É na medida do possível, nalguns casos só com escolta das FDS, diz a CNE. Analista acredita que eleitores ficarão excluídos da votação no dia 15 de outubro. Mas CNE fala em reforço de segurança nesse dia.
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Os relatos da campanha eleitoral mais difundidos pela imprensa e pelos próprios partidos políticos não são com certeza os de Cabo Delgado. Nesta província nortenha de Moçambique vários distritos são praticamente palco de ataques e confrontos armados, ações cuja a frequência neste momento eleitoral aumentou.
Será que a caça ao voto está a acontecer de forma efetiva e segura? Gil Mulhovo, da Sala da Paz, plataforma que monitora o processo eleitoral, afirma: "Na verdade estamos a ter campanhas muito condicionadas justamente por questões relacionadas com segurança."
"Os insurgentes acabam trazendo ameaças relacionadas com o curso normal da campanha. Portanto, é uma campanha extremamente condicionada, onde temos os partidos políticos com muito receio de fazer a campanha", relata Mulhovo.
Campanha só com escolta das FDS em algumas zonas
A CNE, a Comissão Nacional de Eleições, órgão que administra o processo, também assume que a caça ao voto não decorre de forma plena.
Paulo Cuinica é o porta-voz e conta que "está a decorrer na medida do possível. Estão lá partidos políticos e os candidatos a fazerem a campanha, mas condicionados, naturalmente."
"A limitação é esse de fazer [a campanha] até certa hora. Há alguns locais onde é preciso ter muito cuidado para lá chegarem, outros não se chegam sem a escolta das forças de Defesa e Segurança", detalha o porta-voz da CNE.
E é ao som de tiros e outro tipo de violências contra a população na província que o país deverá ir a votos dentro de 13 dias. Por exemplo, recentemente um edifício da FRELIMO, o partido no poder, terá sido incendiado pelos atacantes. E desde que os ataques iniciaram, há quase 3 anos, as populações amedrontadas tem se descolado para lugares mais seguros.
Previsões de exclusão do processo político
Cabo Delgado: Há campanha eleitoral em contexto de ataques?
E ao que tudo indica, as eleições de 15 de outubro deverão acontecer sob o expectro de guerra. Apontando as possíveis consequências, o analista político Calton Cadeado diz que as "pessoas com certeza vão ficar excluídas de um processo político importante e isto é diminuir ou prejudicar a participação dos cidadãos numa democracia".
"Infelizmente esta violência que está a acontecer em Cabo Delgado, com a probabilidade de assumir até algum tipo de intensidade nas vésperas da votação ou até no próprio dia da votação. Infelizmente não podemos ficar indiferentes a isso", prevê Cadeado.
E o analista deixa tudo em aberto: "Sabemos que noutros países quando se aproximam datas de grande valor político esses grupos têm tendência a fazer aproveitamento político, então é preciso esperar um pouco de tudo."
Mas um processo a meio gás e parcialmente comprometido não é uma marca apenas da caça ao voto. Gil Mulhovo, da Sala da Paz, lembra que já o recenseamento eleitoral foi marcado por uma fraca afluência por causa dos ataques.
"Existirão, sim, regiões onde não poderemos ter postos de votação a funcionar normalmente. Nós estamos a trabalhar num mapeamento das regiões de risco", prevê Mulhovo.
Influência nos resultados eleitorais?
E já que estamos a falar de uma cadeia de eventos, pode-se prever que a instabilidade vai influenciar negativamente os resultados das eleições de 15 de outubro na província?
"Resultados, sim e não, porque não nos esqueçamos que um dos interesses desta violência não deixa de ser mostrar a incapacidade do Estado para alguém tirar os seus dividendos políticos", responde o analista político.
Calton Cadeado prefere responder buscando as motivações dos ataques, até aqui sem cara devidamente identificada: "Tenho associado isso a indústria da segurança militar como um dos principais interessados na questão da demonstração da incapacidade do Estado moçambicano para poder justificar a sua presença na segurança aqui."
Segurança garantida na votação
Sobre um reforço de segurança no dia da votação, Paulo Cuinica da CNE, Comissão Nacional de Eleições, afirma que"há promessa de reforço e nós estamos a trabalhar, a preparar os materiais e os membros das mesas de votação para cobrir todo o país."
E e porta-voz garante que está tudo acautelado: "E as Forças de Defesa e Segurança vão garantir que possamos colocar os materiais. Do nosso lado está tudo preparado para que as eleições aconteçam em todos os locais."
Quais as motivações dos ataques armados em Cabo Delgado?
Há mais de nove meses que o norte de Moçambique tem sido palco de violentos ataques armados. Suspeitas há muitas e até já há um estudo, mas até hoje não está claro quem são os atacantes e nem o que os move.
Foto: Privat
Mocímboa da Praia: Era uma vez um lugar pacato...
Até 5 de outubro de 2017 a província de Cabo Delgado vivia na tranquilidade, pelo menos aparentemente. Mas desde essa data tudo mudou quando cerca de 30 homens armados desconhecidos atacaram três postos da polícia do distrito de Mocímboa da Praia, matando cinco pessoas, entre elas polícias, e ferindo mais de dez. Na altura a Polícia disse que estava a investigar o caso.
Foto: DW/G. Sousa
O alastramento dos ataques
Dois meses depois Mocímboa viveu novos ataques e desde essa altura os ataques armados têm vindo a alastrarar-se muito rapidamente para outros distritos. Palma começou a ser alvo a partir de janeiro de 2018.
Foto: DW/Estácio Valoi
Marcha contra um "Islão que não existe"
Uma semana depois do primeiro ataque Mocímboa da Praia marchou pela paz. A iniciativa juntou líderes de diferentes religiões, cristã e muçulmana, estes últimos a maioria na região. Os atacantes, que se dizem muçulmanos, defendem uma visão radical do Islão. As autoridades do distrito consideram que esse é um "Islão "que não existe", e acusam "os bandidos" de usaram a religião como "capa".
Foto: Estácio Valoi
Os indícios que não terão sido tomados a sério
Já em 2016 supostos pregadores do Islão foram expulsos do país por estarem ilegais no país. Também já foi intercetado um angariador de crianças a cujos pais era prometida educação e bons tratos. Mas o destino, passando por Nampula, eram escolas corânicas com o fim de radicalização. Há também detenções de pessoas que propagam a insurgência contra as instituições do Estado.
Foto: Colourbox/krbfss
Detenções e excesso de zelo
Cinco dias após o início dos ataques, a Polícia já tinha detido 52 pessoas, o que assustou alguns líderes religiosos. Mas havia outros líderes que eram a favor, justificando a necessidade de denunciar malfeitores para "purificar fileiras", mesmo que isso leve a excesso de zelo. Mas a Polícia ainda não sabe dizer quem são os atacantes, justificando sempre que está a trabalhar no assunto.
Uma das maiores reservas de gás de mundo está em Cabo Delgado. Em Palma as multinacionais operam no setor. Em Mocímboa da Praia há minas de rubis que são bem cotados nos mercados internacionais. O IESE, MASC e um líder muçulmano realizaram um estudo na sequência dos ataques e concluiram preliminarmente que o objetivo dos atacantes é garantir o tráfico dos inúmeros recursos da região.
Foto: ENI East
Erik Prince, o salvador da pátria?
Empresário norte-americano na área de segurança tem interesses nas empresas envolvidas nas dívidas ocultas. Uma delas a Proindicus, criada para garantir a segurança nas águas moçambicanas. Por outro lado acredita-se que tenha criado uma empresa de segurança e estaria a contar como pagamento pelos serviços os dividendos do gás. Eric Prince já prestou serviços para o Governo dos EUA no Iraque.
Foto: Imago/UPI Photo
Deslocados internos: Existem ou não?
O medo dos violentos ataques fez com que a população fugisse. Mas as autoridades locais garantem que ela regressa às suas comunidades graças à patrulha feita pelo exército e afirmam que são poucas as deslocações. Entretanto, não há números exatos. Quem está a lidar com esses deslocados são as autoridades locais. Até ao momento nenhuma agência da ONU ou ONG humanitária foram chamados a intervir.
Foto: Privat
Participação das FDS na reconstrução
Embora as FDS, Forças de Defesa e Segurança, não consigam impedir as ações dos atacantes elas garantem o patrulhamento depois dos ataques. Também auxiliam diretamente na reconstrução das casas incendiadas pelos atacantes. Isso, segundo as autoridades, permite o retorno da população às suas aldeias.
Foto: Borges Nhamire
Participação das comunidades
Supõe-se que os jovens que integram os grupos armados sejam recrutados nas comunidades. As autoridades pedem, por isso, que as populações se mantenham vigilantes e denunciem qualquer ilícito ou movimentação suspeita.
Foto: Privat
Governador visita comunidades
Os assassinatos tornam-se cada vez mais bárbaros. Há decapitações com recurso à catanas e nem as crianças escapam. Na sequência do recrudescimento dos ataques e do nível de violência o governador da província de Cabo Delgado, Júlio Parruque, visitou familiares das vítimas.
Foto: Privat
Presidente de Moçambique em Cabo Delgado
A 29 de junho de 2018 o Presidente Filipe Nyusi esteve nos distritos alvo dos ataques. Pouco antes disso o estadista tinha sido criticado por alguns setores por nunca se ter pronunciado publicamente sobre os ações violentas. Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção contra ataques e mostrou abertura, convidando os atacantes para dialogar.
Foto: privat
Um mar de gente para ouvir Nyusi
Em Cabo Delgado, Filipe Nyusi foi ouvido por milhares de pessoas a quem exortou para que se distanciem de crenças religiosas que estariam na origem da instabilidade: "Estão a recrutar pessoas nos distritos costeiros. Estão a ir também a Nampula recrutar pessoas para vir morrer aqui. Não deixem que isso aconteça. Estão a semear luto nas vossas famílias. E são jovens que vocês conhecem, denunciem".