o Presidente João Lourenço", diz Casimiro Congo. "Penso que este é o momento de dar a minha contribuição, sobretudo na educação, que se encontra num estado de degradação terrível."
A nomeação do padre Congo pelo governador de Cabinda, o general Eugénio César Laborinho, foi discutida no "Kremlin", como também é conhecida a sede do MPLA em Luanda, através de contactos e reuniões ao mais alto nível entre o ativista cabindês e o secretário para as Relações Exteriores do partido, Julião Paulo "Dino Matross", e o secretário-geral, António Paulo Kassoma.
Jorge Casimiro Congo garante que a sua entrada no Governo de Cabinda não dilui as suas convicções: "Não recebi dinheiro nenhum. Só a História me poderá julgar. É possível melhorar as condições de Cabinda a partir de dentro. Se eu falhar, não me vou frustrar, o importante é que tentei. Agora, já não tenho idade para estar sozinho, a gritar - não posso estar permanentemente a assumir um povo que não se quer libertar."
Artivismo: a arte política de André de Castro
O papel político da arte é o mote de "Liberdade Já", a exposição do artista brasileiro André de Castro que lembra, entre outros ativistas, os presos políticos angolanos.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
"Liberdade Já" em serigrafia
A arte pode ter uma missão política - é o que prova esta exposição de André de Castro, a primeira mostra a solo do artista visual brasileiro na Europa. Este primeiro painel à entrada da exposição, em Lisboa, é um tributo aos presos políticos angolanos. O autor deu-lhe o título de "Liberdade Já", slogan que alimentou o movimento de solidariedade internacional pela libertação dos ativistas.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
Debate sobre política internacional
Tanto este projeto "Liberdade Já" (2015) como "Movimentos" (2013-2014) tiveram repercussão mundial. O artista brasileiro destaca, através das suas obras, os jovens presos políticos de Angola, libertados em 2016. As suas imagens acabam por incentivar o debate sobre acontecimentos políticos internacionais.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Os "revús" compõem o painel…
O artista compõe o painel com "monoprints" em serigrafias repetidas. Aqui podem ver-se alguns dos jovens angolanos presos em Luanda, em 2015, por discutirem um livro sobre métodos pacíficos de protesto. Luaty Beirão, Domingos da Cruz, Nuno Álvaro Dala, Nito Alves, Benedito Jeremias e Nelson Dibango, entre outros, foram julgados pelo crime de atos preparatórios para a prática de rebelião.
Foto: DW/J. Carlos
… e multiplicam-se pelo mundo digital
O luso-angolano Luaty Beirão foi escolhido como símbolo do ativismo político, dando força à exposição, com a curadoria da Muxima. Os retratos multiplicaram-se no mundo digital, foram reproduzidos em t-shirts e posters. A venda das serigrafias expostas em mostras coletivas em Lisboa e Nova Iorque, em 2016, reverteu integralmente a favor das famílias dos presos políticos angolanos.
Foto: DW/J. Carlos
Além de Angola...
Em dezembro, André de Castro comemorou com as irmãs a abertura da exposição em Lisboa, que também apresenta rostos de ativistas como José Marcos Mavungo, advogado e ativista de Cabinda. Além de Angola, o artista desafia os visitantes a revisitar o movimento da Primavera Árabe. Dá a conhecer as pessoas e as suas lutas, propondo um ângulo mais pessoal e humano na narração do momento histórico.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Arte como ator social
No interesse do público e das comunidades, o artista brasileiro assume ser um promotor social. "Ao expor 'Movimentos' e 'Liberdade Já' juntos, a mostra permite um recorte da arte como ator social, questionando intenção, receção, apropriação e estética nas ruas e na internet", afirma André de Castro. É o que mostra a coleção "Movimentos", colocada na outra parede da sala.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Coragem para mudar o mundo
Nesta segunda parede, André de Castro imortaliza várias causas em diversas partes do mundo. São mulheres e homens que recusam aceitar a forma como são tratados pelos respetivos Estados. Acreditam, tal como o autor da exposição, que o mundo pode ser muito melhor. Por isso, com coragem, decidiram sair à rua.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Identidade política dos manifestantes…
Este primeiro projeto de André de Castro, em 2013, foi selecionado para a 11ª Bienal Brasileira de Design Gráfico e visto por mais de 40 mil visitantes, passando por Miami (2013), Nova Iorque (2014) e Brasília (2015). As serigrafias, que resultam de entrevistas realizadas através das redes sociais, retratam as identidades políticas dos manifestantes de diferentes países.
Foto: DW/J. Carlos
… e cultura das manifestações
Através das serigrafias, o artista procurou valorizar a força da ação individual dos manifestantes. Cada participante enviou uma foto de rosto, usando as redes sociais, e respondeu a uma série de perguntas sobre a sua identidade política. Assim, foram criados retratos políticos individuais que, em conjunto, formam uma mini etnografia da cultura material e imaterial das manifestações.
Foto: DW/J. Carlos
Do outro lado do mundo
Em Nova Iorque, no Zuccotti Park, a sugestão original foi ocupar Wall Street, símbolo dos capitais financeiros internacionais. Porque, afinal, foi a especulação de capitais que deu origem à crise que atormentou o mundo há anos. Questiona Daniel Aarão Reis, ao apresentar a exposição: "Como aceitar que os responsáveis não ficassem com o fardo principal das medidas de superação desta mesma crise?"
Foto: DW/J. Carlos
Novos dispositivos de mobilização
A arte política de André de Castro, que também evoca figuras como Ghandi e Martin Luther King, faz lembrar a tradição dos grandes movimentos dos anos 1960, que dispensava partidos e sindicatos. Ao invés disso, surgiram novos dispositivos de mobilização e de ação.
Foto: DW/J. Carlos
Espelho D’ Água valoriza as serigrafias
A exposição, que também será posteriormente exibida no Porto (a norte de Portugal), encontra-se no Espaço Espelho D’Água, em Lisboa. A calçada deste espaço, tipicamente portuguesa, foi construída com base numa obra do autodidata artista plástico angolano, Yonamine, que tem vivido em diversos países de África, Europa e América do Sul.